Em 2013, o sector do vinho do Porto acentuou o seu comportamento autofágico e que é o retrato do próprio país, mais desigual do que nunca, com uns quantos cada vez mais ricos e a maioria cada vez mais pobre. Graças ao enorme sucesso do Porto Vintage 2011, as grandes companhias obtiveram lucros fabulosos, mas, mesmo assim, de uma forma geral, reduziram os montantes a pagar aos agricultores por cada pipa de vinho do Porto comprada.
As empresas existem para ter lucro, mas há limites éticos que devem ser respeitados. Não se pode exigir sacrifícios aos agricultores com o argumento de que a aguardente encareceu e, ao mesmo tempo, fazer grandes investimentos na aquisição de empresas e de vinhas.
Alguns exemplos: em 2013, a Fladgate Partnership (proprietária das marcas Taylor’s, Croft e Fonseca) comprou a Wiese&Krohn e o grupo Symington adquiriu mais uma quinta e inaugurou um moderno centro de visitas com restaurante em Gaia; e, no ano anterior, a Sogrape tinha comprado as Bodegas Lan, na Rioja, e recomprado a participação de Joe Berardo no grupo.
É verdade que o vinho do Porto encareceu com a subida do preço da aguardente, mas esse aumento podia ser perfeitamente acomodado na formidável margem de lucro obtida com a venda do Vintage 2011 (em alguns casos mais de mil por cento). A Fladgate, por exemplo, facturou em 2013 cerca de 7,5 milhões de euros só com os seus Porto Vintage.
Também é verdade que as vendas globais de vinho do Porto em volume têm vindo a diminuir nos últimos anos (em 2013, subiram em valor). Mas esse recuo está a acontecer nas categorias mais baixas, não nas categorias superiores, as mais lucrativas.
Acresce que essa diminuição das vendas das categorias inferiores — desejável para o sector, desde que seja compensada pelo crescimento das categorias superiores — tem sido igualmente imputada aos agricultores, com a diminuição do quantitativo de vinho do Porto que podem produzir por hectare. Uma vinha que há dez anos podia produzir cerca de cinco pipas de vinho do Porto por hectare está hoje autorizada a produzir cerca de metade. Os agricultores estão, pois, a perder em toda a linha.
Hoje é assim, mas a prazo é todo o sector que perde. A política de preços baixos na produção tem um potencial suicida, porque, além de levar ao crescente abandono das vinhas, estimula a distribuição moderna a pressionar também para baixo o preço do vinho do Porto no consumidor final. Não dos vintages — esses continuam a vender-se a bons preços —, mas dos ruby e dos tawny correntes, que continuam a ser responsáveis pelo grosso das vendas do sector.
Vender uma garrafa de vinho do Porto dessas categorias ao preço de uma garrafa de um qualquer vinho de mesa, como acontece hoje, pode resolver alguns problemas momentâneos de liquidez, mas tem um efeito destrutivo avassalador na imagem do vinho do Porto. As grandes companhias e as instituições do sector sabem disso, mas vão assobiando para o lado, agora mais do que nunca inebriados pelo efeito vintage.