Fugas - Vinhos

  • Maria João Gala
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Black Pur e outras surpresas da Quinta do Portal

Por Pedro Garcias

A crise abalou um pouco a solidez da Quinta do Portal, mas a empresa duriense tem conseguido resistir, com uma crescente aposta nos mercados externos e na consolidação do seu portefólio, que acaba de ser alargado com o novo tinto Black Pur.

Quem visitar o sóbrio mas magnífico armazém da Quinta do Portal desenhado por Siza Vieira percebe que a empresa da família Branco é um gigante adormecido do Douro. A disponibilidade de espaço e as extraordinárias condições de estágio para barricas permitem sonhar no futuro com um crescimento significativo das vendas e vinhos ainda melhores. 

Esse salto nas vendas pode só chegar com as próximas gerações, como admite a geração actual, mas os vinhos não têm parado de melhorar. Como o Portal é um produtor de notoriedade intermitente – sabemos que faz bons vinhos, mas passam-se temporadas sem se ouvir falar muito neles, talvez porque o foco está cada vez mais na exportação-, é quase preciso ir à adega para se perceber a evolução. Foi o que fizemos na semana passada, a pretexto do lançamento de um novo vinho tinto, o Black Pur. Já lá vamos. 

Comecemos pelos brancos. Quando pensamos em grandes brancos do Douro raramente ou nunca colocamos em equação os vinhos da Quinta do Portal. Talvez falte à casa um branco singular, de grande ambição e produção limitada. No entanto, quando provámos os seus brancos colheita já com alguns anos temos grandes surpresas. Vinhos de lote que julgávamos ter vida curta e que só custam 6,90 euros conseguem, afinal, evoluir de forma admirável, beneficiando da frescura que só a altitude consegue dar (as uvas utilizadas de Viosinho, Rabigato, Malvasia Fina e Moscatel são provenientes de Sabrosa e Favaios, de vinhas situadas a cotas altas). Paulo Coutinho, o enólogo, acredita também que o Moscatel tem um peso importante nessa evolução. Seja pelo que for, quem provar por exemplo os Quinta do Portal Branco 2006, 2004 ou até 2000 irá ficar incrédulo com a sua complexidade e frescura, embora nem todas as garrafas possam ter evoluído da mesma forma. 

Os brancos estremes de Moscatel, iniciados em 2013, também são promissores. A excelente frescura natural que possuem dá contenção à exuberância aromática da casta e ao seu sabor por vezes demasiado pronunciado. Do mesmo nível só mesmo o Vale da Poupa Moscatel, da Quinta da Faísca, em Favaios, localidade de onde vêm também as uvas para o Quinta do Portal Verdelho/Sauvigon Blanc. O Verdelho é, na verdade, o Gouveio do Douro, casta de aroma e sabor muito cítricos. É ela que domina o aroma no Verdelho/Sauvignon Blanc 2014 (5,50 euros). Na boca, impera o lado mais verde da casta francesa. A combinação pode ser exótica, mas funciona muito bem. 

Nos tintos, vale a pena começar por provar os reserva e grande reserva. No caso da colheita de 2011, é difícil encontrar algo mau no Douro. No Portal, nesta fase, o reserva está melhor do que o grande reserva. Tem outra elegância e definição e a sua frescura é mais evidente. O grande reserva ainda está um pouco duro, precisa de mais tempo de garrafa. 

Mais bebível está já o Auru, o topo de gama da casa, vinificado em pequenos lagares e a partir de pequenas parcelas de vinha (77,50 euros). O primeiro remonta a 1999 e desde então só foram produzidos cinco vinhos, o último dos quais em 2011. Só daqui a muitos anos poderemos saber se é o melhor de todos. Mas é, sem dúvida, um vinho formidável, cheio de potência e garra, com muita especiaria, fruta suculenta, taninos imperiais e uma notável acidez. É um dos poucos grandes tintos do Douro que incorpora no lote uma parte substancial da cada vez mais mal amada Tinta Roriz, o que, só por si, o torna singular. Tem uma longa vida pela frente. 

E chegamos ao Black Pur. João Branco, um dos elementos da família proprietária da Quinta do Portal, queria fazer um vinho diferente e Paulo Coutinho respondeu ao desafio juntando duas das castas que melhores resultados têm apresentado no campo de ensaios da Quinta da Abelheira, em Favaios, uma das várias propriedades da empresa. O rótulo é muito bonito e a proposta bastante ousada, pois associa duas castas que só costumam andar juntas na Argentina: o Cabernet Sauvignon (30%) e o Malbec (70%). Traz alguma coisa de novo ao Douro? Não, mas também não foi essa a ideia. Se João Branco queria algo diferente, conseguiu-o. O vinho é bastante bom e nem pode ser catalogado de internacional, nem de Douro típico. É apenas uma forma diferente de encarar o Douro e as suas imposições geológicas e climáticas. A produção é pequena e o vinho só estará à venda na quinta e numa ou noutra garrafeira (30 euros).

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