Fugas - Vinhos

“É preciso envolver empresas fora de Monção e Melgaço na comercialização de Alvarinho”

Por Pedro Garcias

Manuel Pinheiro, o presidente da Comissão de Viticultura dos Vinhos Verdes, recorre aos números para traçar um retrato quase cor-de-rosa da região que dirige. E é a custo que reconhece haver um problema de excedentes de Alvarinho em Monção e Melgaço, apesar desta casta se estar a expandir no país e no mundo.

As tendências actuais de consumo são favoráveis ao estilo de brancos que se produzem no Minho e o crescente aumento das exportações parece reflectir isso mesmo. Desde o ano 2000, as exportações mais do que duplicaram, como realça nesta entrevista Manuel Pinheiro, o presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes. Mas há uma outra realidade por trás das estatísticas boas: excedentes de vinho Alvarinho, preços baixos, produtores reféns da imagem de uma região muito associada a brancos leves, frescos e baratos e a tintos rudes e étnicos.

Qual é o estado da arte da região dos Vinhos Verdes? Vende mais e a melhores preços ou tem aumentado as vendas à custa dos preços baixos?
Fechámos 2013 com 52 milhões de litros no mercado, o que representa um aumento de 3,5% face a 2012, fortemente suportado na exportação, que aumentou 11%. Há mais de uma década, a região aceitou traçar um novo rumo pela melhoria constante dos vinhos, por uma melhor comunicação e compromisso com a exportação. Os resultados finalmente aparecem muito sustentados: em 2000 exportávamos 15% do negócio; no fecho de 2013, ultrapassámos os 40%. Por exemplo, nos EUA mais de metade dos vinhos portugueses com Denominação de Origem/Indicação Geográfica são Vinho Verde. É na exportação que estamos a buscar o crescimento que em Portugal não há. Os preços médios estão estáveis, não foram sacrificados, embora, é claro, todos desejássemos que estes crescessem. 

A publicidade institucional da região tem “vendido” o vinho verde como um vinho jovial, leve e fresco (e barato). Não acha que se trata de uma imagem demasiado redutora, que nivela todos os vinhos por um mesmo padrão?
Comecemos então pelo essencial: o Vinho Verde é, de facto, um vinho jovem e leve. Tem menos álcool e, por isso, é menos calórico do que os restantes vinhos. Isso é óptimo para a gastronomia mais leve que hoje todos consumimos. É um vinho de cultura muito aberta: não é preciso ter uma licenciatura em vinhos para pedir um Vinho Verde! Claro que é uma região segmentada e queremos que o cliente descubra isso: há os vinhos de lote que são a entrada e depois a gama ganha valor com as castas principais, como o Loureiro e o Alvarinho. Quanto ao preço, temos duas preocupações: que o viticultor seja justamente remunerado pelas uvas que produz e que o cliente encontre excelentes vinhos a bom preço. Ora, se quanto à segunda isso é claro, quanto à primeira a nossa região é a que melhor remunera as uvas brancas em Portugal.

Na vizinha Galiza, a crescente notoriedade internacional dos seus vinhos está associada à explosão dos vinhos Albariño, vendidos a bons preços. Nos Vinhos Verdes, a ideia que se tem é que a imagem da região continua muito associada a vinhos de mass market, como o Casal Garcia, por exemplo...
A vinicultura galega está a passar por dias difíceis, com sobreprodução, mercado em retracção e forte baixa de preços. Estão, aliás, a fazer o caminho inverso ao nosso. O Casal Garcia é um bom exemplo de sucesso e não do contrário. É a marca número um das exportações portuguesas de vinhos brancos, está presente em dezenas de países, é um fabuloso gerador de riqueza e postos de trabalho em Portugal e valoriza as uvas de centenas de produtores. Naturalmente que o esforço de toda a região é no sentido de crescer também em valor. Isso faz-se investindo na viticultura, ligando o vinho ao território, reforçando as marcas e, consequentemente, produzindo melhores vinhos a cada vindima. Para esse segundo segmento, de maior valor, apontamos as castas como o Loureiro e o Alvarinho, o Espumante de Vinho Verde e a Aguardente.

