Fugas - Vinhos

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    ESPORÃO ALICANTE BOUSCHET 2010

Alicante Bouschet, a prima donna que se deu bem no Alentejo

Por Rui Falcão

Criada em 1855, a Alicante Bouschet é uma casta apátrida, de adaptação difícil e comportamento caprichoso. Menos no Alentejo, onde a Alicante encontrou solos e climas ideais para mostrar o que vale.

O mundo está repleto de casos assim, castas que desabrocham tarde, castas que pouco ou nada acrescentam nas regiões de nascença para logo deslumbrar o mundo quando chegam a paragens distantes da origem. Variedades que revelam no berço um comportamento modesto, castas reputadas como menores na origem que o tempo quase acabou por condenar à extinção… castas que desabrolham para o esplendor num território novo para o qual foram conduzidas por engano, por apego à tradição ou por alguém que não carregava grandes esperanças no seu futuro.

O mundo está igualmente repleto de castas consideradas prima donna, castas que dão largas a um comportamento extremado e temperamental, variedades que não gostam de viajar e que sentem dificuldades ingentes na adaptação a novos destinos. Castas que poderão mostrar-se excelentes e carregadas de personalidade no local de origem, e em mais um ou dois locais muito particulares do mundo, mas variedades que mostram em registo simplesmente banal nos demais lugares do planeta.

A Alicante Bouschet, a casta rainha do Alentejo, insere-se precisamente no grupo destes dois bandos abstrusos, no lote das castas prima donna, de adaptação difícil e conflituosa… e no lote das castas que exerce um papel modesto na sua região de origem. Na verdade, a Alicante Bouschet é uma variedade tão misteriosa e particular que nem sequer se pode falar em região de origem, em lugar de nascença e região natural. Com alguma liberdade criativa podemos mesmo chegar a nem lhe atribuir um país de origem, uma nacionalidade definitiva e convincente.

Aqui chegados convém recordar que tal como todos os seres vivos também as castas, todas as variedades de uvas existentes, nasceram do cruzamento de duas uvas, um pai e uma mãe. A larguíssima maioria das variedades que conhecemos e utilizamos resulta de um cruzamento acidental na natureza de duas castas, cruzamento que redundou no advento de uma nova casta. Entre os exemplos mais fáceis de assimilar desta realidade encontra-se a Cabernet Sauvignon, uma das castas mais famosas do mundo, a qual se sabe hoje ser consequência do cruzamento acidental das castas Cabernet Franc e Sauvignon Blanc.

Porém, e para além destas miscigenações naturais oferecidos pela natureza, existem ainda cruzamentos forçados pelo homem, castas movas projectadas em laboratório que revertem do cruzamento directo de duas uvas.

Entre os exemplos mais famosos das variedades formatadas pelo homem encontra-se a Alicante Bouschet, criada por Henri Bouschet em França, em 1855, desenvolvida do cruzamento das castas Garnacha e Petit Bouschet (a última das quais tinha sido desenvolvida pelo pai de Henri Bouschet e que adveio do cruzamento das castas Aramon e Teinturier du Cher). Talvez por isso, por ser uma variedade criada pelo homem e não uma casta nascida dos humores e acasos da natureza, se possa considerar que o Alicante Bouschet é uma casta apátrida, sem nacionalidade definida, uma casta perdida que os portugueses adoptaram e que o Alentejo perfilhou com toda a generosidade.

A herança dos Reynolds

Apesar de não se saber com segurança quando e como a Alicante Bouschet foi introduzido em Portugal suspeita-se que a família Reynolds, responsável desde sempre pelos vinhos da Herdade do Mouchão, tenha cumprido um papel decisivo na sua popularização pelas vinhas do Alentejo. Para isso muito contribuiu uma das características singulares da Alicante Bouschet, a incrível capacidade corante da casta. Na verdade a Alicante Bouschet é uma das raríssimas variedades tintureiras do mundo, palavrão do mundo do vinho que significa que a cor tinta está presente não só na pele como na polpa de cada bago de uva. Um, atributo que permite aos vinhos elaborados com a casta terem sempre uma cor mais intensa e carregada que com qualquer outra variedade tinta do mundo.

