Fugas - Vinhos

  • Enric Vives-Rubio
  • Adriano Miranda

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O vinho português anda à procura de um perfil mais elegante

“Nos últimos dois ou três anos nota-se uma mudança no sector, principalmente no Douro. Deixaram de se fazer tantos vinhos com álcool a mais, procuram-se vinhos mais elegantes, que obrigam a fazer vindimas mais cedo para colher uvas com menos expressão da fruta mas com mais acidez. Estamos a deixar o estilo Robert Parker”, diz João Paulo Martins.

Em causa está mais uma etapa de um processo de evolução iniciado há uns 40 anos. Que resulta mais de uma leitura das tendências internacionais do que propriamente de uma reflexão própria sobre as potencialidades da vinha e do vinho portugueses. “Hoje as pessoas viajam muito”, diz Jorge Monteiro. “Sempre que estou no estrangeiro aproveito para provar todos os vinhos que puder”, acrescenta Domingos Soares Franco.

Por vezes, o caminho parece claro; outras, nem tanto. “O volume de álcool já subiu, já desceu e está outra vez a subir no mercado escandinavo”, comprova o enólogo da José Maria da Fonseca. “Os vinhos com maiores pontuações têm todos acima de 14% de álcool”, nota Luís Soares Duarte.

Se o Douro aparece, na avaliação do jornalista João Paulo Martins, como uma espécie de vanguarda do que, tarde ou cedo, acontecerá no perfil dos vinhos das outras regiões, há resistências que não apontam para uma mudança simultânea. Pelo contrário. “No Dão as pessoas tentam imitar o Douro do passado, procurando vinhos com mais álcool e madeira”, diz João Paulo Martins. De resto, uma mudança de perfil de uma marca, de uma empresa e, mais difícil ainda, de uma região, exige tempo e adaptação. Das vinhas e das castas, por exemplo.

Charles Symington, enólogo do grupo familiar e co-autor do Chryseia 2011 que a revista norte-americana Wine Spectator colocou no número dois do top 100 dos vinhos do ano, nota: “Nós temos vindo a aprender” e a aprendizagem levou a “uma predominância das duas tourigas (Nacional e Franca) nos vinhos topo de gama. São duas castas que combinam muito bem, são complementares, têm sinergias”.

Domingos Soares Franco considera que essa aposta na vinha é o vector principal de qualquer transformação e nota que há imenso a fazer no campo. Castas, como a Aragonez, que outrora prometiam, caem agora em desgraça: “Estou extremamente decepcionado com as vinhas novas de Aragonez. A casta, em monovarietais, tem bom aroma e boa boca, mas cai a meio da prova”. Outras, estranhas ou suspeitas, ganham respeito, como a Viognier, que está a dar “felicidade” ao enólogo, ou, caso da Trincadeira, suscitam esperança: “Estou a começar a acreditar”, continua Domingos Soares Franco.

É afinal a precisão da viticultura e acertos na enologia que levarão ao vinho “ideal”. João Nicolau de Almeida, enólogo da casa Ramos-Pinto, há muito que sabe quais são os seus principais atributos: “Os bons vinhos têm de ter corpo e frescura. Não é só serem redondinhos. Têm de ter final de boca. Têm de ser apetecíveis”.

O contrário do que muitos produtores nacionais fizeram em anos recentes. O oposto do conceito do “vinho-espectáculo”, que “tinha tudo em altas quantidades mas bebiam-se dois copos e pedia-se algo mais suave e fresco”. Saber se essa frescura é possível sem a rusticidade dos vinhos de outros tempos é tema que continua a suscitar leituras divergentes. Charles Syimington considera que “uma das coisas mais importantes para nós foi dominar a parte tânica, conseguindo fazer vinhos com dimensão e volume de boca sem serem agressivos. Sempre partimos do princípio que devíamos fazer vinhos assim”.

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