Os vinhos e as regiões portuguesas têm tido crescente reconhecimento e os críticos e especialistas internacionais parecem começar a olhar para o nosso país com particular atenção e interesse. O que é que mudou nos últimos tempos?
Nem é preciso estar muito atento para se ver que nos últimos dez/quinze anos a viticultura teve um salto qualitativo gigantesco. Foi uma mudança muito, mas mesmo muito importante.
O interessante é que antes tinha havido já um movimento de valorização da enologia e apetrechamento das adegas, com forte investimento em equipamentos muito por influência do aproveitamento de fundos comunitários. Nessa altura toda a gente se equipou e modernizou, mas esse movimento não teve correspondência na viticultura. Acabou por surgir depois e pode mesmo dizer-se que nesta mudança como que fizemos o circuito ao contrário. O que importa é que fizemos o circuito.
Neste momento já há uma grande qualidade generalizada, com enólogos e viticultores em consonância e atentos às necessidades e aos sinais dos mercados. De facto, chegamos a um ponto de convergência entre a produção de uva, o trabalho dos enólogos e aquilo que o mercado está a consumir.
Pode então dizer-se que a máquina da produção está agora afinada?
Estamos afinados e estamos no bom caminho e basta ver que qualitativamente nos últimos cinco a sete anos, graças a esta união e convergência de esforços, temos tido vindo a beber vinhos fabulosos. E em todas aos segmentos. Dos económicos às categorias superiores temos tido vinhos fabulosos, fabulosos!
E em todas as regiões?
Sim. Massificadamente e por todo o Portugal. Cada um no seu estilo e no seu tipo de vinho, nuns casos privilegiando mais os brancos noutros os tintos ou ainda os espumantes, mas o salto qualitativo é enorme, visível e generalizado de norte a sul do país. Os Verdes são diferentes dos outros todos, os Douro e Alentejo em estilos diferentes mas também diversos, mas a qualidade é hoje generalizada.
Mantendo a tradição dos blend (mistura de castas), acompanhando a tendência crescente para o engarrafamento e comercialização por castas?
Para mostrar a nossa riqueza, creio que teremos que continuar a fazer alguns vinhos não massificados que nos distinguem e que na verdade são os porta-bandeira da nossa identidade. Mas há castas que tanto isoladas como misturadas entre si dão vinhos originais à mesma. Quando junto dois produtos bons em consequência tenho outro produto igualmente bom. Sou, sempre fui, um defensor dos blend, mas temos que reconhecer que pegando em meia dúzia de castas também se pode mostrar o potencial do país.
E quais seriam essas castas?
Nos brancos, a casta que eu acho que é distinta e que as pessoas quando damos a provar reconhecem qualidade, é o Arinto, logo a seguido pelo Alvarinho e o Encruzado. Nos tintos há duas castas que claramente nos distinguem, que são a Touriga Nacional e a Baga. Ponto final! E se queremos enveredar por vinhos de guarda, vinhos de longevidade, punha mesmo a Baga à frente. Quando estamos a falar de vinhos com dez anos ou mais na Touriga nota-se um bom vinho, a qualidade do envelhecimento, mas as características da casta já não são tão evidentes. Com a Baga aquele estilo de aroma e pico de cor que vai imprimindo é único no mundo. A complexidade, o balsâmico, o resinoso, são características que o distinguem. Quando evolui, a Baga consegue manter estes descritores todos.
A Baga e o Encruzado mantêm-se ainda naquele que será o seu território natural enquanto as outras estão um pouco disseminadas por todo o território. É defensor desta diversificação ou entende que cada casta tem o seu espaço natural?
Toda a gente diz que pertencem a um território natural e não tenho dúvidas quanto a isso. Eu próprio tenho Baga no Dão, na Bairrada e no Alentejo e nos três territórios os vinhos são distintos. Consigo no Alentejo vinhos regulares todos os anos, não têm que ser obrigatoriamente excelentes mas consigo um tipo de vinho com consistência regular, enquanto na Bairrada tenho com regularidade vinhos excelentes. Nos mesmos anos em que na Bairrada tenho vinhos únicos não é obrigatório que no Dão ou no Alentejo se fique com vinhos no mesmo registo.
No caso da Encruzado creio que não há muitas experiências fora do Dão, mas tenho algumas duvidas que consiga a mesma expressão noutras regiões.
Falando da Bairrada, é uma região que volta a chamar a atenção dos especialistas e a obter reconhecimento. Foi a região que mudou ou é o mundo que começa a agora a descobrir de os seus vinhos?
O mundo começa a descobrir a Bairrada porque a Bairrada começa também a mostrar-se. Os ciclos existem, as modas existem, mas se recuarmos duas ou três décadas constatamos que era a Bairrada a grande região engarrafadora do país. Faziam-se milhões de garrafas, tanto de espumantes como de vinhos tranquilos, brancos e tintos. E depois havia outras regiões fora de Portugal.
