Fugas - Vinhos

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Um Alentejo distinto nas faldas da Serra d’Ossa

Por Manuel Carvalho

A Quinta do Zambujeiro renasceu em 1998 pelas mãos de um investidor suíço e prosperou desde então.

Os seus vinhos de topo inscrevem-se nos padrões de classe das marcas mais exigentes do Alentejo e as suas gamas médias apresentam propostas cheias de garra e de graça. Em terras de xisto, em colinas de maior altitude, o cuidado com a vinha é a marca de uma casa que exporta 85% do que produz.

As cores do Outono tomaram conta das vinhas da Quinta do Zambujeiro, as adegas estão já limpas e à espera da vindima de 2015 e os únicos vestígios de actividade estão agora nos escritórios das equipas de venda ou nas áreas de armazém de onde saem os vinhos para o mercado. No ar, porém, ainda se sentem os aromas de esteva que conferem ao lugar a atmosfera mediterrânica que se detecta na complexidade dos vinhos do Zambujeiro.

Ali, a escassos quilómetros de Borba e de Estremoz, nas faldas da Serra d’Ossa, em encostas mais elevadas e dominadas pelos solos xistosos, o Alentejo é diferente. Mais clássico, mais complexo, igualmente quente e profundo. Na identidade plural dos vinhos regionais, os Zambujeiro estão na gama onde se situam os Mouchão, os Quinta do Carmo ou os Pêra Manca — são vinhos de uma outra estirpe, que só há muito pouco tempo começaram a receber do mercado nacional a atenção que merecem.

No princípio, havia o golfe e o sol do Algarve, até que um engenheiro mecatrónico de nacionalidade suíça que vive e trabalha em Singapura se decidiu dedicar à produção de vinho em Portugal. “O objectivo inicial do projecto era fazer um vinho capaz de ser reconhecido mundialmente”, explica Andrea Anselmo, responsável pelo departamento de vendas.

Em 1998, Ernst Ziegler comprou a Quinta do Zambujeiro, onde havia vinhas com 30 anos de idade com as castas Alicante Bouschet e Trincadeira, e a aventura começou. Primeiro, com um acordo com a distribuidora suíça Globalwines, que garantia o escoamento da totalidade da produção. “Em 2003, quando colocámos no mercado as colheitas de 1999, foi tudo vendido para lá”, recorda Nuno Malta, gerente da empresa desde essa data. Nessa altura, porém, a produção ficava entre as 10 e as 20 mil garrafas por ano. Hoje a Zambujeiro coloca aproximadamente 100 mil garrafas de vinho tinto no mercado, mais 6000 de vinho branco.

Para chegar a esta marca, a Quinta do Zambujeiro lançou uma operação de plantação de novas vinhas, que fez subir a área produtiva do núcleo central da empresa, nas imediações de Rio de Moinhos, para os 22 hectares. A Alicante Bouschet, obviamente, continuou a merecer especial atenção da equipa de viticultura, mas nas vinhas novas foram plantados blocos com Touriga Nacional ou Petit Verdot. A Castelão, pelo contrário, “era pouco interessante”, na avaliação de Nuno Malta, e em 2007 as suas cepas foram reenxertadas com as castas consideradas mais aptas ao perfil dos vinhos da casa e às condições naturais do Zambujeiro. Por outro lado, a empresa decidiu arrendar para exploração própria 12 hectares em Orada, mais perto de Borba, e comprou mais quatro hectares no lugar dos Arcos, perto da sede da freguesia da Glória.

A gestão das vinhas é considerada pela equipa do Zambujeiro como a questão crucial para a determinação do perfil dos vinhos que produz. Nas encostas de xisto junto à sede, de onde saem os lotes superiores, a rega é dispensada. A poda verde é levada a extremos, chegando a índices de cortes de cachos que representam 60% da produção. Nuno Malta estabelece que o limite de produtividade ronda as 3,5 a quatro toneladas de uvas por hectare, o que leva a empresa a “gastar mais com pessoal na monda dos cachos do que na vindima”.

