Fugas - Vinhos

  • Alexandre Schmitt
    Alexandre Schmitt Renato Cruz Santos
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    Alexandre Schmitt Renato Cruz Santos

O homem que entende todos os aromas do vinho

Por José Augusto Moreira

O francês Alexandre Schmitt tem na sua cabeça mais de duas mil referências olfactivas, é tido como o melhor nariz do mundo, mas diz que todos cheiramos da mesma forma. Não fomos é educados para a sensibilidade ao prazer e não sabemos como o descrever. Passou por cá para nos ensinar.

Nem sempre parece fácil distinguir os aromas quando apreciamos um vinho e a verdade é que, na sua quase totalidade, eles não são perceptíveis sem um treino adequado. Mesmo para profissionais experimentados e que diariamente lidam com as especificidades técnicas do vinho, como é o caso dos enólogos, entende-se que serão capazes de detectar apenas algumas dezenas entre os mais de 600 compostos aromáticos que se considera integrarem uma normal garrafa de vinho.

Não é o caso de Alexandre Schmitt, um francês que tem na sua cabeça mais de duas mil referências olfactivas, sendo, por isso, considerado por muitos como o “melhor nariz o mundo”. Entende, no entanto, que a principal diferença está sobretudo no treino e na aprendizagem, já que basicamente todos cheiramos da mesma maneira. A questão é que a nossa sensibilidade está sobretudo orientada para a visão e para o ouvido e temos dificuldade em identificar os estímulos olfactivos.

“Quando visualizamos não sabemos como pensar”, explica, acrescentando que o que faz falta depois é ligar a imagem (da visão) com as sensações (dos aromas) e pôr-lhe palavras para as exprimir. “Todos cheiramos da mesma maneira, não melhor nem pior, a forma e percepção é que é diferente e é por isso que tem que ser educada para se tornar cada vez maior e mais acutilante”, assegura.

Schmitt vem do sector dos perfumes mas está hoje profundamente implicado com os aromas do vinho. É diplomado em química e em perfumaria, criou perfumes para grandes marcas em Paris e em Londres, estudou também música e ocupa ainda parte do tempo com a escrita de novelas. Uma personalidade que pode ajudar a explicar uma especial sensibilidade para entender o complexo mundo dos aromas.

Para lá das aulas que actualmente dá na Faculdade de Enologia da Universidade de Bordéus, colabora também com alguns dos mais conceituados produtores da região e corre literalmente o mundo para ministrar cursos de olfacção. Entre quantos já beneficiaram dos seus ensinamentos estão os responsáveis pelo mítico Château Pétrus, das adegas Opus One, Mondavi ou Torres, até aos técnicos do nosso Instituto dos Vinhos do Douro e Porto.

Foi precisamente para dar formação nessa área que esta semana voltou ao nosso país, tendo ministrado, no Porto, dois cursos especializados na detecção de aromas. Um sobre a identificação de defeitos no vinho, orientado para profissionais que se dedicam à prova técnica; outro para a detecção de uma centena de substâncias odoríferas e de forma mais abrangente destinado aos profissionais do sector alimentar. A iniciativa partiu da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica e da Sense Test, uma empresa vocacionada para o estudo e análise sensorial em produtos alimentares, envolvendo também O Cantinho das Aromáticas, que se decida à agricultura biológica.

Da velha questão do cheiro animal e dos odores a couro ou suor de cavalo aos aromas balsâmicos, resinosos ou de madeira com que vemos normalmente catalogados os vinhos, tudo foi abordado. Schmitt explicou também que uma das coisas que mais facilmente identificamos é o aroma doce, o que advém do facto de ser essa a primeira sensação que adquirimos com a absorção do leite materno. “Parker deve ter gostado mesmo muito do leite da mãe”, ironizou, numa referência ao americano Robert Parker, que é tido como o mais influente crítico de vinhos e contaminou a produção mundial com o seu gosto por vinhos doces e concentrados.

Mais que identificar, o trabalho de Alexandre Schmitt consiste sobretudo em ajudar a pôr palavras nas sensações, já que, ao contrário daquilo que acontece com a visão e a audição, nos falta o vocabulário para exprimir aromas e sabores. Um problema de educação ao longo da vida, que é sempre mais orientada para as sensações de perigo que para as de prazer. A questão está estudada e revela que a nossa percepção é dominada pela visão (60 a 65%), seguida pelo ouvido (20 a 25%) e o tacto (10 a 15%). Para os aromas e sabores dedicamos apenas à volta de um por cento. Ou seja, encaramos a vida com tal receio do perigo que acabamos por nem dar atenção ao prazer.

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