Fugas - Vinhos

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Quando os Porto Colheita se provam na Feitoria Britânica

Por Manuel Carvalho

Eles andam por aí. A cada ano que passa, os Porto Colheita ganham protagonismo e aproximam-se do primeiro lugar do estatuto das categorias especiais.

Agora, já não são apenas os consumidores, os provadores especializados ou os críticos a reclamar mais atenção para este estilo de vinhos tradicionalmente confinado a meia dúzia de casas. Também as grandes empresas perceberam que os Porto Colheita têm tudo para se tornar num caso de sucesso.

Na semana passada, organizaram uma prova de Colheitas com datas situadas entre 1957 e 2002 na até agora fortaleza inexpugnável do Porto Vintage, a Feitoria Britânica. Uma ousadia impensável há apenas uma década que diz muito sobre a redescoberta desta categoria.

A prazo, tudo indica que a preferência dos nacionais pelos Porto tawny (os Colheita ou vinhos com indicação de idade, como o 10 ou o 20 anos, por exemplo) e a dos britânicos pelos estilos ruby (LBV e Vintage, principalmente) se dilua com a crescente valorização dos Colheita. A prova da Feitoria é uma consequência desse percurso. Os Symington apostaram definitivamente nesta categoria e estão a apresentar vinhos de grande classe. A Fladgate Partnership (das marcas Taylor’s, Fonseca e Croft) adquiriu a Wiese & Krohn com o confessado objectivo de garantir uma imensidão de colheitas antigas de grande qualidade.

A Gran Cruz tem surpreendido com excelentes Colheitas brancos e dedicou-se a descobrir nos seus armazéns vinhos velhos de óptima qualidade. Depois, a este grupo há que acrescentar os Colheita da Poças, o segmento no qual esta pequena empresa familiar melhor se destaca, os extraordinários Kopke e Cálem, da renascida Sogevinus, os Andresen, os singulares vinhos com a chancela da Niepoort e, indiscutivelmente, os Noval que continuam a disputar o prémio dos melhores entre os melhores.

Na prova da Feitoria participaram 11 vinhos de seis marcas em representação de cinco décadas de produção. No geral, todos se impuseram com elevadas classificações. Mas, como não podia deixar de ser em empresas que conservam tradições enológicas aprimoradas ao longo de gerações, é possível identificar o carácter de cada uma. 

É difícil numa competição dizer quais são os que se apresentaram em melhor forma. Ainda assim, é impossível não sublinhar particularidades. O Niepoort 1957, apesar de um aroma mais preso e não tão rico como os seus pares, apresenta um belo volume de boca e uma frescura final notáveis.

O Noval de 1964 revela uma enorme complexidade e uma secura deliciosa. O Taylor’s de 1964 é um daqueles vinhos com vários andamentos na boca, deixando um rasto de frutos secos no final admirável. O Graham’s de 1972 é muito expressivo e, apesar de um ataque inicial menos intenso, é daqueles vinhos que se instalam nas papilas e por lá ficam tempos intermináveis. E, sendo já de outra geração, o Dow’s de 1992 é um Colheita extraordinário, um vinho denso e voluptuoso, com uma complexidade notável na qual os tradicionais aromas de fruta seca se complementam com especiaria e sugestões balsâmicas.

Engarrafado no mínimo sete anos após o estágio em casco, os Colheita são vinhos de uma versatilidade que se ajusta aos dias de hoje — ao contrário dos vintage, podem ser abertos e consumidos ao longo de duas ou três semanas. Ostentam datas que nos remetem para um tempo preciso — o dos aniversários, por exemplo. E a sua complexidade e profundidade são únicos. Não se admirem se no prazo de uma geração disputarem ombro-a-ombro o estatuto imperial que hoje os vintage mantêm.

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