Quando esta prática começou a ser ensaiada pela quinta do Zambujeiro, que desde o início conta com a consultoria técnica do enólogo suíço Alain Branaz, os agricultores vizinhos espantavam-se. “Hoje todos fazem o mesmo, porque perceberam que é importante para elevar a qualidade dos vinhos”, explica Nuno Malta.

A selecção exigente da matéria-prima continua no momento em que as uvas entram no lagar. Todas as uvas, umas 120 toneladas por ano, passam por um tapete e são seleccionadas manualmente. “Não vamos beber o que não queremos comer”, precisa Andrea Anselmo.

O rigor na escolha e a minúcia na procura da qualidade tem por esses momentos a intendência de Ernst Ziegler, que passa o período de vindimas em Portugal. Ele, como sublinha Andrea, “para lá de ser engenheiro mecatrónico, é suíço”, o que torna a procura pela precisão uma regra permanente. Os lotes considerados superiores serão vinificados nos quatro balseiros existentes na adega — para lá seguem os Alicante Bouschet e os Touriga Nacional que são o corpo e a alma dos melhores vinhos da casa. A restante produção segue para cubas de inox.

A tradição do Zambujeiro exige macerações lentas e prolongadas, que em colheitas do princípio da década passada tinham como resultado alguns vinhos superconcentrados e com excesso de extracção. Hoje o processo está afinado. “Não houve uma mudança de práticas, houve sim uma natural evolução que resulta do facto de querermos fazer sempre melhor”, explica o gestor, que partilha responsabilidades com a equipa de enologia.

Todos os lotes saídos da adega têm um destino comum: passam para barricas onde evoluirão, pelo menos, durante um ano e meio. Os melhores vinhos entram em barricas novas das tanoarias Seguin Moreau e Taransaud; os lotes para os vinhos de entrada de gama, dominados pela casta Aragonez, destinam-se a vasilhas com dois anos ou mais. Logo aqui se começam a formular as identidades das três marcas de vinhos tintos da casa: o Monte do Castanheiro, da gama mais baixa, o Terra do Zambujeiro, na faixa intermédia (neste caso só metade do lote passa por barricas novas), e o Zambujeiro, a estrela da companhia.

Após um ano e meio de estágio em barrica, o Monte do Castanheiro é engarrafado, mas as outras duas gamas ainda vão ser alvo de um processo de escolha baseado numa deliberação que tem o seu quê de democrático. Por volta da Páscoa, Ernst Ziegler faz a sua segunda visita anual ao Zambujeiro e, em conjunto com as equipas de enologia (Luís Lourinho é o enólogo residente), da gestão e das vendas, elege os lotes finais para o seu vinho de topo, que por regra são dominados pela Alicante Bouschet (40%), Touriga Nacional (40%) com afinações de 10% de Tinta Caiada (uma casta razoavelmente rara que vem dos solos argilo-calcários da vinha da Orada) e 10% de Petit Verdot.

“Há uma proposta de blends, faz-se uma discussão e chega-se a uma decisão colectiva”, nota Nuno Malta. Num ano normal, a produção do Terra do Zambujeiro ronda as 35 mil garrafas e a Zambujeiro pode chegar às cinco mil. Mas há anos e anos: na edição de 2010, que está prestes a chegar ao mercado, só se produziram 2600 garrafas da gama superior da quinta.

Feitas as escolhas, os lotes com destino ao Terra e ao Zambujeiro regressarão mais meio ano às barricas e passarão depois mais dois anos em garrafa. Na empresa há o culto do tempo, segundo o qual os vinhos exigem estágios prolongados para revelarem o seu potencial — a colheita de 2010 ainda vai ficar mais uns meses em armazém.

A crítica aplaude – Mark Squires, o provador da equipa de Robert Parker que acompanha a produção de Portugal, pontua o Zambujeiro sempre acima dos 90 pontos e em 2007 chegou mesmo a atribuir-lhe 97 pontos (a edição de 2009, que ainda está no mercado, valeu 94 pontos). E os consumidores também. As marcas do Zambujeiro deixaram de depender em exclusivo do mercado suíço, que, no entanto, continua a valer 45% das vendas totais. Mas a empresa diversificou as suas exportações para outros mercados, incluindo a Ásia, e deixa em Portugal 15% dos vinhos que produz — “o mercado português cresce todos os anos”, diz Andrea Anselmo.