Ora terá sido precisamente essa capacidade tintureira que terá impulsionado a família Reynolds a plantar Alicante Bouschet no Mouchão, condição indispensável para o estilo de vinho produzido nesta propriedade. Convém recordar que a Herdade do Mouchão começou por produzir unicamente vinhos generosos, elaborados segundo a mesma lógica do Vinho do Porto, vinhos fortificados com a adição de aguardente para parar a fermentação.

O maior problema dos Mouchão iniciais, do início do século XX, é que a cor desvanecia rapidamente perdendo uma das distintivas principais dos vinhos fortificados, a cor preta e intensa que deveria sobreviver assim durante mais de uma década. A Alicante Bouschet teria sido introduzida pela família precisamente para obviar essa contrariedade, acrescentando uma casta tintureira que permitisse vinhos muito mais escuros e consentâneos com a tradição dos vinhos fortificados.

No final do século passado, com o renascimento da região e o sucesso dos vinhos alentejanos, depois de muitos ensaios com castas da região, castas nacionais de outras origens e castas estrangeiras, a Alicante Bouschet afirmou-se como uma das referências do Alentejo passando a ocupar um espaço central nas vinhas da região. O que é ao mesmo tempo uma incongruência e uma bênção porque a Alicante Bouschet é desconsiderada em quase todos os outros países e regiões onde é plantada. Tanto em França, como em Espanha, Itália, Suíça, Argentina, Chile, Hungria, Chipre, Israel ou Argélia a casta é menosprezada e entendida como simples e desinteressante.

Em Portugal, e sobretudo no Alentejo, a Alicante Bouschet encontrou o seu local de eleição. Por alguma razão que a razão não consegue justificar a casta adaptou-se de forma notável aos vários climas alentejanos e conseguiu estabelecer-se como a base essencial para a maioria dos vinhos alentejanos, sobretudo na camada superior da hierarquia qualitativa do Alentejo. Curiosamente, a casta só se conseguiu afirmar de forma assertiva numa outra região do mundo, em Sonoma Valley, na Califórnia, região onde muitos produtores lhe devotam uma atenção e considerações especiais.

De forma simplista quase a poderíamos comparar ao papel que a Malbec preenche na Argentina ou ao papel que a Tannat cumpre no Uruguai. Castas que na região natal de Bordéus ainda hoje continuam a ser desprezadas, mas que transformaram a identidade e a alma das regiões de adopção. Com a grande diferença que a Alicante Bouschet é muito melhor e muito mais improvável que castas como a Malbec ou a Tannat.

Cinco Alicante de eleição

Júlio B Bastos 2007

Apesar de, formalmente, os vinhos Dona Maria do produtor Júlio Bastos serem recentes, a propriedade conta com quase três séculos de história e quase século e meio de produção de vinho – os vinhos eram anteriormente conhecidos e comercializados sob o nome Quinta do Carmo. Vendido o nome comercial Quinta do Carmo e grande parte das vinhas, Júlio Bastos, proprietário da Quinta do Carmo e do magnífico palácio do século XVIII que foi oferecida pelo rei D. João V a uma cortesã por quem estava loucamente apaixonado, fundou os vinhos Dona Maria, nome que muito rapidamente se elevou ao patamar mais elevado dos vinhos do Alentejo. Se a história da casa assenta num passado faustoso, rico em ensinamentos, os vinhos actuais não lhe ficam atrás. A casta Alicante Bouschet cunha de forma indelével os corredores labirínticos do passado e do presente. Este Júlio B Bastos 2007 apresenta-se como um animal feroz de nariz explosivo e boca monumental, uma boca monumental que não dá tréguas. Não é um vinho para principiantes adoptando um ritmo e compasso endiabrados que seguem num crescendo contínuo. Melhorará com mais uns anos de vida em garrafa.

Preço: 87.50€ na Garrafeira Tio Pepe, Porto, http://garrafeiratiopepe.pt

 

Mouchão 2008

Desde a sua fundação no virar do século XX pouco mudou na Herdade do Mouchão. A adega permanece imutável, sem pressas e sem cedências. Os lagares centenários mantêm-se ao serviço da pisa a pé e as enormes pipas de madeira exótica e velha continuam a ser destinadas aos melhores lotes. É um clássico entre os clássicos, talvez o mais clássico de que o Alentejo se pode vangloriar. Produz vinhos intemporais que ano após ano mostram carácter e personalidade vincada, indiferentes às modas que vão varrendo o mundo do vinho. A sobriedade e raça do Mouchão estão superiormente exemplificadas neste exemplar de 2008, uma sobriedade patente na fruta intensa mas contida, nos taninos sérios e sólidos, na acidez e frescura incisivas do final de boca. E é precisamente a frescura e vigor que mais impressionam nos Mouchão, um misto de rusticidade, clareza e limpidez que o prolongam na boca de forma monumental. O final é longo, duro e levemente rude como um Mouchão deve ser, terminado pungente e severo.

