Viajar por Portugal, parar numa adega, visitar uma vinha, conversar com um produtor, fazer uma prova de vinhos ou, quem sabe, participar numa vindima — o enoturismo explodiu nos últimos anos por praticamente todo o país. Mas até agora não existia um guia que sistematizasse a informação sobre o que se pode visitar, como e quando, e que seleccionasse, de entre os muitos espaços abertos ao público, aqueles a que vale mesmo a pena ir. Foi esse o trabalho que a crítica de vinhos Maria João Almeida fez, e que resultou no Guia de Enoturismo em Portugal, que acaba de ser lançado pela editora Zest (18€).
“Conheço muitas adegas e enoturismos pelo mundo, e os nossos não envergonham ninguém, pelo contrário, temos enoturismos muito bonitos e bem pensados”, diz Maria João Almeida. “Mas ainda não temos uma cultura de enoturismo que traga um grande número de visitantes e permita ter uma coisa mais organizada.” Não é o cenário que encontrou, por exemplo, em Espanha, onde visitou enoturismos que recebiam, num fluxo constante, camionetas cheias de pessoas (o único caso que se aproxima um pouco é o das caves do Vinho do Porto, em Gaia).
Um grande fluxo de visitantes permite transformar um enoturismo num negócio rentável, o que em Portugal ainda não é fácil, reconhece. “Por enquanto é um negócio que ainda não compensa, mas quem vai abrir um enoturismo tem que ter a noção de que é um investimento para mais tarde vir a dar certo. E os produtores devem saber que ganharão muito maior visibilidade se fizerem esse investimento.”
O que é absolutamente fundamental é receber bem, e, com mais ou menos visitantes, manter sempre um serviço profissional. Para incluir um enoturismo no guia, assegurou-se de que isso acontecia. “Criámos um cliente mistério para perceber como é que as pessoas eram recebidas, para não ser apenas eu, que sou jornalista e que conheço alguns dos produtores há anos, a ir lá”, conta. E tiveram “três ou quatro surpresas em que alguma coisa falhou”, o que levou a que esses espaços não aparecessem no guia. Mas a maioria correspondeu às expectativas, sublinha Maria João.
Ela própria teve uma experiência falhada, com um enoturismo onde não lhe atenderam o telefone durante uma semana, e quando finalmente atenderam explicaram que estavam a tratar de um casamento e não podiam dar-lhe atenção. “São coisas que não podem acontecer. Alguns produtores ainda não têm a noção de como é importante ter em permanência uma pessoa informada, que tem que perceber e adaptar-se às diversas linguagens dos visitantes que lhe aparecem e que podem ser apreciadores de vinho ou simplesmente curiosos.”
Mas deixa também um conselho aos enoturistas, em letras maiúsculas e logo no início do livro: é essencial marcar a visita, não se deve aparecer sem avisar. Por outro lado, há uma informalidade nos enoturismos portugueses que não se encontra noutros lugares do mundo, e que pode funcionar como um trunfo. “Temos o lado fantástico do fazer um jeitinho. Isso não acontece na Alemanha ou em Bordéus, por exemplo, onde quem chega sem marcação tem que se ir embora. Cá as pessoas recebem bem, e até são capazes de convidar os visitantes para almoçar. Um produtor disse-me uma vez que quando aparecia alguém sem marcação oferecia sempre um vinho, e o que tivesse em casa, um queijinho, um pão.”
Outro trunfo de Portugal é ter um território muito variado, o que permite que alguns enoturismos mais estruturados tenham uma oferta específica: “Na Quinta da Ervamoira, no Douro, podem ver-se as gravuras rupestres e andar de jipe, o Esporão, no Alentejo, tem ruínas arqueológicas e uma parte museológica, na Beira Interior há as aldeias históricas, na região do Tejo pode-se fazer observação de aves e há produtores completamente ecológicos.”
O guia, com um visual vintage, apresenta mais de uma centena de enoturismos, “por entre palácios oitocentistas, boutique hotels e casas agrícolas centenárias”, em quase todas as regiões, com destaque para o Douro e o Alentejo. Mas não é apenas uma lista. Maria João Almeida explica as características de cada região e dos respectivos vinhos, conta uma breve história sobre cada enoturismo, sugere alguns dos vinhos para prova em cada um (não dá preços das visitas nem aconselha provas muito específicas porque “poderiam desactualizar-se rapidamente”, explica), e ainda apresenta propostas dos melhores locais para comer e dormir em cada uma das regiões. E no final, não entrando em demasiados detalhes, dá ainda uma breve explicação sobre as principais castas portuguesas.
Importante é não esquecer que o vinho é só o pretexto para a viagem, lembra a autora. “O enoturismo é muito mais vasto do que o vinho, é o vinho que nos leva até lá, mas a partir daí abrem-se outros caminhos.”