Pequena na dimensão das suas vinhas e ainda mais no volume que produz, a Quinta do Zambujeiro emprega 11 pessoas todo o ano e consegue ser rentável à custa da troca da quantidade pela exigência de qualidade. Tudo ali é prático e comedido, bem ao estilo da proverbial frugalidade calvinista.

O resultado são vinhos com forte personalidade que, apesar de apresentarem elevados teores de álcool (Nuno Malta diz que os 15% de volume resultam das condições climáticas), estão longe de ser cansativos. Com a vizinhança da Quinta do Carmo, o eixo entre as aldeias da Glória e de Rio de Moinhos tornou-se com a Zambujeiro um lugar obrigatório para quem quiser perceber até que ponto o Alentejo é capaz de fazer vinhos de classe mundial.

 

Monte do Castanheiro Branco 2013
3 Estrelas
Volume alcoólico: 13,5%
Preço: 8/10 euros
Proveniente de um lote de Arinto e Antão Vaz, este branco impõe-se pelo vigor dos seus aromas de natureza tropical. Na boca é um vinho volumoso, ao qual a Arinto concede secura, acidez e um final musculado que o adequam às exigências da mesa.
Um branco com graça e irreverência, bem desenhado e que dá prazer beber.

Monte do Castanheiro Tinto 2012
3 Estrelas
Volume alcoólico: 14,5%
Preço: 10/12 euros
Dominado pela Aragonez num lote onde entra também a Tinta Caiada, a Trincadeira e o inevitável Alicante Bouschet, o tinto de ataque do Zambujeiro vale pelo fulgor da sua juventude. Fruta vermelha madura de qualidade, tanino firme mas redondo, bom balanço e um final que deixa um rasto de frescura. Um tinto com irreverência e graça.

Terra do Zambujeiro Branco 2013
2 Estrelas
Volume alcoólico: 14%
Preço: 15/20 euros
Apesar de a casta Arinto dominar com 60% o lote final (a parte restante é Antão Vaz), este vinho acusa um certo desequilíbrio entre o volume de boca e a acidez. O que o torna plano, com a dimensão da fruta a impor-se em absoluto. Sobra por isso a fineza do seu aroma e a sedosidade na boca, o que é apenas uma das condições para que um branco seja atractivo e apresente a frescura que se lhe exige.

Terra do Zambujeiro Tinto 2010
4 Estrelas
Volume alcoólico: 15%
Preço: 25/30 euros
Na aparência, estamos perante um vinho simples de perceber e muito fácil de gostar. Uma prova aturada, porém, desmente a primeira premissa, embora conserve a segunda. O Terra do Zambujeiro é domínio do Aragonez, e quando a casta se cultiva em regimes de baixa produção o resultado são vinhos com boa intensidade de fruta e aromas que sugerem especiaria. Com a garra a ser concedida pela Alicante Bouschet (entram também no lote a Tinta Caiada e a Trincadeira), as condições para este vinho florescer estão garantidas. É um vinho que dá prazer beber pelo seu vigor, intensidade e complexidade.

Zambujeiro Tinto 2010
4,5 Estrelas
Volume alcoólico: 15%
Preço: 45/50 euros
Há uma identidade que o Zambujeiro, o topo de gama da quinta, partilha com os outros vinhos da casa: a expressividade, a estrutura pensada para resistir ao tempo e um toque de sofisticação que se percepciona pela profundidade da prova e por uma arquitectura na qual a facilidade da fruta não impera — pelo contrário há uma adstringência de taninos vegetais que recomenda anos de garrafa.
Todos estes atributos são levados mais a rigor na definição do Zambujeiro. Aromas complexos de ameixa preta, sugestões florais, notas de esteva a acentuarem-lhe uma dimensão mediterrânica, firmeza na prova e um final de boca especiado são alguns dos seus argumentos. Envolvente, complexo e bom para a mesa, é um vinho que requer ainda mais tempo para mostrar o que vale na sua plenitude. Embora esteja longe de ser um vinho apenas do futuro: é já um enorme prazer bebê-lo. Um grande vinho.

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