Fugas - Vinhos

Adriano Miranda

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Mestres na arte da educação e envelhecimento

Seria fácil tipificar esta interpretação com exemplos de vinhos sublimes provenientes de cada uma destas regiões, vinhos do Porto como o Graham’s Ne Oublie ou o Taylor’s Colheita 1863, vinhos da Madeira como o Barbeito Mãe Manuela 40 Anos ou o Blandy’s Bual 1920, vinhos Moscatel de Setúbal como os JMF Moscatel de Setúbal Superior 1911 ou o Bacalhôa Moscatel de Setúbal 1983 20 Anos. Mas, apesar da dimensão qualitativa e sensorial quase sobrenatural de qualquer um destes vinhos, o preço muito elevado, embora inteiramente justificado, e a raridade extrema que os torna quase impossíveis de encontrar em garrafeiras, acabam por aconselhar a sugestão de exemplos mais terrenos e mais fáceis de acomodar.

Para entender o que a lenta passagem do tempo e o génio do homem podem fazer, para entender que os vinhos também podem ser a obra do homem em lugar do triunfo da natureza, basta olhar para vinhos que nos estão mais próximos e que se encontram disponíveis em grande parte das boas garrafeiras nacionais. Olhe-se para o Ramos Pinto 30 Anos, um vinho de cor ambarina alaranjada e brilho intenso. É fácil gostar do encanto do vinagrinho e da casca de laranja, da massa de padeiro e da incrível frescura que oferece. Viscoso, glicerinado e gordo, ao invés do que a idade poderia fazer pressupor, apresenta-se brilhante e viçoso, alegre e radiante, terminando fresco face a uma acidez muito bem medida. Belíssimo para final de dia ou para meditar nas grandes decisões da vida.

Admire-se igualmente o extraordinário Henriques & Henriques Terrantez 20 Anos, um Madeira de bonita cor ambarina. Profundamente iodado, transmite uma sensação salina e de maresia a que se associam os frutos secos e um leve toque de casca de laranja cristalizada. A boca confirma a elegância e sedução do nariz, acrescentando uma tensão, audácia, dimensão e volume que o conduzem a uma dimensão superior. Volumoso e poderoso, é um Terrantez gigante de travo ligeiramente amargo, num hino à casta que não deverá deixar passar ao lado sob qualquer pretexto.

Para terminar em beleza, aprecie o JMF Moscatel 20 Anos, que se anuncia numa tonalidade ambarina de ligeiros laivos avermelhados. As notas aromáticas deixam-nos muito perto da sensação de perdição num vinho simultaneamente sensual e combativo, enriquecido com apontamentos cativantes de avelã, bolacha, casca de laranja cristalizada, tabaco, caramelo e mel. A acidez estruturante dá-lhe vivacidade, alegria e um fim de boca simplesmente interminável.

 

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