Fugas - Vinhos

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    Os resultados do painel de prova

Nos brancos para o Verão, a vitória foi para um Moscatel Galego

Por Manuel Carvalho

O painel da Fugas provou e avaliou os vinhos para o Verão. Resultado: vitória para o Vallado Prima, de 2014.

Há vinhos que por serem singulares têm o mérito de suscitar divisões entre quem os prova. Nessa categoria costumam estar os brancos feitos em exclusivo com a casta Moscatel Galego, que ora provocam entusiasmo pela natureza da sua fruta, ora causam irritação pela sua doçura e sabor melado. Na prova de vinhos brancos que a Fugas organiza todos os anos por esta altura, aconteceu, no entanto uma excepção.

O habitual painel de provadores da revista considerou que o Quinta do Vallado Prima 2014, feito em exclusivo de Moscatel Galego proveniente de duas vinhas do Douro, foi o melhor vinho em competição. Contra todas as previsões, foi também o segundo vinho que manteve uma média de votação mais aproximada – numa escala de zero a 100, a diferença entre a pontuação mínima e a máxima foi apenas de nove pontos. Mais: mereceu essa distinção não apenas na prova a “solo”, como na avaliação posterior com comida.

Há um ano que o formato da prova se adaptou a esse modelo de duas etapas – um teste cego sem comida, seguido de um novo teste cego com comida que, de alguma forma, se harmonize com os vinhos. O modelo resulta do consenso crescente entre produtores, críticos e jornalistas sobre a ligação do vinho à alimentação humana.

Claro que há vinhos, brancos e rosés, principalmente, que são perfeitos para momentos de convivialidade e  de descontracção, antes ou depois das refeições – ou para apreciar num bar, por exemplo. Mas, pela herança cultural ou pelo puro prazer, bem se sabe que é nas boas mesas que os grandes vinhos têm verdadeira possibilidade de mostrar o que valem.

Ao contrário do que aconteceu na prova do ano passado, quando um branco do Dão, o Pedra Cancela das castas Malvasia e Encruzado, ganhou na prova a solo e o Prova Régia se impôs de forma arrasadora na hora do almoço, este ano o Vallado Prima, assinado pelo enólogo Francisco Olazabal, venceu nos dois momentos. Os seus aromas florais, com notas de frutas exóticas, atraíram os provadores pela manhã e a sua acidez e secura de boca resistiram à sopa de abóbora e à pescada marinheira com mexilhões que o chef do restaurante Vinum, nas Caves 1890 da Graham’s, em Vila Nova de Gaia, preparou especialmente para o evento.  

A escolha de vinhos para a prova obedeceu a três critérios essenciais: primeiro a sua gama de preços teria de se situar à volta dos dez euros, com uma oscilação de mais ou menos 30%; segundo, deveria reflectir de alguma forma a diversidade da produção nacional, quer em termos de castas, quer de regiões; e, terceiro, os vinhos deviam estar disponíveis no mercado brasileiro, uma vez que os resultados da prova serão igualmente divulgados num suplemento a ser distribuído com o jornal O Globo, do Rio de Janeiro.

Com base nestes critérios, a selecção final foi feita em conjunto entre a equipa da Fugas e os especialistas do El Corte Inglés para a área de vinhos, Jesus Caridad e Hélder Almeida, a partir da enorme oferta que a cadeia tem nos seus supermercados e lojas gourmet.

A lista de provadores passou de sete para oito desde a última prova de vinhos brancos – entrou Joe Álvares Ribeiro, administrador do Grupo Symington, empresa proprietária de marcas de vinho do Porto como a Dow’s ou a Graham’s. Mantiveram-se no elenco os jornalistas do PÚBLICO Pedro Garcias e José Augusto Moreira, Luís Costa, jornalista da RTP, Ivone Ribeiro, dona e gestora de uma garrafeira, a Garage Wines, em Matosinhos, Álvaro Van Zeller, enólogo proveniente de uma família com ligações antigas ao Douro e aos Vinhos Verdes, Lígia Santos, uma engenheira que trabalha na área da gastronomia (foi a primeira vencedora do concurso masterchef em Portugal), e Beatriz Machado, mestre em ciências da viticultura e enologia da Universidade da Califórnia e directora do serviço de vinhos do hotel The Yeatman, em Gaia.

