Obrigada a uma cura de austeridade imposta e a restrições económicas e sociais sem limites depois de décadas de gastos espaventosos, numa escala a que Portugal felizmente não sonhou atingir, a reputação pública e internacional da Grécia ficou indelével e umbilicalmente associada a epítetos como corrupção, despesismo, laxismo, inépcia ou fraude.
Com maior ou menor razão para que tais acusações sejam desferidas, muitas das quais injustamente, e não sendo este um espaço para a discussão da política, convém recordar que a Grécia é um país produtor de vinho, um país de tradições antigas que, embora de forma distante e desfasada no tempo, revela, tal como na política, algumas similitudes com Portugal. Na Grécia, tal como em Portugal, a identidade assenta nas castas próprias. É indiscutível que lá, como cá, também em tempos se popularizaram os inevitáveis Syrah, Cabernet Sauvignon e amigos entre alguns dos rótulos. Lá, como cá, grassou em tempos a moda e o desejo da chamada “internacionalização”, a aposta na modernidade dos lotes entre castas nativas e castas internacionais.
O movimento era quase inevitável e certamente compreensível, fruto do tempo e das circunstâncias da época. Mas na Grécia, tal como em Portugal, a maioria dos produtores e dos líderes de opinião acabaram por se aperceber da inevitabilidade do regresso às origens, da necessidade de afirmação e diferenciação nacional, da urgência em oferecer alternativas que transformassem os vinhos gregos em vinhos únicos e genuínos. Também lá, como cá, o caminho esteve facilitado por uma colecção incrível de castas autóctones que não existem em nenhum outro país do mundo, de terroirs muito diferenciados, de apelos exóticos e de paisagens deslumbrantes.
Lá, como cá, os vinhos mudaram também graças a uma mudança filosófica e geracional, uma nova fornada de produtores e enólogos, uma nova geração mais preparada tecnicamente e desejosa de mostrar trabalho, uma geração mais cosmopolita que viajou por outros países produtores e consumidores alargando horizontes e descobrindo novas realidades e ansiedades. Uma nova geração que fala inglês mais ou menos fluentemente, com capacidade para se expressar em qualquer mercado e que tem o mundo como horizonte.
Os paralelismos entre os dois países são fáceis e os pontos de convergência múltiplos. Até na dificuldade inerente à condição de países periféricos e de imagem pouco auspiciosa, de conseguir afirmar as suas castas, as mesmas castas que os diferenciam do resto do mundo. Sim, porque a experiência grega, e portuguesa, de oferecer castas diferentes, muitas das quais de nomes impronunciáveis, variedades de carácter e gostos alternativos que fogem aos padrões pré-formatados, representa um custo e dificuldade extras que há que saber encarar com convicção.
Porque, goste-se ou não, para quem tem o paladar moldado pelas castas internacionais rotineiras não é fácil ou sequer intuitivo perceber e identificar os sabores e paladares das castas indígenas gregas… ou portuguesas. Para quem tem como referência natural as castas internacionais não é fácil perceber e reconhecer os padrões qualitativos de castas estranhas e de nomes exóticos, perceber o que cada variedade e cada região podem e devem oferecer, perceber o que esperar de cada denominação.