Fugas - Vinhos

Giampiero Sposito/Reuters

Lições gregas

Por Rui Falcão

Da Grécia, sobretudo nos dias difíceis e na conjuntura actual, não se espera retirar grandes lições de vida ou de estratégia, não se esperam obter grandes desígnios ou doutrinas de ensinamento.

Obrigada a uma cura de austeridade imposta e a restrições económicas e sociais sem limites depois de décadas de gastos espaventosos, numa escala a que Portugal felizmente não sonhou atingir, a reputação pública e internacional da Grécia ficou indelével e umbilicalmente associada a epítetos como corrupção, despesismo, laxismo, inépcia ou fraude.

Com maior ou menor razão para que tais acusações sejam desferidas, muitas das quais injustamente, e não sendo este um espaço para a discussão da política, convém recordar que a Grécia é um país produtor de vinho, um país de tradições antigas que, embora de forma distante e desfasada no tempo, revela, tal como na política, algumas similitudes com Portugal. Na Grécia, tal como em Portugal, a identidade assenta nas castas próprias. É indiscutível que lá, como cá, também em tempos se popularizaram os inevitáveis Syrah, Cabernet Sauvignon e amigos entre alguns dos rótulos. Lá, como cá, grassou em tempos a moda e o desejo da chamada “internacionalização”, a aposta na modernidade dos lotes entre castas nativas e castas internacionais.

O movimento era quase inevitável e certamente compreensível, fruto do tempo e das circunstâncias da época. Mas na Grécia, tal como em Portugal, a maioria dos produtores e dos líderes de opinião acabaram por se aperceber da inevitabilidade do regresso às origens, da necessidade de afirmação e diferenciação nacional, da urgência em oferecer alternativas que transformassem os vinhos gregos em vinhos únicos e genuínos. Também lá, como cá, o caminho esteve facilitado por uma colecção incrível de castas autóctones que não existem em nenhum outro país do mundo, de terroirs muito diferenciados, de apelos exóticos e de paisagens deslumbrantes.

Lá, como cá, os vinhos mudaram também graças a uma mudança filosófica e geracional, uma nova fornada de produtores e enólogos, uma nova geração mais preparada tecnicamente e desejosa de mostrar trabalho, uma geração mais cosmopolita que viajou por outros países produtores e consumidores alargando horizontes e descobrindo novas realidades e ansiedades. Uma nova geração que fala inglês mais ou menos fluentemente, com capacidade para se expressar em qualquer mercado e que tem o mundo como horizonte.

Os paralelismos entre os dois países são fáceis e os pontos de convergência múltiplos. Até na dificuldade inerente à condição de países periféricos e de imagem pouco auspiciosa, de conseguir afirmar as suas castas, as mesmas castas que os diferenciam do resto do mundo. Sim, porque a experiência grega, e portuguesa, de oferecer castas diferentes, muitas das quais de nomes impronunciáveis, variedades de carácter e gostos alternativos que fogem aos padrões pré-formatados, representa um custo e dificuldade extras que há que saber encarar com convicção.

Porque, goste-se ou não, para quem tem o paladar moldado pelas castas internacionais rotineiras não é fácil ou sequer intuitivo perceber e identificar os sabores e paladares das castas indígenas gregas… ou portuguesas. Para quem tem como referência natural as castas internacionais não é fácil perceber e reconhecer os padrões qualitativos de castas estranhas e de nomes exóticos, perceber o que cada variedade e cada região podem e devem oferecer, perceber o que esperar de cada denominação.

É aqui que os gregos mostraram um caminho alternativo, uma abordagem aparentemente estranha e pesada mas inteligente quando desenhada para o médio a longo prazo. Uma abordagem alternativa que assenta na explicação e divulgação rigorosa das suas castas e regiões, mostrando de forma prática e intensa, com o recurso a vinhos de cada casta e de cada região, o que esperar de cada uma delas. Mergulhar o convidado estrangeiro no mundo das castas gregas independentemente de ele ser jornalista, educador, comerciante ou distribuidor, através de exemplos práticos com vinhos reveladores das múltiplas facetas que estas podem adquirir, exemplificar e doutrinar. Preparar o palato para as diferentes identidades gregas, educar sobre nomes, proveniências, aromas, sabores, particularidades. Receber os convidados profissionais do mundo do vinho começando por explicar castas gregas de uma forma eficaz e didáctica antes de os submeter à realidade das provas, antes de os deixar entregues à prova de vinhos.

Foi o que me aconteceu na maioria das várias visitas que já realizei à Grécia. Aprendi a identificar as principais castas do país, a compreender as variações e as subtilezas de cada variedade, a perceber a diversidade regional, a inteirar-me da história de cada casta e denominações. Durante várias horas provei dezenas e dezenas de vinhos numa viagem lúdica pelo património ampelográfico grego, jornadas esclarecedoras sobre o potencial de cada região e variedades. Descobri a lógica de castas como o Assyrtiko, Athiri, Vilana, Moschofilero, Roditis, Lagorthi, Savatiano, Malagousia, Mandiliaria, Aghiorghitiko, Xinomavro, Mavrodaphni e Moscatel. Diferentes tipos de fermentação, estágios com e sem madeira, diferentes solos, diversas regiões são mostradas, discutidas e explicadas quase até à exaustão. Nomes que antes me eram vagamente familiares, porque explorados em experiências avulso, sem sistematização e sem método, passaram num ápice a apresentar-se como velhos conhecidos.

Ganha-se experiência de causa, que ajuda a compreender o que esperar de cada variedade, o que esperar de cada região, definindo balizas e pontos de referência. No fundo, as portas da compreensão de um país são escancaradas para os profissionais que pouco conhecem de um país diferente. Depois de o interesse ter sido despertado, depende apenas da vontade pessoal para prosseguir nesse caminho do conhecimento. Afinal, que melhor forma de introduzir e promover um país vinícola? Uma abordagem alternativa que Portugal faria bem em adoptar e adaptar à realidade nacional.

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