Fugas - Vinhos

Adriano Miranda

Qual é, afinal, o segredo para a afinação dos vinhos de altitude?

Por José Augusto Moreira

A acidez é a espinha dorsal e as noites frias nos últimos dias de maturação são determinantes para a frescura e estabilização da cor nos vinhos durante muito mais tempo.

A questão sobre o que diferencia os vinhos de altitude foi colocada há dias como tema de um encontro que juntou em Vila Nova de Tazem, nas faldas da serra da Estrela, um conjunto conceituado de enólogos e produtores e as conclusões parecem não ter deixado lugar para grandes surpresas. É que, tal como no velho anúncio da televisão onde o segredo da pizza não está só no tomate ou só na pasta, tudo resulta antes da sábia e criteriosa conjugação de todos os ingredientes.

Mas se não é só pela altitude que os vinhos resultam mais frescos, elegantes e equilibrados, o que ela pode dar de claramente diferenciador é a acidez que está na base daqueles predicados. “A acidez é a espinha dorsal. E o corpo só pode ter estrutura muscular se tiver boa espinha dorsal”, sintetizou Dirk Niepoort, depois de explicar que o que sempre procura são “vinhos diferentes, frescos, elegantes, pouco alcoólicos e com o carácter próprio do lugar em que são criados”.

Características que o reputado enólogo e produtor contrapôs à tendência, “muito por culpa do gosto dos jornalistas”, para aquilo que classificou como “pesadelos”. Ou seja, vinhos pesados, cada vez mais extraídos e com um volume de álcool não raro acima dos 15%. “Felizmente que já se procura mais elegância, e a altitude pode ajudar”, apontou.

Foi precisamente para demonstrar como pode ajudar na busca da frescura e equilíbrio nos vinhos que João Paulo Gouveia começou por explicar que a altitude, e também a latitude, não são um fim em si, mas antes “uma forma de ganhar amplitude térmica e, com isso, o efeito das estações do ano” na fase de maturação.

Falando mais como docente e investigador, o conhecido enólogo e produtor do Dão socorreu-se de estudos sobre ecofisiologia da vinha, maturação e taninos, para mostrar que a cor e acidez dos vinhos estão directamente relacionadas com a frescura nocturna. “Os últimos dias de maturação são fundamentais para a cor, frescura e acidez, e as noites frias são determinantes”, disse, apontando para “o poder tampão que a acidez tem sobre a oxidação” e a consequente “estabilização da cor dos vinhos durante mais anos”.

Ora, é neste aspecto que a altitude tem os seus efeitos. É que não só a temperatura desce 0,6 graus por cada 100 metros, como a humidade decresce também com a altitude, provocando assim maiores amplitudes térmicas, com noites mais frias e secas. Ou seja, o efeito das estações do ano dentro do próprio dia.

Mas este é um efeito que não se verifica apenas com a altitude, já que a natureza dos solos (xisto, granito) e a existência de barreiras naturais que protejam de ventos marítimos podem potenciar as desejadas amplitudes térmicas. É o que pode acontecer no Dão, nas encostas do Douro, em áreas de planalto ou na serra de Portalegre. Será ainda o caso, embora não referido neste encontro, da região de Monção e Melgaço para os vinhedos de Alvarinho.

Seguir a natureza

Dada a relativa altitude das nossas vinhas, João Paulo Gouveia tem mesmo dúvidas de falar em vinhos de altitude, preferindo referir-se antes a uma “viticultura de montanha associada a clima mediterrânico”, seguindo a natureza e adaptando o cultivo da vinha às respectivas condições.

Partindo das suas experiências, cinco produtores explicaram como fizeram esse percurso de adaptação na busca daqueles que são hoje alguns dos vinhos mais interessantes da produção nacional e que melhor expressam essa condição de altitude.

“Somos o país da diversidade e não nos devemos preocupar com a massificação”, começou por alertar Álvaro de Castro, enquanto o demonstrava com a prova das últimas colheitas nas quintas de Saes e da Pellada, já a olhar a serra da Estrela. Vinhos frescos, envolventes e equilibrados, que o levam a afirmar que no Dão “começa a ser quase estúpido falar de castas” e que é nas vinhas velhas que está o carácter da região.

“No Dão é fácil termos vinhos velhos bons, o mais difícil de conseguir é mesmo a simplicidade”, gracejou, explicando que dentro da mesma vinha, e até na mesma videira, não vindima tudo ao mesmo tempo, para assim obter a expressão da verdadeira diferença e carácter da região.

É esse o espírito da novidade Dente de Ouro 2013, um tinto que não está ainda engarrafado, proveniente de vinhas realmente velhas, com castas e videiras dispersas, e que promete fazer mesmo a diferença.

Muita diferença foi também o que viu Rui Madeira nas uvas que recebia de vários produtores do planalto da Beira Interior e que o levaram a adoptar a indicação de “vinhos de altitude” nos seus Beyra, que produz em Vermiosa, Figueira de Castelo Rodrigo. “Verifiquei, por produtores e não por castas, grandes diferenças entre as uvas provenientes de zonas de xisto, de granito e de transição.” Foi assim, com atenção à natureza e não às castas, que chegou aos brancos de frescos e minerais que rapidamente se impuseram no mercado.

