Fugas - Vinhos

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O vinho português nunca teve uma montra assim

André Grimberg, proprietário da Bergut, uma das garrafeiras mais renomadas do Rio de Janeiro, tem uma explicação para o que aconteceu: “Os cariocas estão ávidos de tudo o que é português.” Só a Casa das Natas (uma pequena fábrica aberta há pouco tempo no Rio por um engenheiro informático do Minho) forneceu durante os três dias do encontro mais de dois mil pastéis de nata à Deli Delicia — que montou no Palácio São Clemente dois espaços de venda de vinhos, queijos e outros produtos portugueses.

A troco de 50 reais (cerca de 16 euros) — menos do que custa num restaurante brasileiro um vinho português de gama baixa —, os cariocas tinham direito a um copo inteligente desenvolvido pela empresa portuguesa Adegga, responsável pela logística dos vinhos no evento. Graças a um chip colocado na base do copo, o visitante recebe em casa por email toda a informação relevante sobre os vinhos que provou. A entrada dava direito ainda a provar vinhos de todas as regiões portuguesas, muitos dos quais chegam ao Brasil a preços proibitivos para o cidadão comum, e assistir aos seminários, provas de vinhos e harmonizações realizadas por críticos dos dois jornais e também por convidados como Guilherme Rodrigues (advogado de Curitiba que é um dos grandes conhecedores e embaixadores do vinho do Porto no Brasil) e Dirceu Vianna Júnior (o único master of wine de língua portuguesa, radicado há mais de 15 anos em Londres).

Curiosidade pela “terrinha”

Em qualquer feira de vinhos, a média de permanência dos visitantes não ultrapassa as duas horas. No Vinhos de Portugal no Rio superou largamente as três horas. Inúmeros visitantes ficaram no palácio do primeiro ao último minuto. Muitos, de tanto beberem, saíram já com dificuldade. Mas o extraordinário é que alguns dos que provaram mais do que a conta eram homens e mulheres idosas com ar respeitável e até abastado. Por trás do visitante anónimo que enchia os produtores de interrogações sobre a composição do vinho ou a sua origem escondia-se, com frequência, um médico, um promotor público, o proprietário de uma grande empresa ou um homem das letras famoso, como foi o caso do jornalista e escritor Zuenir Ventura. À saída, seguindo o exemplo de muitos outros, Zuenir Ventura comprou um tinto do Douro, o Duorum 2010, sugerido por nós a seu pedido. O pedido de conselhos para a compra de vinhos foi, aliás, uma constante do encontro. Um ex-jornalista do GLOBO pediu um branco e um tinto, fixando um tecto generoso. “Pode ser até 300 reais (100 euros)”.

O evento foi organizado de modo a permitir aos visitantes um primeiro contacto mais didáctico com o vinho português através de provas e seminários (sempre esgotados) nas deslumbrantes salas do Palácio São Clemente que antecedem o acesso aos jardins onde foi montada a tenda para os expositores. Quando chegavam à tenda, os participantes já iam com algumas referências e também com uma maior curiosidade em provar os vinhos e conhecer os seus criadores, sobretudo os dos tintos, que continuam a ser os vinhos preferidos dos cariocas, apesar do clima quente do Rio. Mas as reacções de espanto e admiração observadas nas provas perante a qualidade dos brancos apresentados sugerem que pode estar a ocorrer uma inversão dessa tendência. André Grimberg nota uma maior procura de vinhos brancos portugueses na sua loja e essa procura só não é maior porque o consumidor brasileiro “ainda associa o vinho branco português a um vinho muito ácido e sem graça” (herança do mau vinho verde).

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