É sabido que para a defesa intransigente da verdade do vinho é obrigatório e fundamental recorrer a uma prova cega, a uma prova onde quem quer que esteja a provar não sabe que vinhos está a provar e não sabe a sequência de prova.
A argumentação é convincente, de fácil digestão e, visivelmente, incontestável no raciocínio. Porque a ver rótulos todos somos especialistas, porque a ver rótulos todos somos facilmente influenciáveis, porque a ver rótulos as simpatias e antipatias naturais são fatais, porque a ver rótulos os preconceitos são inevitáveis. A alegação é aparentemente tão sólida e o raciocínio tão evidente que o tema parece ter pouco para disputar. Mas… e se a prática nem sempre comprovar a tese? E se a realidade escapar à ditadura do pensamento politicamente correcto? E se afinal a prova cega não for tão irrepreensível como poderá parecer numa análise imediata? E se a prova cega encerrar em si mesma erros e vícios de forma?
É inegável que a prova cega apresenta algumas virtudes. Podemos mesmo dizer que se torna indispensável em condições concretas, sobretudo nas avaliações tradicionais dos concursos institucionais de vinho. Sem o recurso à prova cega os concursos de vinho pouco mais seriam que uma caricatura grotesca, uma perda de tempo sem sentido. Poderá ainda ser útil em provas comparativas de painéis de revistas especializadas em vinho, desde que consistentes e coerentes na agrupação e ordenação lógica dos vinhos em prova. Poderá também ser uma actividade didáctica, educativa e lúdica, proporcionando educação e momentos de diversão e satisfação entre amigos, embora tenha de ser considerada mais como um exercício de adivinhação que de análise fria e racional, parecendo comprazer alguns dos egos mais avantajados.
No entanto, a prova cega encerra igualmente grandes imperfeições que atenuam o seu encanto teórico. Sobretudo porque a prova cega tem tendência para favorecer os vinhos mais potentes e expressivos, os mais explosivos e entusiásticos, os mais aromáticos e evidentes, os mais redondos, mais maduros e exuberantes. Em prova cega os vinhos mais subtis, mais delicados e delgados, mais graciosos e ténues serão sempre preteridos, incompreendidos, esquecidos face ao apelo da verbosidade da fruta, potência e açúcar. É inevitável!
Reféns da nossa mera condição humana, a realidade confirma que todos os provadores se sentem inseguros quando provam no regime de prova cega, sentindo-se testados, examinados e nervosos pela sensação do desconhecido, inquietos pelo receio de perpetrar equívocos imperdoáveis. Quanto maior a experiência, quanto maior a responsabilidade, quanto maior o prestígio, maior será também o receio por haver mais a perder. Assim, por se sentirem intimidados, os provadores resguardam-se continuamente em valores intermédios quando provam em prova cega, esquivando-se ao risco sem se comprometer com os extremos da escala. Premeia-se assim a vulgaridade, pelo simples temor de fazer má figura, nivelando pela mediania a maioria dos vinhos presentes.