Fugas - Vinhos

  • Quinta da Fata
    Quinta da Fata
  •  Quinta da Falorca Garrafeira Old Vines 2007
    Quinta da Falorca Garrafeira Old Vines 2007
  • Quinta das Marias: Quinta das Marias Encruzado Fermentado em Barrica 2011
    Quinta das Marias: Quinta das Marias Encruzado Fermentado em Barrica 2011
  • Vinha Paz Reserva 2009
    Vinha Paz Reserva 2009
  • Quinta das Maias Jaen 2011
    Quinta das Maias Jaen 2011

Cinco nomes que puxam pelo que o Dão tem de melhor

Por Rui Falcão

O Dão é lugar potencial para a criação de vinhos de classe superior. Mas o abandono de vinhas, o esquecimento de castas e uma certa modorra impedem a região de cumprir esse potencial. Há, no entanto, quem aponte caminhos. E mostre um futuro para essa região extraordinária.

A região do Dão insiste em manter-se num estado de entorpecimento geral, apagada num exercício voluntário e derrotista que se repete ao longo do tempo. O Dão, apesar de todos os elogios que a imprensa vai soltando, mantém-se numa modorra e apatia que a conduzirá, se a tendência não for invertida, a um voto de esquecimento a médio ou longo prazo. Como vão longe os tempos áureos das décadas de sessenta e setenta do século passado quando o nome Dão era respeitado e valorizado, reconhecido como um sinal identidade e qualidade.

O Dão, convém não esquecer, é uma das raras denominações de origem portuguesas que ultrapassou a linha divisória do primeiro século de idade. Chegou mesmo a afirmar-se como uma das referências dos vinhos portugueses, transformando-se na região de origem de alguns dos vinhos mais afamados do país. Chegou a dizer-se que o Dão era a Borgonha de Portugal, a denominação onde nasciam os vinhos mais finos e delicados, a região de origem dos vinhos mais elegantes, viçosos e capazes de viver durante anos em garrafa.

Não é fácil explicar a inércia da região e o lento ocaso a que a região do Dão se tem prostrado. O Dão, diz-se muitas vezes com reiterada convicção, é uma das regiões mais abençoadas de Portugal, aquela que é capaz de proporcionar os vinhos mais elegantes, assumindo-se como a denominação naturalmente mais habilitada a produzir vinhos frescos e com maior capacidade de envelhecimento. Argumentos sólidos e efectivos mas que carecem de contraponto.

É verdade que o Dão goza das vantagens naturais apontadas mas também é verdade que sofre de alguns contratempos que dificultam a sua afirmação. Por um lado o forte emparcelamento da terra que frequentemente impede a viabilidade económica da vinha. Mas também o clima volúvel capaz de apadrinhar o melhor e o pior intercalando colheitas extraordinárias com anos sofríveis anuindo inconsistência de colheitas que afasta alguns consumidores. O envelhecimento da população e a desertificação do interior tem como consequência o abandono das vinhas e a consequente perda progressiva de material genético.

O arranque mais ou menos indiscriminado de muitas das vinhas mais velhas, a aposta quase única nas cinco castas dilectas, a Touriga Nacional, Tinta Roriz, Alfrocheiro, Encruzado e Malvasia Fina, desprezando as restantes castas tradicionais da região e sem qualquer estudo aprofundado sobre os méritos e deméritos de cada variedade, força a um estreitamento genético que a próxima geração irá pagar caro. A falência do sector cooperativo na região contribui igualmente para o abandono das vinhas e do vinho do Dão.

Mas a condição mais importante é o factor humano, a falta de uma visão regional e de um sentido histórico da denominação do Dão. Uma carência de identidade que condiciona alguns produtores a querer reproduzir estilos de outras paragens e regiões, nomeadamente do Douro, insistindo em propor vinhos carregados de cor, espessos e pujantes, carnudos e pesados, numa antítese formal do que a região do Dão sempre produziu… e onde se transcende! Nenhuma região do mundo se impõe por copiar modelos alheios. Nenhum dos grandes produtores do Dão, das grandes referências nacionais da região, se afirmou por pretender imitar vinhos de outras denominações, apostando na autenticidade, identidade, na genuinidade de uma região que para o bem e para o mal se diferencia de todas as outras.

E é isso que alguns produtores da região têm feito, uma aposta na originalidade, seja pela manutenção dos vinhos clássicos do passado, seja pela apresentação de castas da região menos habituais nos rótulos, seja pela afirmação de um estilo próprio e inimitável. Entre os muitos produtores da região assinalei cinco que se revelam singulares por razões diversas, nomes tão descoincidentes como Quinta da Falorca, Quinta da Fata, Quinta das Maias, Quinta das Marias e Vinha Paz, tendo seleccionado um vinho de cada produtor como exemplo clássico dessa diferença.

A Quinta da Falorca distingue-se pelo apelo do classicismo dos seus Garrafeira, vinhos enormes e coincidentes com a grande tradição do Dão, mas também pela irreverência do T-Nac, um Touriga Nacional sem madeira que exalta sem pudor os aromas primários inebriantes da casta. A Quinta da Fata mostra o lado mais clássico e tradicionalista do Dão estampado em vinhos sólidos, austeros, duros mas frescos, secos e finos, profundamente elegantes e com décadas de vida pela frente.