A mesma mistura de castas adaptada às particulares condições de solo aponta Rui Reguinga para explicar os vinhos únicos que produz na serra de Portalegre. Um Alentejo radicalmente diferente daquele que conhecia da Vidigueira. “Logo a começar pela vindima, que era três semanas mais tarde para a mesma casta”, exemplifica. Se bem que o seu Pedra Basta resulte de um lote tradicional de castas alentejanas, que a serra diferencia com a frescura mineral que envolve a fruta madura. Já os Terrenus, tanto o branco como o tinto, resultam de lote alargado de castas antigas, a maioria das quais os produtores alentejanos foram aconselhados a abandonar.

E o facto é que, explicou o enólogo, em regra não funcionam bem sozinhas, o que fez com que nos primeiros anos nem as vinificasse. Até que percebeu que o segredo estava no blend, no equilíbrio resultante da mistura. “A altitude muda tudo em Portalegre. A temperatura baixa drasticamente à noite, dando vinhos frescos, minerais e com grande potencial de evolução”, salientou.

O comportamento das castas com a variação térmica parece ter estado também na base das opções de Celso Pereira, sendo esse o segredo para o sucesso dos seus espumantes produzidos no Douro, no planalto de Alijó. Quatro anos de estudos com 25 castas levaram-no à selecção de três brancas (Gouveio, Viosinho e Rabigato) e uma tinta (Touriga Franca), que estão na base dos Vértice e Quanta Terra. As vinificações são distintas, não por castas mas antes segundo os solos de origem.

Para destacar o efeito diferenciador daquela zona de planalto (600m) e solos graníticos, deu a provar “apenas brancos do Douro, uma coisa impensável há 10 anos”. Vinhos intensos, secos e minerais, a par de acidez cítrica. Para aguçar o apetite, um novo espumante que está prestes a sair para o mercado e promete rebuliço. Umblanc de noir (Pinot Noir) de 2007, gordo e muito bem afinado, com açucares zero e 7g/l de acidez. Até corta a respiração!

Busca pela diferença

De castas e maturações falou ainda Dirk Niepoort, para frisar o “enorme potencial” do Dão e “apontar dois erros”: deitar fora vinha velha; e a fixação da Touriga Nacional.

“Não porque tenha alguma coisa contra a casta, mas porque foi para plantar Touriga que se pôs fora vinha velha”, precisou, deixando também no ar a interrogação sobre “quem vai agora beber tanta Touriga Nacional”.

O propósito de busca pela diferença (“Não sei as castas nem me interessa. O que interessa é o sítio”), com vinhos frescos, naturais e de pouca graduação (“Aceito mais depressa uva verde que passa”), deixou-o demonstrado com dois vinhos que se anunciam como novos faróis para a produção nacional: o duriense Turris e o Dão Conciso Tonel 4, ambos da colheita de 2012. O primeiro, que descreveu como “um sonho que está a tornar-se realidade”, provém de uma vinha com mais de cem anos de zonas muito altas (700/800m), onde as uvas têm sempre dificuldade em amadurecer. Fermenta sem extracção e uma parte (25%) com engaço, mas quando se bebe é fresco, subtil, com tanino personalizado e sem arestas. Um vinho leve (12,5%) e fino com os genes do Douro.

No caso do Dão, trata-se de vinhas velhas (sem Touriga e com uma base de baga a que se juntam muitas outras). Aberto, perfumado e elegante, com um tanino e verdor final que o fazem perdurar na boca, tal como acontecia com os velhos e gloriosos vinhos do Dão.

Ainda há, felizmente, quem faça disto pela região. A questão é que não os têm conseguido vender.

Com o estatuto e nome que lhe está por detrás, é certo que este Dão Conciso Tonel 4 venderá não só rapidamente como por bom preço. E pode bem ser esta a alavanca de que o Dão está a precisar, já que um pouco por todo o lado existe a frescura, equilíbrio e elegância que fazem os grandes vinhos.

“Estamos no Dão a tentar fazer vinhos que tenham acidez, que não sejam pesadelos”, assume Dirk Niepoort, enquanto João Paulo Gouveia sentencia que o que sempre agrada num grande vinho “é a frescura que ajuda à combustão dos ácidos”. E, para isso, a altitude pode ajudar.

Alargar o debate, mostrar o potencial da região

O encontro sobre vinhos de altitude teve lugar em Vila Nova de Tazem, numa iniciativa conjunta entre a Revista de Vinhos e o município de Gouveia. Partindo do princípio de que a altitude não se mede em metros mas antes na capacidade de influir na características e fazer a diferenciação de um vinho, os promotores deixaram claro que este foi um primeiro passo para iniciativas mais alargadas e ambiciosas a desenvolver nos próximos anos. Além da chamada de atenção para o carácter diferenciador dos produtos locais, houve este ano o cuidado de juntar exemplos de outras regiões, mostrando como o efeito altitude conduz a características diferenciadoras em cada um dos espaços.

Para o ano, a ideia é alargar a participação a produtores de outras regiões da Europa, com seminários, mostras de vinhos e visitas a algumas das quintas que melhor expressam o carácter dos vinhos da serra da Estrela.

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