O modelo de prova obedeceu aos critérios da Organização Internacional do Vinho (OIV), que contempla pontuações numa escala de zero a 100. Os copos escolhidos foram da marca austríaca Riedel. Na prova estiveram representados três vinhos do Douro, dois do Alentejo, dois da região dos Vinhos Verdes, um vinho do Dão, um vinho da Península de Setúbal (o Quinta de Camarate que, por curiosidade, também integra no lote Moscatel Galego) e um bairradino que, no entanto, é comercializado com a denominação de origem Beiras. As castas utilizadas nestes vinhos são muito diversificadas. Só o Vallado Prima, o Ribeiro Santo (da casta Encruzado), o Muros Antigos e o Senhoria (dois Alvarinho) eram monocastas.

A prova iniciou-se pelas 11h30. Teve lugar numa das salas do espaço Caves 1890 da Graham’s, com vista para o Porto histórico, o rio Douro e a zona das caves de vinho do Porto de Gaia. Na primeira parte, os vinhos, ordenados de forma aleatória, obtiveram em geral uma média de pontuação mais alta – o Vallado obteve 720 pontos, enquanto na segunda parte se ficou pelos 694, por exemplo. Mas a diferença entre o mais e o menos pontuado foi maior nesse momento – uma diferença de 86 pontos, contra 41 na hora do almoço. A maior diferença na atribuição de pontuações a um vinho (24 pontos) aconteceu no segundo momento da prova, na apreciação do Luís Pato Vinhas Velhas de 2013. No primeiro momento, o mesmo vinho repartiu com o Ribeiro Santo a votação mais extrema (21 pontos).  

Nos dois primeiros lugares do concurso ficaram dois vinhos extremes, um de Moscatel Galego, outro de Encruzado. Mas se a casta do Dão já se pode incluir no lote das mais apreciadas na nova geração dos brancos portugueses, o Moscatel é ainda uma variedade que suscita muitas divergências. Curiosamente, o Alvarinho, que é por regra considerada a grande casta portuguesa para brancos, teve um comportamento que oscilou entre o razoável e o sofrível. Obteve uma quarta posição com o Muros Antigos, de Anselmo Mendes, e o último lugar, ocupado pelo Senhoria, um Alvarinho da Idealdinks, um vinho muito frutado e com boa acidez que passou melhor o teste da comida do que no teste a solo.

Em termos regionais, o protagonismo foi muito variado. O Douro conseguiu a primeira, a quinta e a penúltima posições; o Alentejo variou entre o terceiro e o sexto lugar, com um vinho de João Portugal Ramos (o Vila Santa) e o Herdade dos Grous. O Vila Santa ficou a um ponto do vencedor na primeira parte da prova, mas no confronto com a comida caiu para a quarta posição.

Ainda assim, apesar destas variações, convém notar que a pontuação global destes vinhos os coloca, nos parâmetros da OIV, entre o muito bom e o excelente. E se a diferença entre o primeiro e o último é de oito pontos, a disputa entre os seis vinhos que ficaram na parte final da tabela foi muito renhida. Com mais 1,6 pontos, o Senhoria ficaria não em último mas em quinto lugar.

Se uma comparação entre a prova do ano passado e a deste ano fosse prova cabal sobre o estado de evolução dos vinhos brancos portugueses, poder-se-ia afirmar que eles estão bem, e recomendam-se. Entre os dez brancos do ano passado e os dez vinhos deste ano, as médias de 2015 foram bem mais positivas. No ano passado, o branco mais pontuado, o Prova Régia Premium obteve 86.7 pontos, menos 0.7 pontos do que o vencedor deste ano. E o vinho menos pontuado, o Gomariz Colheita Seleccionada Avesso, ficou-se pelos 77.7 pontos, menos 2.7 pontos do que o último vinho desta edição da prova.

Para o painel de provadores, que de alguma forma representa um compromisso entre críticos, especialistas e profissionais com experiência na avaliação dos gostos dos consumidores, a prova deste ano foi mais ecléctica, embora no momento da votação tenham deixando a entender que o teste de 2014 foi globalmente superior em termos da qualidade dos vinhos – o que as suas pontuações vieram a desmentir. Não sendo uma sentença objectiva sobre a qualidade dos vinhos (até porque não há sentenças objectivas sobre impressões sensoriais), a prova vale pelas pistas que deixa. Os resultados deste ano (como no ano passado), mostram uma preferência da acidez em relação à fruta e uma valorização da singularidade em detrimento dos vinhos mais padronizados. Com outro painel de prova, muito provavelmente os parâmetros de avaliação mudariam. Mas é por isso que as discussões sobre o vinho são assim tão intensas e atraentes.

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