Não estão em causa o valor e o sucesso do Casal Garcia. O que se questiona é o posicionamento da região, muito associado a vinhos de baixo preço, ao contrário da Galiza, que tem vinho a ganhar terreno nos vinhos mais caros e a merecer um crescente destaque por parte dos críticos mais influentes. Não estará a região a precisar de uma espécie de “Douro Boys” dos Vinhos Verdes?
Os Douro Boys são um óptimo exemplo, que se deve a cada um dos produtores envolvidos. Não temos um exemplo paralelo nos Verdes mas temos nomes admiráveis, um Anselmo Mendes, um Soalheiro, produtores que nos orgulham e que orgulhariam qualquer região do mundo. A questão do preço não é bem assim. Repare que as nossas três marcas de topo estão na prateleira em redor dos 3,5 euros, algo que poucas das grandes regiões nacionais podem afirmar. A valorização do produto é tão necessária quanto demorada. Em tempos, o Vinho Verde era o vinho mais barato; hoje está longe disso e continuará gradualmente a valorizar-se.

A casta Alvarinho está a expandir-se no país e no mundo, mas em Monção e Melgaço, o seu solar, os excedentes não param de aumentar. Por outro lado, um produtor do Alentejo pode usar a designação Alvarinho no rótulo, mas um produtor dos Vinhos Verdes que não seja de Monção ou de Melgaço não o pode fazer. Como explica isto?
A percepção de qualidade do Alvarinho e o seu correspondente valor de mercado foram construídos a pulso pelos produtores de Monção e de Melgaço. Estamos a analisar o estatuto desta casta com todos os produtores, num diálogo aberto e sereno. Está claro para a região que não prescindimos de alguns pontos: que o diálogo seja leal e livre, que seja o interprofissional a tomar as decisões de relevo e que nada se faça contra os produtores, nomeadamente os de Monção e de Melgaço. 

Mas qual é a sua opinião acerca deste paradoxo? E por que razão existem, afinal, tantos excedentes de Alvarinho na região, se a casta tem cada vez mais adeptos por toda a parte?
Acho que a afirmação de Monção e Melgaço se tem de fazer pela qualidade e diferenciação dos seus vinhos e não apenas pela defesa das regras actuais. É essa, aliás, a vontade dos produtores. Quanto aos excedentes, o que se passa é que houve um fabuloso dinamismo de investimento na viticultura, porque as uvas são bem pagas, e a parte comercial, apesar de ter crescido, não acompanhou esta maior oferta. Creio que é preciso encontrar formas de captar as empresas que estão fora de Monção e Melgaço para que estas se envolvam na comercialização do Alvarinho. 

Acha que o verde tinto está condenado a ser um vinho étnico, sem grande futuro comercial?
São contextos distintos. O vinho verde branco é um negócio de 50 milhões de litros/ano. O tinto corresponde a 5 milhões de litros. O tinto é mais sazonal e mais regional. Não há mal nenhum em que uma região seja essencialmente de brancos ou de tintos. É assim em todo o mundo. O nosso tinto tradicional só tem mercado regional ou muito ligado com a gastronomia minhota. Para abraçar novos mercados precisaríamos de fazer tintos diferentes, e o que se tem feito até ao momento são experiências sem relevância comercial. Porém, os tintos ditos tradicionais têm evoluído, sobretudo os da casta Vinhão, e estão a ganhar valor.

Se os próprios dirigentes da região não acreditam nessas experiências, algumas bem aceites pela crítica, como se pode esperar que esses vinhos ganhem relevância comercial?
Eu acredito, tanto mais que provo esses vinhos com gosto. O ponto é que as mudanças não acontecem por nós acreditarmos mas sim por nós as construirmos. Ora, estes vinhos tintos que apontam novas vias carecem ainda de afirmação comercial. Note que estes vinhos de que falamos não têm ainda prémios e concursos internacionais, são raramente comentados pela imprensa, embora o sejam de modo muito positivo. Temos pois de os deixar aparecer e perceber qual é a reacção do mercado.

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