Poderá até parecer simples juntar estas duas premissas mas a experiência diz-nos que raramente conseguimos aliar estes dois princípios tão antagonistas. Juntar em harmonia na mesma família os dois lados discordantes da barricada, o contrato entre volume e qualidade, é tarefa árdua que poucos produtores conseguem satisfazer a contento.
Muito poucas casas o conseguem materializar, seja em Portugal seja em qualquer outo país do mundo. A Herdade do Esporão é seguramente um desses raros exemplos, um desses raros casos que permitem a confluência de dois mundos que raramente se cruzam e ainda mais raramente se tocam. Por regra, o grande volume é incompatível com a excelência, com a produção atenta, com os mimos e atenções que os grandes vinhos reclamam. Por regra, os grandes produtores sofrem no segmento da qualidade pura, no mundo da exclusividade, mostrando uma incapacidade quase congénita para apresentar vinhos de primor e exaltação.
Esta realidade de apreensão imediata é válida tanto no plano técnico como no processo de comunicação, tanto no plano enológico como no processo de desenho da imagem. Como muitos enólogos gostam de recordar com acutilância, o principal desafio da enologia não é produzir um grande vinho, de produção muito limitada e apenas em anos excepcionais... mas sim um grande vinho, de produção considerável e qualitativamente consistente ao longo de múltiplas colheitas. Como todos bem sabemos, sejamos produtores, enólogos, críticos ou consumidores, a excelência ocorre quando conseguimos descobrir um grande vinho que seja produzido em quantidades razoáveis e que mantenha com constância de qualidade que não nos obrigue a decorar os anos maus e os anos superiores.
O derradeiro desafio surge quando, em justaposição à quantidade e consistência, esse mesmo vinho consegue ser vendido a preços justos e sensatos, livre de especulações e flutuações descabidas, sem afugentar os seus clientes clássicos. Como decerto todos compreendemos, não é fácil reunir estes diferentes e múltiplos requisitos, que em muitos casos são quase antagónicos. Só os grandes produtores e os grandes enólogos o conseguem fazer.
A Herdade do Esporão é um desses raros produtores. Volume e exclusividade numa só assentada foi a fórmula mágica que o Esporão conseguiu acrescentar ao panorama nacional quando se iniciou na produção de vinho. Hoje, quem compra vinhos da Herdade do Esporão sabe que pode contar com vinhos seguros, consistentes e fiáveis que raramente decepcionam e onde dificilmente nos deparamos com anos maus. A gama é extensa e espelha o eclectismo da casa, dividindo-se entre a oferta de vinhos espumantes, brancos, rosados, tintos, vinhos doces de colheita tardia e ainda vinhos fortificados. Pouco ou nada falta na oferta de vinhos de um produtor que, para além do Alentejo natal, se aventurou recentemente na produção de vinhos do Douro e Porto.
Apesar da aposta ainda fresca no Douro, na Quinta dos Murças, a verdade é que é fácil confundir o Esporão com o Alentejo. Podemos mesmo afirmar que os dois nomes são indissociáveis para o imaginário do consumidor português. E, claro, como é habitual no conservadorismo inerente ao vinho sempre que falamos em vinhos alentejanos, muitos caem na tentação de se refugiar nos estereótipos habituais, chavões simplistas que sugerem que os vinhos alentejanos deverão ser bebidos cedo, que serão vinhos de rotação rápida, vinhos incapazes de sobreviver em garrafa. Um erro de generalização grosseiro que prejudica e ao mesmo pretende menorizar toda uma região por inteiro.