Fugas - Vinhos

Opinião: Os desafios do Dão

Por Rui Falcão

A região do Dão, convém lembrá-lo, é uma das denominações vinícolas mais antigas de Portugal, uma das poucas que já superou o primeiro século de vida activa.

Os elogios rasgados quanto à competência do Dão para fazer vinhos excepcionais são normais, tal como o aplauso à personalidade e às condições naturais ímpares da região. As palavras de aprovação sucedem-se de forma quase ininterrupta, vertidas em discursos inflamados e artigos de opinião reproduzidos em dezenas de tertúlias, debitados de forma mais ou menos contínua por críticos, enófilos e consumidores ocasionais.

O Dão, diz-se com convicção mas nem sempre com fundamento, é uma das regiões naturalmente mais abençoadas de Portugal, aquela que proporciona os vinhos mais elegantes de Portugal, capaz de produzir brancos e tintos aprimorados, frescos e com uma capacidade de envelhecimento mais que notória.

São fundamentos mais ou menos factuais sobre o Dão e aquilo que a denominação representa. É fácil asseverar que os vinhos do Dão são autênticos, profundamente originais e senhores de uma identidade própria. É fácil afiançar que o estilo afina predominantemente pela subtileza e elegância, tal como é fácil sustentar que a maioria dos vinhos do Dão, brancos incluídos, pode viver muitos anos em garrafa. A região é rica e fértil em castas autóctones e beneficia dessa benesse natural de deter um dueto de castas emblemáticas, Touriga Nacional e Encruzado, que ajudam na promoção e na comunicação dos vinhos da denominação. Beneficia ainda de um clima que, embora por vezes traiçoeiro, proporciona condições únicas e diferenciadoras das restantes regiões nacionais.

Qualidades e predicados que, se observados sob uma perspectiva diferente, podem ser consideradas tal-qualmente como algumas das principais dificuldades do Dão. Num mundo que cultiva a facilidade e a conformidade com as regras nem sempre é fácil ser diferente, singular ou alternativo. Num mundo sempre em pressa e onde a juventude é uma das características mais sublimadas, a capacidade de envelhecimento dos vinhos é uma vantagem comercial que só é valorizada por uma minoria quase sem expressão. Produzir vinhos numa região de clima volúvel e que mostra enormes variações anuais, intercalando colheitas extraordinárias com anos simplesmente sofríveis, fomenta uma inconsistência qualitativa de colheitas que poderá afastar alguns dos consumidores menos comprometidos com a região.

O emparcelamento característico da região que garante que a propriedade média é inferior a meio hectare não ajuda à viabilidade económica de muitas explorações, que sofrem ainda do mal endémico e anímico de todo o interior de Portugal, uma desertificação progressiva que limita a mão-de-obra e não ajuda a firmar populações. Dificuldades que podem ser contornadas com esforço, dedicação e uma promoção e divulgação bem pensadas que envolvam produtores e organismos reguladores. A região tem um potencial tão grande que, apesar das dificuldades inegáveis de devolver prestígio ao nome Dão dentro e fora de fronteiras, a tarefa é mais que viável.

Isto, claro, desde que o Dão não caia na tentação de pretender imitar o estilo de regiões vizinhas ou no facilitismo de se promover unicamente em função das suas castas mais emblemáticas. Sim, os vinhos do Dão são diferentes, são seguramente mais austeros e difíceis nos primeiros anos de vida que os vinhos de muitas outras regiões nacionais e requerem mais tempo de garrafa antes de poderem ser colocados no mercado. Mas o clima e os vinhos são assim mesmo e estas condições fazem parte da identidade e autenticidade da região… e não há muito que possa ser feito para contrariar a natureza. É seguramente um revés económico para os produtores da região, que gostariam de poder vender os vinhos mais cedo, mas é aquilo que diferencia o Dão e torna os vinhos únicos.

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