Fugas - Vinhos

A Quinta do Vale do Meão foi uma das que viu os seus vinhos premiados

A Quinta do Vale do Meão foi uma das que viu os seus vinhos premiados

A promissora infância dos vinhos do Douro Superior

Por Pedro Garcias

Uma prova de tintos do Douro Superior realizada no âmbito do 2.º festival do vinho desta região acabou com as dúvidas que pudessem existir sobre o grande potencial vitivinícola das terras de onde têm saído alguns dos melhores vinhos tranquilos país. Um deles é o famoso Barca Velha.

Se tomarmos como comparação a longa história dos vinhos tranquilos de França, por exemplo, os tintos e brancos do Douro Superior ainda não saíram da infância. Tirando os casos excepcionais do Barca Velha, cuja primeira colheita remonta a 1952, e do seu irmão Reserva Especial, que apareceu dez anos depois, a região só começou a ganhar expressão e a afirmar-se no início da década de 1990, quando chegaram ao mercado os primeiros Duas Quintas.

Mais tarde surgiram (não por esta ordem) o Vale Meão, Carm, Quinta da Leda, Conceito, Quinta da Touriga Chã, Quinta dos Quatro Ventos, Dona Berta, Muxagat, Castelo d’Alba, Quinta da Sequeira, Duorum, Vesúvio, Crasto Superior e muitos outros vinhos.

Em poucos anos, uma região quase só vocacionada para a produção de vinho do Porto, azeite e amêndoa, de clima semidesértico, onde chove tão pouco como nas regiões mais áridas do Alentejo, transformou-se numa espécie de terra prometida para a viticultura.

Nos últimos anos, produtores renomados como a Quinta do Crasto, a Quinta do Vallado, Jean-Michel Cazes, João Portugal Ramos e José Maria Soares Franco (projecto Duorum) e alguns investidores angolanos ergueram grandes quintas no Douro Superior, aproveitando a circunstância de existiram na zona grandes áreas incultas junto ao rio Douro.

Estes investimentos maiores e a eclosão de inúmeros projectos mais pequenos, muitos liderados por jovens urbanos que decidiram ir viver para o Douro Superior, como são os caso de Mateus Nicolau de Almeida (Muxagat) e Joaquim Almeida (Quinta Vale de Pios), estão a mudar a paisagem da região e também a percepção de que o Douro Superior, pela natureza agreste do seu clima, não seria apto para a produção de vinhos tranquilos de qualidade.

A simples história do Barca Velha e do Reserva Especial (que eram feitos na Quinta do Vale Meão e são desde há alguns anos produzidos na Quinta da Leda, ambas situadas no concelho de Vila Nova de Foz Côa), seria suficiente para desmentir essa ideia.

Mas a prova “20 anos de grandes tintos do Douro Superior”, realizada no âmbito do 2.º festival do Vinho do Douro Superior, que teve lugar no passado fim-de-semana em Vila Nova de Foz Côa, acabou com todas as dúvidas. Conduzida pelo crítico Luís Antunes, da Revista de Vinhos (que organizou o evento), a prova foi uma espécie de sobrevoo sobre a curta mas exaltante história vinícola daquela região e mostrou que os vinhos do Douro Superior também podem aspirar a viver muitos anos em garrafa.

O melhor exemplo foi dado pelo vinho mais antigo em apreciação, o Ferreirinha Reserva Especial 1986. Este vinho esteve para ser declarado Barca Velha, mas, no ano de decisão, posterior à colheita, a então equipa de enologia da Sogrape, liderada por José Maria Soares Franco, optou por engarrafá-lo como Reserva Especial, em virtude de o mesmo estar um pouco marcado pela madeira (o vinho estagiou por duas vezes em barricas novas). Na altura, o actual responsável enológico da Casa Ferreirinha, Luís Sottomayor, foi um dos que votou a favor da designação Reserva Especial, pela questão da madeira. Agora, Luís Sottomayor admite que o vinho merecia ter sido Barca Velha, embora ainda lhe encontre algum tanino seco no final de boca. Mas na apreciação geral do vinho este é um pormenor quase insignificante. O que merece ser realçado é o seu extraordinário equilíbrio, a complexidade de aroma e sabor, a elegância musculada e a imensa frescura de boca. Um grande tinto, ao nível dos melhores Barca Velha que a casa Ferreirinha já produziu.

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