Preço: 29.90€ na Garrafeira Nacional, Lisboa, www.garrafeiranacional.com

 

Esporão Alicante Bouschet 2010

Poucos nomes serão tão consensuais no universo do vinho português como a marca Esporão, um dos produtores mais respeitados e considerados de Portugal, verdadeiro ex-líbris do Alentejo, referência regional e nacional para tantas gerações de enófilos. Do nada foi erigido um verdadeiro império com uma atenção ao detalhe pouco vulgar entre nós materializando o sonho de um visionário que mostrou estar sempre adiantado em relação ao seu tempo. O nome Esporão converteu-se numa das principais referências de qualidade e num dos rótulos mais procurados por uma nova classe de enófilos que despontava para uma nova fase do vinho de qualidade. O Alicante Bouschet, o mais interessante de todos os vinhos monocasta da Herdade do Esporão, apresenta-se vestido de cor vermelha bem retinta. Duro e atrevido, seco e poderoso, é um tinto de personalidade marcada, tenso nos acordes, quase ríspido no final de boca, com uma rudeza genuína que lhe assenta na perfeição. O registo mais severo que o habitual assenta-lhe muito bem e revela um belíssimo potencial de envelhecimento.

Preço: 27.90€ na Garrafeira Nacional, Lisboa, www.garrafeiranacional.com

 

Paulo Laureano Alicante Bouschet 2008

Paulo Laureano será porventura o mais prolífico dos enólogos consultores nacionais… e muito provavelmente um dos mais conhecidos e reconhecidos pelo mercado. De forma consciente ou involuntária, transformou-se na imagem perfeita do enólogo consulto, assinando largas dezenas de vinhos nacionais, apadrinhando dezenas de projectos arrumados ao longo de grande parte de Portugal continental e insular. Hoje Paulo Laureano transformou-se igualmente num dos produtores mais conhecidos do Alentejo depois de ter criado a sua empresa, a sua marca pessoal, os seus vinhos produzidos a partir de uma vinha de perrto de 90 hectares na Vidigueira. Paulo Laureano manteve-se fiel aos seus princípios continuando a fomentar o uso exclusivo de castas nacionais, tendo-se convertido num dos maiores defensores do uso exclusivo de castas nacionais. Este Alicante Bouschet, uma casta que Paulo Laureano assumiu e adoptou como portuguesa, será um dos seus melhores vinhos de sempre, complexo e mastigável, duro e tenso mas simultaneamente macio e sedutor. O final de boca marca pela frescura quase inacreditável e pelo poder do volume.

Preço: 76.96€ na Vinho Web, www.vinhoweb.pt

 

Herdade dos Grous Moon Harvested 2012

O extremo Sul do Alentejo, de clima mais quente e água menos presente, também é capaz de produzir vinhos frescos e graves, vinhos obviamente gulosos mas perfeitamente equilibrados e sem nenhum dos tiques e problemas que associamos aos climas mais quentes. Na Herdade dos Grous respira-se profissionalismo e os vinhos são a prova irrefutável do empenho e dedicação de toda uma equipa liderada por Luis Duarte, um dos enólogos mais respeitados no Alentejo. Os vinhos dos Grous são lúcidos, inteligentes e irrepreensíveis no estilo, perfeitamente adaptados aos gostos e necessidades do mercado. Será difícil não gostar dos vinhos da Herdade dos Grous, vinhos generosos, suaves, intensos e frutados, sempre num registo enérgico sem nunca chegar a ser excessivos. O Moon Harvested mostra-se preto e opaco, quase impenetrável à luz. Bruto e duro sem ser agressivo, vivo nos taninos e suave no final de boca, frutado e generoso na acidez, tem tudo para se converter num sedutor nato, capaz de entusiasmar desde o primeiro momento.

Preço: 23.50€ na Garrafeira Nacional, Lisboa, www.garrafeiranacional.com

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