Fugas - Vinhos

  • Paulo Pimenta

O perigo dos vinhos muito bons e muito baratos

Por Manuel Carvalho

A crise forçou os produtores nacionais de vinho a soluções lá fora. A batalha, para já, está a ser ganha. Mas a dependência do mercado interno, onde os preços estão bons para os consumidores e degradados para quem produz, está a ditar a asfixia de muitas empresas. Fazer bom vinho já não basta para sobreviver.

Leve três garrafas e pague duas, compre quatro e desconte o valor de uma no cartão, compre este, aquele e mais aquele vinho por um valor 25% abaixo do custo normal. As mensagens sobre promoções e descontos que abundam nos supermercados são um bom testemunho das dificuldades que o sector do vinho atravessa perante a forte retracção do mercado interno. Os vinhos de marca, com direito a ostentar nos rótulos o nome das grandes regiões ou indicações geográficas de proveniência, estão em recuo — se em 2010 valiam 416 milhões de euros (67.4% do volume de negócios do vinho em Portugal), em 2012 a sua facturação estava já no limiar dos 390 milhões (57,9%). E os vinhos de mesa, indiferenciados e a preços mais baixos, estão a ganhar-lhes quota todos os dias.

"Portugal está muito complicado. Há uma grande degradação dos preços", diz o produtor bairradino, Luís Pato. "Nunca o consumidor teve em Portugal vinhos tão bons a preços tão baixos", nota Manuel Pinheiro, presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes. Se dependessem em exclusivo do mercado interno, a maioria das empresas nacionais do sector do vinho teria provavelmente desaparecido. Mas, felizmente, há mais mundo. Há a exportação, que no ano passado superou a barreira dos 700 milhões de euros e que este ano pode chegar aos 715 milhões.

O ajustamento custa a todos e custa também às empresas do sector do vinho. Jorge Monteiro, presidente da ViniPortugal, uma associação interprofissional voltada para a promoção, não sente na fileira "um discurso de desgraça", vislumbra até uma "certa perspectiva optimista", mas reconhece a dureza dos tempos para os produtores e empresários obrigados num curto lapso de tempo a terem de "encontrar o seu caminho". Que esse caminho é lá fora, poucos duvidam. E neste percurso têm mostrado uma fibra que até há bem pouco tempo poucos poderiam suspeitar. Pondo de parte as exportações de vinho do Porto e Madeira, o conjunto da produção nacional aumentou em 85% as suas vendas para o exterior entre 2003 e o ano passado. O seu valor no mercado externo é já superior ao dos dois vinhos históricos do comércio externo nacional.

Não tem sido uma tarefa fácil. "As coisas lá fora nem sempre acontecem como nas notícias dos media", diz Paulo Amorim, administrador da Dão Sul. "Se as coisas correm bem, temos concorrentes que nos ultrapassam à esquerda e à direita, que andam a uma velocidade muito maior do que a nossa", acrescenta. Os números mostram o perfil dessa corrida: entre 2003 e 2012 as exportações mundiais de vinho aumentaram 66% em valor (rondam os 25.6 mil milhões de euros), mas as vendas nacionais para o exterior ficaram-se pelos 27%. O desempenho negativo do vinho do Porto e do Madeira ajudam a explicar estes números, mas há muitas outras limitações que preocupam os responsáveis pelo sector.

Portugal tem para começar um problema relacionado com a sua escassa produção (em termos médios o país inteiro produz tanto como Bordéus) e com a fragmentação das suas estruturas produtivas. Essas limitações impedem a criação de marcas globais. E afastam o país do negócio dos grandes volumes. "Nunca poderemos competir nesses segmentos de mercado com a Austrália ou os Estados Unidos, por exemplo", diz Frederico Falcão, presidente do Instituto do Vinho e da Vinha. Com excepção de marcas como a Gazela, Casal Garcia, Mateus ou Monte Velho, há poucas empresas capazes de produzir mais de cinco milhões de garrafas anuais – o chileno Casillero del Diablo vende cerca de 40 milhões. Sem grandes volumes, é mais difícil entrar nos portefólios das grandes distribuidoras. As empresas com mais músculo financeiro, como a Sogrape, a Enoport, a Quinta do Crasto, a Aliança/Bacalhoa ou a Esporão superaram o problema e criaram as suas próprias redes no estrangeiro. Mas as empresas pequenas e médias não têm argumentos para esse jogo.

