Fugas - Vinhos

Fernando Veludo/NFACTOS

A perpetuação dos mitos

Por Rui Falcão

Vivemos rodeados de mitos e preconceitos, frases feitas para todos os gostos e feitios, ilusões que atingem tanto neófitos como especialistas, tanto vanguardistas como classicistas.

De tão banalizados e repisados, de tão continuados no tempo, os chavões rapidamente se transformam em regra, em princípio incontestável, em certezas e garantias universais. Como sempre, os mitos são consequência do desconhecimento, da desinformação, de convicções sem qualquer fundamento objectivo ou científico. Por ser um meio relativamente confuso e misterioso, um meio fechado onde nada é facilmente mensurável e onde a subjectividade impera, o universo do vinho é especialmente permeável a este tipo de chavões. Por o vinho ser um tema complexo e onde poucos se sentem verdadeiramente confortáveis mas onde a masculinidade latina impõe uma quase obrigatoriedade de sapiência, a difusão de frases feitas encontra terreno fértil.

Não espanta, pois, que, tanto em conversas informais como em tertúlias, incluindo as dedicadas aos eventos do vinho, se percebam continuamente as mesmas frases, mitos antigos e modernos. Histórias passadas de geração em geração, interpretações desgarradas da realidade enraizadas no imaginário popular, convicções difíceis de contrariar. Ficções sem aderência à realidade que deverão ser desmistificadas, restituindo o vinho à simplicidade, autenticidade e realidade.

Crenças como o vinho rosé resultar de uma mistura entre vinho branco e vinho tinto, realidade proibida na União Europeia salvo casos muito particulares entre os quais se destacam os vinhos espumantes. O vinho rosé é elaborado exclusivamente com uvas tintas. A polpa da larguíssima maioria das uvas tintas é incolor, incapaz de acrescentar qualquer tonalidade ao mosto. São as cascas, ou melhor, os corantes existentes nas películas das uvas tintas que acrescentam a cor característica do vinho tinto. Quanto maior for o contacto com as peles, quanto maior for a extracção e o tempo de contacto, mais intensa será a cor consequente. Como os vinhos rosé passam muito pouco tempo em contacto com as suas películas, não dispõem de tempo suficiente para extrair grande intensidade de cor. Por isso o vinho rosé desfruta de uma tonalidade muito mais aberta, por vezes quase salmonada.

Outra convicção tradicional, sustentada não só pelo nome da denominação como pelo perfil mais acídulo dos vinhos que representam a região do Vinho Verde, é que esses vinhos são elaborados com uvas vindimadas verdes, em oposição ao vinho maduro, que deveria ser elaborado com uvas maduras. Apesar da trivialidade da imagem, mesmo entre alguns enófilos mais informados, a afirmação não hoje tem qualquer fundamento. Tal como as regiões do Douro, Lisboa ou Bairrada, a designação Vinho Verde representa unicamente o nome de uma região, não identificando um qualquer estilo de vinho. Como será evidente, os vinhos provenientes da região são elaborados com uvas em perfeito estado de maturação, tão maduras como nas restantes regiões portuguesas. Claro que, como região beneficiada por um clima especialmente húmido e temperado por temperaturas moderadas, as uvas retêm maior acidez que em climas mais quentes e com mais horas de sol… o que pode ser considerado como uma vantagem.

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