Fugas - Vinhos

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Poças, as colheitas de uma família portuguesa

Por Manuel Carvalho

Nesta casa, a arte suprema do vinho do Porto não dispensa o envelhecimento em cascos de carvalho. É desta atitude que nascem os Colheita da Porto Poças. Provámos uma série entre 1964 e 2000 e há aqui casos sérios. A preços surpreendentes.

Conhecer a Porto Poças é como fazer uma viagem a um tempo que praticamente se extinguiu. É uma espécie de regresso a uma era em que as empresas de vinho do Porto eram geridas por famílias solidamente ancoradas no negócio, quando o envelhecimento dos vinhos nas caves dominava a atenção dos provadores, quando em vez da moda impositiva dos vintage as atenções das equipas comerciais e da enologia aplicavam a maior parte do seu talento e dedicação aos tawnies ou aos Colheita. Uma prova de vinhos desta categoria do período compreendido entre 1964 e 2000 realizada na semana passada nas caves da empresa foi, por isso, uma boa oportunidade para se recordar que a riqueza e a diversidade do sector vão muito além da majestade dos vintage ou do poder de afirmação das grandes companhias do sector. E para constatar que além do poder de influência do marketing, no vinho do Porto há marcas menos mediáticas cujos vinhos justificam mais atenção.

Cada caso é um caso e o caso da Poças é principalmente o dos vinhos destinados a envelhecer nos cascos acumulados pela empresa em Gaia ou na adega da Quinta das Quartas, no Douro. Feita a vindima, os vinhos são todos dirigidos para a madeira que garantirá o seu envelhecimento, mas à partida há pequenos lotes que são destinados a estatutos especiais. Como os vintage ou os LBV que a Poças produz com competência (vejam-se o excelente Poças de 2004, ainda a crescer, ou o LBV Poças de 1994 que se apresenta num excelente nível). Ou os Colheita, nos quais a empresa deposita particulares cuidados.

Desde 1964 que uma certa quantidade de vinho de cada vindima fica assim reservada para evoluir em cascos. Esses lotes distintos provêm da Quinta de Santa Bárbara e cada vindima origina uma colheita específica, não sendo sujeita a lotações com vinhos de outros anos - por regra, em cada 12 meses a evaporação consome entre 1 e 1,5% dos vinhos de cada casco. As escolhas dos lotes, diz Jorge Poças, enólogo da casa, "têm de ser feitas a pensar na viagem dos vinhos durante muitos anos de casco, embora tenha de haver uma certa flexibilidade para que o vinho possa dar de si". Ou seja, para que revele a sua própria personalidade.

Para se testar a bondade das opções da Poças neste segmento do vinho do Porto fez-se uma prova de nove colheitas, desde a mais antiga da casa, a de 1964, até à mais recente, de 2000. Pela lei, o Porto Colheita só pode ser engarrafado após um estágio de sete anos em casco, mas para a equipa de enologia da empresa esse período é curto para que o estilo destes vinhos se afirme plenamente. Por isso, o engarrafamento ocorre pelo menos uma década após a data da colheita, o que permite ao consumidores confrontarem-se com vinhos com um grau de aprimoramento muito razoável.

Em geral, os Colheita da Poças são vinhos assertivos e capazes de exibir o melhor carácter deste estilo de Porto: uma boa estrutura e profundidade, complexidade e a identidade específica de cada ano vitícola. Por regra, os mais recentes acusam um razoável grau de doçura que uma estrutura de taninos é capaz de balancear. Alguns, como o 1992, 1994 e o 1997 são vinhos com muita complexidade, na qual se combinam aromas do envelhecimento (frutas secas), especiaria (o de 1997 tem um final apimentado muito apelativo e fresco) e uma persistência notável. Já de outra dimensão, os vinhos de 1988, 1976, 1967 e 1964 primam igualmente por um excelente nível de qualidade, embora aqui se imponham com mais veemência os sintomas da idade provecta que a existência do "vinagrinho" sugere (caso muito patente no 1967), a elegância e um admirável volume de boca (uma vez mais o 1967 e o 1976 são casos notáveis a este propósito).

Estando em causa um leque de grandes Colheita, todos disponíveis no mercado, vale ainda a pena reflectir sobre o seu custo e relacioná-lo com as ofertas de outras empresas e de outras categorias, nomeadamente os vintage. O que a prova da Poças sublinha sem margem para equívoco é que a relação qualidade-preço dos seus vinhos é altamente recomendável. O 2000 custa 18 euros e o 1988 42.5 euros, o que é notável para um vinho com quase um quarto de século de envelhecimento. E mesmo os Colheita mais antigos, que ficam acima dos 100 euros, estão longe de ser proibitivos quando comparados com vinhos desta qualidade e com este percurso temporal.

Como em todos os mercados de vinhos, há pequenos segredos à vista de todos que vale a pena conhecer. Depois de a pequena Wiese & Krohn ter mostrado os seus inexcedíveis Colheita, vale a pena descobrir o que a Poças tem para oferecer nesta gama. Fundada em 1932, a empresa está a ser liderada nos seus sectores chave, sejam a enologia, a viticultura ou a parte financeira, pela terceira e quarta gerações da família do fundador, Manoel D. Poças Júnior. É uma empresa relativamente pequena (vende 1,7 milhões de garrafas de Porto por ano e factura oito milhões de euros por ano), mas que conserva a genética das velhas empresas de portugueses: uma denodada paixão pelos cascos de madeira onde, acreditam, o vinho do Porto melhor continua a caminhar em direcção à perfeição.

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