Apesar destas vulnerabilidades, não se pode dizer que Portugal esteja a perder a corrida lá fora. Em termos médios, metade da produção é exportada e a um preço médio (2.21 euros) que é mais do dobro do da Espanha e acima de países como a Itália ou a Austrália. Fora do volume, o que está em curso é um assalto aos nichos de mercado. "Só ainda vencemos a barreira dos críticos e dos importadores. Já chegámos aos enófilos, mas ainda não chegámos aos consumidores", explica Jorge Monteiro. Os críticos devotam-se a elogiar a diferença do vinho português, a sua diversidade de castas e de estilos — no ano passado o vinho português recebeu cerca de 2500 prémios ou distinções, nota Frederico Falcão. Há regiões, como a do vinho Verde, que aposta na originalidade e consegue resultados surpreendentes. "Estamos a produzir vinhos óptimos e que são distintos, mais leves e têm pouca concorrência mundial", explica Manuel Pinheiro. Outras, como o Tejo e o Ribatejo ("o nosso Chile", como diz Luis Pato) expandem-se lá fora com base no preço e no casamento de castas nacionais com as mundialmente famosas Syrah, Cabernet ou Merlot. Factores de proximidade cultural têm garantido sucesso em mercados como o de Angola ou do Brasil. Mas há casos de sucesso em mercados competitivos como o dos Estados Unidos, onde o Vinho Verde tem registado fortes crescimentos, ou do Canadá. Ou ainda o da Suécia, onde a José Maria da Fonseca goza de um prestígio raro — foi este ano distinguida pela segunda vez com o troféu Gyllene Glaset (copo de ouro) da revista Allt om Vin, considerada a mais prestigiada publicação de vinhos e gastronomia sueca, com mais de 90 mil leitores.

Em grande medida, o sucesso recente da exportação explica-se também pelo dinamismo da promoção. "Hoje não se passa uma semana que não haja uma prova ou um curso sobre vinhos portugueses a decorrer em algum ponto do mundo, seja promovido pelas CVR’s, seja pela ViniPortugal ou até pelos próprios produtores", diz Manuel Pinheiro. As acções financiadas pela ViniPortugal levam todos os anos ao estrangeiro cerca de 350 empresas. Só este ano, este organismo vai investir sete milhões em 100 acções de promoção externa. É muito? "Bastante menos do que o orçamento de marketing de alguns gigantes internacionais do sector", pontua Frederico Falcão.

Pressionados pela crise interna e seduzidos pela ideia de um el dorado no exterior, centenas de pequenos produtores acorrem a feiras ou acções de demonstração no estrangeiro à procura da derradeira oportunidade. Gerou-se "um negócio" com a febre do estrangeiro, nota Paulo Amorim, um gestor com décadas de experiência na promoção externa. "Há muita gente que gasta cinco ou seis mil euros e espera resolver os seus problemas numa viagem", explica. Uma ideia errada, "porque criar mercados leva por vezes anos". Que o diga Luís Pato, um produtor com nome e marca feita, que vende a preços altos, mas que passa quatro meses por ano em contactos com os seus clientes no estrangeiro.

Com o mercado interno fechado ao crescimento, com as garrafeiras, os restaurantes e muitas distribuidoras em crise e por isso incapazes de ajudar a construir marcas, o caminho do estrangeiro continuará a ser obrigatório para a sobrevivência de muitas empresas. O seu desafio passa muitas vezes pela necessidade de se associarem e de seguirem exemplos como o dos Douro Boys ou dos Baga Friends – ou da recente Vidigueira Wine Land. Mas, mesmo assim, será difícil para a maioria encontrar uma "narrativa" ou, nas palavras de Jorge Monteiro, "uma argumentação" capaz de convencer importadores e consumidores a seguirem os seus vinhos. Marketeers inovadores como Luís Pato ou como Dirk Niepoort não aparecem todos os dias.

É por isso convicção generalizada que muitos produtores e empresas vão ficar pelo caminho. Nem todas têm músculo e percepção para planear exportar 60% da produção em 2015, como a Dão Sul, dona de marcas como a Cabriz ou Casa de Santar. "Nem tudo será negativo, ficam menos yuppies", diz Luis Pato. A situação de aflição que muitos vivem é um perigo global, porque esmaga preços e degrada as condições de concorrência dos mais fortes. Na produção como no comércio, a crise está a forçar uma pequena revolução no sector. Nesse novo mundo que se anuncia não haverá lugar para todos. Nem sequer para muitos daqueles que são bons.

--%>