Um Porto Vintage da Ferreira, da remota colheita de 1815, atingiu nesta quinta-feira em Londres o preço mais alto registado na abundante história de leilões do sector: 6800 euros.
No leilão, que decorreu na Torre de Londres, participaram algumas dezenas de coleccionadores (e apreciadores) empenhados em disputar uma raridade com uma história de vida a que poucos vinhos do mundo podem aspirar. O vencedor, que preferiu manter-se no anonimato, foi um auditor bancário inglês, que vive em Londres e é um frequentador habitual deste tipo de leilões. O resultado da venda deste 1815, mais o que foi obtido com um segundo lote de vintages da Ferreira datados entre 1947 e 1994 (2050 euros) vai ser entregue à Associação Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrófica, uma doença degenerativa que afecta Salvador Guedes, o ex-presidente do Conselho de Administração da Sogrape, à qual a Ferreira pertence.
O Vintage de 1815, que na memória do vinho do Porto é conhecido como “Vintage Waterloo”, em referência à batalha que pôs termo à hegemonia de Napoleão na Europa, é um dos mais antigos vinhos do Porto pensados para evoluir em garrafa, que nessa época era ainda uma novidade com menos de 50 anos. Foi criado quando Dona Antónia Adelaide Ferreira tinha quatro anos de idade, numa época em que o rei D. João VI continuava no Brasil em fuga das invasões francesas. Não se sabe em que quintas foi produzido e ainda menos com que castas, nem sequer quando foi engarrafado. A sua longa vida é acompanhada de 20 em 20 ou de 30 em 30 anos, quando é necessário proceder à renovação das suas rolhas.
Numa das últimas provas que se fez com este vinho, esse Porto bicentenário apresentava um balanço admirável, harmonia, profundidade de boca e deixava no palato uma intensa sensação de especiarias, recordou o leiloeiro da Sotheby’s, que organizou a operação na Torre de Londres. Na enorme garrafeira histórica da Ferreira, restam agora 49 exemplares desta vindima, mas Fernando Guedes, CEO da empresa, nota que mais nenhuma será vendida ou leiloada nesta geração. “Foi essa a atitude de Dona Antónia e nós queremos continuá-la”, explica.
O vencedor do leilão já conhecia este vinho. Há oito anos tinha conseguido adquirir um exemplar na Garrafeira Nacional, em Lisboa. Bebeu-o com um grupo de amigos em Seattle, nos Estados Unidos, e a experiência ficou-lhe na memória. Foi com essa impressão que se deslocou à Torre de Londres, disposto a ficar com a garrafa. “Se o preço tivesse ido mais além, eu teria apostado”, admite. Ainda assim, este devoto dos Porto Vintage (tem outras garrafas de Ferreira do século XIX) acabou por entrar nos registos do vinho do Porto ao oferecer o preço mais alto num leilão. Até agora, e de acordo com os registos das principais leiloeiras internacionais, a Christie’s e a Sotheby’s, o recorde pertencia a um Noval Nacional de 1931, considerado pela revista norte-americana Wine Spectator o segundo melhor vinho mundial do século XX.
“Foi uma excelente operação para o vinho do Porto”, regozijava-se no final Fernando Guedes. O auditor bancário, concordava e, entre sorrisos, fazia planos. Talvez resista à tentação e beba o 1815 quando fizer 60 anos. Ou sejam daqui a uma década.