Há quem lhe chame o exame mais difícil do mundo: seis vinhos, 25 minutos, uma prova cega na qual o candidato tem que conseguir identificar cada vinho pela casta, país, região, ano e características. O universo de escolha é o mundo inteiro. No final, quem passa — e são poucos os que o conseguem — torna-se master sommelier, o mais ambicionado título no mundo dos escanções, e que até hoje apenas 200 pessoas conquistaram.
Brian Julyan e Nicholas Clerk são membros do Court of Masters Sommeliers e estiveram recentemente em Portugal para participarem como júri no Vestigius Top Wines, uma iniciativa do bar de vinhos Vestigius, que abriu em Novembro de 2013 no Cais do Sodré, em Lisboa, na qual seis especialistas (para além dos dois convidados estrangeiros, João Chambel, escanção do Vestigius, Ricardo Morais, do restaurante Casa da Comida, Maria João Almeida, jornalista e especialista em vinhos, e Nuno Dos, do blogue E Tudo o Vinho Levou) avaliaram e classificaram 160 referências de vinhos portugueses.
João Fernandes e Esmeralda Fetahu, proprietários do Vestigius, explicam que o bar vai estabelecer uma parceria com o Court of Masters Sommeliers para iniciar um curso, organizado pelo Court e igual ao que existe no Reino Unido, para formar escanções em Portugal. A parceria apoia-se na forte relação que já existe, através de João Chambel, o escanção do Vestigius que tem o diploma do Court e está a preparar o exame para acesso ao grau Advanced.
Depois de vários dias a provar vinhos e a visitar produtores portugueses, Brian Julyan — que confessou que só passou o célebre exame à segunda tentativa — conversou com a Fugas no final de um jantar com uma prova vertical Vinha Grande, da Casa Ferreirinha, na Casa da Comida.
Como é que surgiu, no Reino Unido, o Court of Masters Sommeliers?
Eu tinha 27 anos na altura, o exame para sommelier já existia, e eu fazia parte do pequeno grupo dos que tinham passado. Não havia livros sobre vinho, nem Internet, nunca tínhamos ouvido falar de computadores. Pensei que talvez valesse a pena que as pessoas que tinham passado no exame se juntassem e partilhassem ideias.
Escrevi a toda a gente, umas 17 ou 18 pessoas, um disse que sim, o outro que não. Dois anos depois voltei a tentar. E aí toda a gente disse que sim, que era uma boa ideia. Assim, em 1977, que por acaso foi um bom ano para o vinho do Porto, formámos o Court of Masters Sommeliers. Éramos uma organização para partilhar conhecimento e opiniões, e então fomos convidados pelo Institute of Masters of Wine, que estava muito empenhado na existência do exame de master sommelier, porque queriam pessoas que fossem capazes de vender o produto deles.
Como quase ninguém passava no exame, eles pediram-nos para criar um curso, e foi o que fizemos. Estou a falar dos anos 1970/80, em que se conseguíssemos vender uma garrafa de vinho ao almoço era um milagre. As pessoas não bebiam vinho. Criámos o curso e eles pediram-nos para o administrarmos.
E passaram a organizar o tão temido exame?
O exame é baseado no original, que tinha começado em 1969. Consta de três partes: teoria, prova e prática e para passar é preciso ter 75% em cada secção. Apenas 5% das pessoas passam. Isso não foi alterado. Hoje a diferença é que temos que saber mais sobre a Austrália, sobre a África do Sul, sobre a Califórnia do que em 1969, mas é muito mais fácil encontrar informação.
É então uma questão de estudar muito?
Se quiser ser um bom provador, vai ter que saber como é que é o Chardonnay em Chabis [Borgonha] em comparação com o de Nappa Valey ou o da Austrália. Para isso é preciso saber a teoria. Na parte da prática, avaliamos se conseguem segurar um tabuleiro, servir o vinho.
Tem que haver uma vocação, um dom especial?