Em meu entender, os vinhos da Bairrada deveriam ter um consumo muito maior. Não há dúvidas de que nos últimos dez anos houve um enorme salto qualitativo, mas o problema é que é uma região de minifúndio e não tem muitos recursos para divulgar e comunicar. Mas que se estão a fazer coisas fabulosas disso não tenho dúvidas
Com o seu prestígio como criador de espumantes e sendo a Bairrada a região com mais história neste tipo de vinhos, como vê aquilo que se vai fazendo por todo o país?
Vejo com muito bons olhos. Há lugar para todos, para diferentes estilos, todos os preços e todas as gamas. Quanto mais se produzir, desde que seja com qualidade, só pode valorizar o espumante. Nós sabemos que a Bairrada tem dons naturais e é a região de espumantes por eleição, mas ao contrário do vinho ainda não arrisco a dizer que há um espumante português. Portanto, todos somos ainda poucos e o desafio que deixo às outras regiões é que façam bem, façam muito, divulguem e se um conseguir exportar os outros também vão a seguir. A explosão do consumo de espumantes é uma realidade e representa uma oportunidade para todos.
E como avalia a qualidade dos espumantes que se vão fazendo em todo o país?
Há duas regiões que indiscutivelmente estão num segmento superior, que são a Bairrada e Távora-Varosa. Tudo o resto que se vai fazendo são esforços que temos que acarinhar e precisam do nosso apoio.
Olhando para o mundo, concorda com a ideia de o vinho é hoje um produto que está na moda?
Definitivamente. O vinho sempre foi considerado um produto alimentar, pelo menos no chamado velho mundo onde faz parte da dieta de todas as classes sociais e o consumo tem longos e longos anos. A par desse consumo histórico, assume hoje também uma vertente de produto de moda. É um produto de moda e um produto que está na moda.
E isso é um incentivo à qualidade do vinho ou pode antes ajudar a que se façam vinhos para ir de encontro a determinados gostos ou nichos de mercado?
Enquanto enólogo, a satisfação de todo o tipo de consumidores, sejam eles os novos, os velhos ou os chamados fashion que procuram coisas exóticas ou sensações diferentes quando provam vinho, é para mim uma preocupação. Se isso contribui para o melhoramento dos vinhos? Contribui para o consumo e os mais exigentes continuam a ser os velhos consumidores. Mas há também bebidas à base de vinho para satisfazer um alargado número de novos consumidores e o que importa é que contribuem para alargar o consumo. E o que se quer é que venham a consumir cada vez melhor.
Mas esses vários tipos de consumidores levam a que os enólogos procurem criar também vários tipos de vinhos?
Isso é verdade. Vinhos mais leves, mais ligeiros, bebidas para diferentes momentos que muitas vezes não são vinho mas apenas produtos à base de vinho.
E isso faz com que os vinhos acabem por ter características cada vez mais ligadas à tecnologia?
Na verdade, eu acho que a linguagem tecnológica já teve mais cabimento que neste momento. Sinceramente, não sou um fã do termo tecnológico aplicado ao vinho. E com as exigências do mercado, os custos da tecnologia e os grandes excedentes de produção isso hoje não faz sentido. Termos é que produzir vinhos que dêem satisfação ao consumidor e ao menor custo possível. Independentemente do método de produção, o vinho é um produto natural para ser consumido com cada vez maior prazer e exigência.
Com o alargamento do consumo praticamente à escala planetária e também um número cada vez maior de países produtores, como vê a evolução do sector nos próximos tempos?
Essa é uma realidade para a qual devemos estar muito atentos. Veja-se o caso do Brasil onde o vinho deixou de ser um produto de elites e hoje mesmo não sendo ainda uma bebida popular já é consumido por praticamente por toda a classe média.
E como é que os produtores portugueses devem olhar para este potencial do mercado brasileiro?
É claro que é um dos mercados que Portugal deve privilegiar. Ou melhor, tem privilegiado. Apesar da proximidade à Argentina e Chile, dois colossos que integram o Mercosul e beneficiam por isso de impostos muito mais baixos, sente-se mesmo assim que a população brasileira tem especial carinho pelo vinho português.
Com quase três décadas de profissão e um vasto e diversificado currículo que se alarga a praticamente todas as regiões, que lhe resta ainda em termos de ambição?
Nem sempre por opção, mas o meu percurso tem sido uma sucessão de desafios e chegado aqui não escondo que gostaria de fazer uma experiência com vinhos da Madeira. São os vinhos que neste momento me deixam algum frenesim, um certo arrepio. Dos vinhos de Portugal, são mesmo poucos os que não produzi, das regiões maiores às mais pequenas, dos Porto às aguardentes e espumantes. Na verdade falta-me produzir um vinho Madeira e acredito que ainda possa fazer uma incursão nesse território.
O Vinhos de Portugal regressa ao Rio de Janeiro, de 22 a 24 de Maio, no Jockey Club.