Fugas - Vinhos

Adriano Miranda

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Perder o foco

O problema é que em Portugal, um país de clima maioritariamente soalheiro e onde a maturação nunca é um problema, dificilmente podemos encontrar a acidez, a frescura indispensável para contrariar a doçura pungente e indolente dos vinhos de colheita tardia. A consequência são vinhos melosos e pesados, melífluos mas sem o brilho da acidez que possa conduzir a um final viçoso e luxuriante. Ou então, em alternativa, são vinhos que obrigam a correcções de acidez na adega que confirmam a má opção de os produzir.

A opção é ainda mais surpreendente quando Portugal é precisamente um país que se celebrizou pelos seus vinhos doces, os famosos generosos que são representados pelo Vinho do Porto, Vinho da Madeira, Moscatel de Setúbal e o quase desconhecido Carcavelos. Vinhos que reflectem não só a nossa história como as condições naturais das regiões que os produzem, vinhos únicos e que ninguém consegue imitar… mas que muitos tentam copiar de forma tão atabalhoada como nós tentamos copiar um estilo para o qual não temos vocação nem condições naturais. Tentar fazer vinhos de colheita tardia em Portugal é como esperar que um produtor de Mosel, Rust, Tokay ou Sauternes, as regiões naturalmente mais aptas para a sua produção e onde surgiram este tipo de vinhos, se lancem na peripécia de produzir um vinho generoso do estilo Porto, Madeira ou Moscatel. Seria possível mas não é difícil compreender que dificilmente teríamos os melhores vinhos do mundo.

Acima de tudo, a dispersão em demasiados estilos e em vinhos pouco consentâneos com a realidade leva a uma perda de foco naquilo que verdadeiramente interessa, produzir os melhores vinhos possíveis para cada região, para cada terroir. O que separa um grande vinho de um vinho simplesmente razoável é a soma de inúmeros detalhes, o somatório de incontáveis pequenas e grandes decisões que têm de ser tomadas no momento certo com o discernimento adequado. Não é fácil manter o carácter dos vinhos e a atenção necessária à tomada de decisão sobre todos estes detalhes se o produtor apostar numa multiplicidade de vinhos que obrigam a demasiadas distracções e à dispersão da atenção.

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