A Quinta das Maias reverbera pela defesa apaixonada de uma das castas mais emblemáticas do Dão, o Jaen, apresentando-se como um dos defensores maiores desta variedade que a região parece querer insistir em menosprezar. E ainda teve tempo no passado para engarrafar castas tão enigmáticas como o Barcelo, exemplo raro de uma das castas perdidas da região. A Quinta das Marias conseguiu fazer a quadratura do círculo no Dão, juntando a elegância, austeridade e frescura acídula inata ao Dão com uma energia telúrica, uma robustez e audácia que raramente vemos na região.

Apesar de discretos, graves e sisudos os vinhos de Vinha Paz representam a súmula de todos os predicados do Dão, vinhos, profundos e intelectuais, nobres e supinamente bem-educados, clássicos mas cerebrais, cultos e com um leve toque de asperezas que lhe assentam tão bem.

Cinco produtores do Dão distintos no estilo e nos objectivos, diferentes no passado, nos propósitos e na abordagem mas comparáveis na procura de qualidade, identidade e empenho, na promessa de continuação e renovação da região. Cinco produtores importantes para o Dão pela autenticidade e dignidade que impõem ao nome da denominação.
 

Quinta da Falorca
A história da Falorca começou há mais de cinco gerações quando a família Figueiredo adquiriu um conjunto de propriedades dispersas em redor da vila de Silgueiros. Hoje, os vinhos da Quinta da Falorca nascem de três parcelas de vinha separadas por três áreas, a Falorca, a maior com sete hectares, o vale das Escadinhas, de quatro hectares e a Esmoitada de pouco mais de um hectare onde sobrevivem as vinhas mais velhas da casa. Entre os vinhos mais representativos da casa encontra-se o Quinta da Falorca Garrafeira Old Vines, um vinho sério, vivo e tenso, largo nos horizontes e duro na métrica e na rítmica, preciso e intenso. Por vezes surge quase brutal, por vezes mais dócil, mas sempre vigoroso e entusiasta na entrega. Preço: 35 euros (Colheita de 2007)

Quinta da Fata
A Quinta da Fata é uma propriedade com pouco mais de seis hectares de vinha e cujo primeiro proprietário, Bernardo Loureiro e Amaral foi um dos impulsionadores da criação da região do Dão. Hoje é capitaneada por Eurico Amaral, neto do fundador da casa. Entre os vinhos mais representativos da casa encontra-se o Quinta da Fata Touriga Nacional, um vinho austero mas preciso, levemente floral mas contido na exuberância aromática. As suas verdadeiras virtudes encontram-se de forma mais inequívoca na boca, num equilíbrio notável entre taninos e acidez, entre estrutura e delicadeza, entre potência e cortesia, tudo isto com um potencial de guarda extraordinário. Preço: 17.50 euros (Colheita de 2009)

Quinta das Maias
A Quinta das Maias vive escondida pela sombra da Quinta dos Roques, irmão maior e mais conhecido junto da maioria dos enófilos, o que é uma injustiça porque os vinhos têm uma identidade particular, um estilo original, castas únicas e uma expressão muito própria que merece reconhecimento e valorização mais atenta. Entre os vinhos mais representativos da casa encontra-se o Quinta das Maias Jaen de aromas florais e frutados quase desconcertantes mostrando-se intenso e vigoroso, alegre, comunicativo e inebriante na sensação de frescura que transmite. A boca confirma por inteiro as sugestões oferecidas pelo nariz, repleta de fruta, temperada por uma belíssima acidez, com um final de boca fresco, assertivo e uma alegria contagiante. Preço: 19 euros (Colheita de 2011)

Quinta das Marias
Capturado por uma paixão intensa pelos vinhos e pela região o suíço Peter Viktor Eckert não resistiu a resgatar uma quinta no Dão onde decidiu fazer o seu vinho. Rodeou-se das melhores pessoas e conseguiu criar vinhos originais e seguros, gigantes na dimensão mas sem nunca perder de vista os fundamentos de elegância e austeridade do Dão. O Quinta das Marias Encruzado Fermentado em Barrica apresenta-se, tal como é apanágio da casta, discreto e austero no nariz, sisudo e ponderado, oferecendo o protagonismo à boca onde este Encruzado revela a sua verdadeira dimensão. Cheio, citrino, levemente abaunilhado pela presença suave da madeira, fino e elegante, é um belíssimo vinho branco, profundo e amplo, capaz de viver um bom par de anos em garrafa. Preço: 12 euros (Colheita de 2011)

Vinha Paz
A casa de família, na Quinta da Leira, é a base de toda a produção vitícola assente numa adega sóbria e modesta na dimensão e tecnologia, uma adega de lagares com recurso da pisa a pé, adega centenária resumida ao essencial que reúne num só espaço lagares e cave de estágio. O cuidado com a vinha é notório e percebe-se de imediato o amor pela terra dos antepassados. Entre os vinhos mais representativos da casa encontra-se o Vinha Paz Reserva circunspecto na exposição aromática, contido na boca, enorme na estrutura mas sem nunca ser esmagador. Fresco e viperino na acidez, firme nos taninos, um vinho sério para ser bebido com atenção para lhe conseguir descobrir a profundidade da boca. Preço: 15 euros (Colheita 2009)

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