Se tomarmos como comparação a longa história dos vinhos tranquilos de França, por exemplo, os tintos e brancos do Douro Superior ainda não saíram da infância. Tirando os casos excepcionais do Barca Velha, cuja primeira colheita remonta a 1952, e do seu irmão Reserva Especial, que apareceu dez anos depois, a região só começou a ganhar expressão e a afirmar-se no início da década de 1990, quando chegaram ao mercado os primeiros Duas Quintas.
Mais tarde surgiram (não por esta ordem) o Vale Meão, Carm, Quinta da Leda, Conceito, Quinta da Touriga Chã, Quinta dos Quatro Ventos, Dona Berta, Muxagat, Castelo d’Alba, Quinta da Sequeira, Duorum, Vesúvio, Crasto Superior e muitos outros vinhos.
Em poucos anos, uma região quase só vocacionada para a produção de vinho do Porto, azeite e amêndoa, de clima semidesértico, onde chove tão pouco como nas regiões mais áridas do Alentejo, transformou-se numa espécie de terra prometida para a viticultura.
Nos últimos anos, produtores renomados como a Quinta do Crasto, a Quinta do Vallado, Jean-Michel Cazes, João Portugal Ramos e José Maria Soares Franco (projecto Duorum) e alguns investidores angolanos ergueram grandes quintas no Douro Superior, aproveitando a circunstância de existiram na zona grandes áreas incultas junto ao rio Douro.
Estes investimentos maiores e a eclosão de inúmeros projectos mais pequenos, muitos liderados por jovens urbanos que decidiram ir viver para o Douro Superior, como são os caso de Mateus Nicolau de Almeida (Muxagat) e Joaquim Almeida (Quinta Vale de Pios), estão a mudar a paisagem da região e também a percepção de que o Douro Superior, pela natureza agreste do seu clima, não seria apto para a produção de vinhos tranquilos de qualidade.
A simples história do Barca Velha e do Reserva Especial (que eram feitos na Quinta do Vale Meão e são desde há alguns anos produzidos na Quinta da Leda, ambas situadas no concelho de Vila Nova de Foz Côa), seria suficiente para desmentir essa ideia.
Mas a prova “20 anos de grandes tintos do Douro Superior”, realizada no âmbito do 2.º festival do Vinho do Douro Superior, que teve lugar no passado fim-de-semana em Vila Nova de Foz Côa, acabou com todas as dúvidas. Conduzida pelo crítico Luís Antunes, da Revista de Vinhos (que organizou o evento), a prova foi uma espécie de sobrevoo sobre a curta mas exaltante história vinícola daquela região e mostrou que os vinhos do Douro Superior também podem aspirar a viver muitos anos em garrafa.
O melhor exemplo foi dado pelo vinho mais antigo em apreciação, o Ferreirinha Reserva Especial 1986. Este vinho esteve para ser declarado Barca Velha, mas, no ano de decisão, posterior à colheita, a então equipa de enologia da Sogrape, liderada por José Maria Soares Franco, optou por engarrafá-lo como Reserva Especial, em virtude de o mesmo estar um pouco marcado pela madeira (o vinho estagiou por duas vezes em barricas novas). Na altura, o actual responsável enológico da Casa Ferreirinha, Luís Sottomayor, foi um dos que votou a favor da designação Reserva Especial, pela questão da madeira. Agora, Luís Sottomayor admite que o vinho merecia ter sido Barca Velha, embora ainda lhe encontre algum tanino seco no final de boca. Mas na apreciação geral do vinho este é um pormenor quase insignificante. O que merece ser realçado é o seu extraordinário equilíbrio, a complexidade de aroma e sabor, a elegância musculada e a imensa frescura de boca. Um grande tinto, ao nível dos melhores Barca Velha que a casa Ferreirinha já produziu.