Tem que haver paixão. Digo às pessoas que se não têm uma paixão, se não amam o vinho, se não o acham divertido, procurem outra coisa para fazer porque nunca conseguirão o tempo necessário para estudar. Todos nós o fizemos, sabemos como é. Eu trabalhava a tempo inteiro, tinha um part-time, e ainda fazia isto. Temos que inventar o tempo. E se tiver uma família ou um emprego que não lhe permite fazer isso, então não vá para lá do advanced [antes do exame do master, há outros dois, o certified e o advanced, sendo que só acede ao de master quem tiver recebido um convite para tal]. Se quer fazer o master, tem que se comprometer e dizer ‘vou concentrar-me nisto’.
Mas há pessoas que são melhores provadores, que têm mais facilidade em fazer notas de prova, em identificar vinhos?
Algumas pessoas têm um atributo natural. Eu não. Tive que trabalhar nisso. Tive que aprender a provar.
É fundamental ter uma excelente memória para guardar tanta informação sobre vinhos de todo o mundo.
Sim, quando se é novo consegue-se fazer isso, quando se é velho já não.
Tem que se começar novo?
Até aos 40 anos. Depois disso torna-se muito difícil. No exame há seis vinhos em prova cega. Não é apenas uma prova, é também um teste de comunicação, porque nós temos que saber comunicar com pessoas que não sabem o que nos está a passar pela cabeça. Temos que usar palavras que essas pessoas compreendam para transmitir a informação que captámos pela aparência, pelo nariz e o palato.
Não basta provar vinho e dizer ‘ah, sim, é desta casta e vem daquela região, é deste ano’. Nós somos sommeliers, falamos com o público, somos o rosto da casa. Temos 25 minutos e seis vinhos. E temos três pessoas do outro lado da mesa que sabem exactamente que vinhos são aqueles. Falamos da aparência e dos elementos estruturais, da fruta, do álcool, dos taninos se for tinto, da acidez e do final.
Como foi a sua experiência nestes dias em Portugal?
Aprendo todos os dias em todos os locais onde vou. Já vim a Portugal quatro ou cinco vezes e estou sempre a aprender. O único problema é que no Reino Unido os vossos vinhos são um pouco caros. No Reino Unido, os supermercados dominaram tudo, afastando a maioria das pequenas lojas. Estamos nas mãos do monopólio. Acabaram com as pequenas lojas, o que é terrível. E vocês têm muita dificuldade em entrar neste mercado.
Que características lhe parecem mais interessantes quando pensa no vinho português?
O mais interessante são os blends, os vinhos que misturam diferentes castas. Para mim é isso o vinho português. O país tem as suas castas autóctones, e acredito que é nisso que deve apostar. Mas se, por exemplo, pegar em Touriga Nacional e Trincadeira e acrescentar um pouco de Cabernet Sauvignon, talvez tenham um bom resultado. A mistura com outras castas pode ajudar se for numa pequena quantidade.
Para o mercado internacional não é importante usar castas que sejam reconhecíveis?
O mundo está inundado de Sirah e de Cabernet Sauvingon. Mostrem algo de novo. As pessoas que fazem o marketing dos vossos vinhos têm que, de alguma forma, saber apresentar essas particularidades.
Mas o mercado britânico é difícil. As pessoas não vêem os vinhos portugueses como deveriam ver. O Vinho do Porto está sempre lá, mas é muito difícil de vender no Reino Unido. Temos leis que proíbem que se beba e conduza e temos a questão da saúde. As pessoas bebem vinho às refeições como não faziam antes. Mas os licores, os conhaques ou outros, bebem em casa, porque vão ter que guiar até casa.
E têm Porto em casa?
Eu tenho, mas sou uma excepção. Agora existe o Porto Rosé. Porquê? Presumo porque têm que encontrar outro mercado. Rosé está muito na moda no Reino Unido e não só. E um grande mercado. Temos que nos adaptar ao mercado, não podemos dizer às pessoas o que é que elas gostam. Brandy, conhaque, licor, são muito difíceis de vender no final de uma refeição, tal como o Porto. Antes era capaz de vender 25. Agora… dois, três, se tivermos sorte. As pessoas não estão a beber no final da refeição.