Fugas - Vinhos

Nuno Oliveira

Alentejo indomável

Por Rui Falcão

O triunfo de uma região vinícola será mensurável? Como avaliar então o sucesso de uma região, como aferir sobre o seu êxito e a respectiva consequência nos resultados?

Como medir a validade de uma denominação? Poderemos avaliar uma região pelo volume de vinhos produzido, pela quantidade produzida e poralguns números avassaladores? Poderemos avaliar uma região pela quota de mercado que detém, pelo quinhão que ocupa não só nas prateleiras desupermercados e nos catálogos das feiras de vinho, mas também no gostodos consumidores? Poderemos avaliar uma região pela variedade, pela empatia que cria junto dos consumidores, pela facilidade e cumplicidade que gera entre o gosto dominante do consumidor médio?

Poderemos avaliar uma região pela qualidade média dos vinhos aí produzidos, pela consistência e solidez das gamas base e intermédia, ou deveremos antes analisar o sucesso pela quantidade de rótulos de prestígio, pelo número de marcas de referência nacionais e internacionais, pela quantidade de vinhos capazes de criar momentos de desejo e antecipação? Poderemos avaliar uma região simplesmente pelo preço médio dos vinhos, pela capacidade de se adaptar à realidade económica do mercado, pela capacidade de conseguir produzir vinhos de excelentes relações qualidade/preço?

Poderemos avaliar uma região pela diversidade de estilos, pela capacidade de surpreender e de abarcar todos os estilos possíveis, desde os vinhos brancos até aos espumantes passando pelos vinhos tintos, rosados, fortificados e de colheita tardia ou o sucesso passará pela simplicidade da oferta? Poderemos avaliar o sucesso de uma região pela sua capacidade exportadora, pela aptidão em conquistar mercados internacionais, pela capacidade de comunicação e pela vontade de se promover de forma regular e consistente?

Todos compreenderão que o verdadeiro sucesso terá de ser medido por todos estes requisitos, por todas estas variáveis, de forma mais ou menos intensa para cada condição. E todos sabemos que infelizmente são poucas, muito poucas, as regiões que conseguem cumprir estes critérios de forma mais ou menos universal. A denominação que mais se aproxima do ideal de cumprir todos estes desideratos é o Alentejo, região de sucesso comprovado, dentro e fora de fronteiras, que há muito se afirmou como a região de maior sucesso em Portugal.

Um Alentejo muito mais plural no estilo, na diversidade cultural e na paisagem do que os preconceitos gostam de considerar, um Alentejo muito mais variado que o admitido por parte do país. Por ser tão grande, por ocupar quase um terço do território continental, e apesar dos clichés frequentemente o esquecerem, o Alentejo é a região de maior diversidade em Portugal, capaz de albergar paisagens, microclimas e solos díspares e por vezes antagónicos.

O Alentejo tem praias, tem uma linha de costa que beneficia da influência atlântica directa, uma área que apesar da falta de tradição no cultivo da vinha ganha cada vez mais adeptos e onde as vinhas começam a marcar a paisagem. O Alentejo tem regiões de clima inclemente no sul, sobretudo na margem esquerda do Guadiana embora a longa e escaldante planície de Beja possa ser igualmente cálida, regiões onde a vinha necessita de água e de regadio para sobreviver, região onde com frequência os estilo ganho um cunho mais intenso e internacional de fruta farta... embora bem medida.

Mas o Alentejo exibe igualmente uma paisagem pontuada por planícies ondulantes no coração da denominação, no eixo pontuado por Évora, Borba, Redondo, Reguengos e Vidigueira, regiões de diferentes e acentuados microclimas e enorme variabilidade de solos, condições que ajudam a explicar a justeza e razão de ser das sub-regiões oficiais do Alentejo. E o Alentejo oferece um norte montanhoso, em Portalegre, região onde pontifica a Serra de São Mamede, serra de encostas acentuadas e de vinhas em altitude, vinhas centenárias de castas há muito esquecidas plantadas no inconfundível estilo português que mistura dezenas de castas na mesma vinha. Muito mais que um Alentejo existem diversos “Alentejos” que diferem entre si.

Talvez por isso, e sobretudo por o Alentejo ser responsável por praticamente metade do vinho consumido em Portugal, muitos gostariam de ter um vinho alentejano no leque de oferta. Apesar de hoje muitos pretenderem estender as suas operações ao Douro e à região do Vinho Verde, duas regiões onde muitos produtores consagrados estão a investir, a verdade é que este movimento interno de expansão começou precisamente pelo Alentejo, pela terra onde todos queriam estar presentes.

Empresas vinícolas nacionais tão fortes e reconhecidas como os gigantes Sogrape, Caves Aliança, José Maria da Fonseca, Bacalhôa ou Dão Sul, para nomear unicamente uma mão cheia de nomes, decidiram investir na compra de herdades virgens ou de produtores já estabelecidos numa tentativa de conquistar um lugar no coração do Alentejo, de conquistar uma quota importante do Alentejo e, consequentemente, do mercado nacional e internacional.

Curiosamente, e salvo as devidas e honrosas excepções, os diversos investimentos de grandes empresas vinícolas no Alentejo não resultaram da forma esperada e antecipada por essas grandes empresas. A maioria continua a lutar contra alguma falta de reconhecimento e identidade das suas marcas, debatendo-se em mais de um caso com uma viticultura nem sempre bem alinhada com as exigências e particularidades do Alentejo. Apesar do sucesso inegável do Alentejo têm sido os produtores locais a capitalizar esse sucesso, deixando pouco espaço e alegrias para as grandes empresas de fora da região. É caso para dizer que para além de se mostrar indomável o Alentejo obriga a uma presença forte e uma atenção contínua dos produtores, a um acompanhamento ininterrupto a que muitos não se têm dedicado.

Uma região curiosa que exporta produtores para outras regiões de Portugal mas que raramente se deixa conquistar por quem vem de fora. Uma região com muito mais personalidade do que por vezes alguns querem fazer crer...

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