Fugas - Vinhos

PAULO RICCA

Vinhos estrangeiros

Por Rui Falcão

Tal como a generalidade dos países produtores de vinho, também Portugal olha de soslaio para os vinhos estrangeiros, encarados com a natural sensação de desconfiança de quem sente estranhos a invadir a casa, de quem sente perigar um espaço natural que, para além de muito querido, é inteiramente indispensável.

Se nos países não produtores de vinho costuma reinar uma certa bonomia e abertura de espírito para aceitar a presença de vinhos de todas as nacionalidades e estilos, nos países produtores perdura um genuíno chauvinismo vinícola que condiciona e condena a presença de vinhos provenientes de outras paragens.

O chauvinismo vínico, interno e externo, é uma condição a que poucos países ou regiões produtoras conseguem permanecer imunes. Há mesmo quem raramente se aventure na ideia de beber vinhos de outras regiões que não a sua, como se o mero acto de beber um vinho de outra região do mesmo país constituísse um crime de patriotismo deslocado. Mesmo em Portugal, país pequeno e socialmente coeso, podemos encontrar casos de bairrismo exacerbado, visíveis por exemplo na dificuldade em descobrir vinhos de regiões como a Bairrada, Dão, Douro, Lisboa, Vinho Verde ou Tejo na quase totalidade dos restaurantes alentejanos.

E se até o bairrismo pode valer como entrave directo à penetração de vinhos de outras regiões nacionais, como classificar então os vinhos estrangeiros? Sobretudo quando a maioria dos portugueses desconhece quase por inteiro a sua existência e as suas particularidades. A maioria dos portugueses assume com naturalidade que países como a França, Itália ou Espanha sejam produtores de vinho mas essa mesma maioria sentirá maior dificuldade em acreditar que países como a Austrália, Chile, Argentina, Estados Unidos da América ou África do Sul possam produzir vinhos minimamente decentes. E apesar de outros países nos serem mais próximos, pelo menos geograficamente, poucos acreditam que países como a Áustria, Alemanha, Suíça, Grécia, Hungria ou Nova Zelândia produzam sequer vinho… quanto mais de qualidade que possa ser comparável à dos vinhos portugueses. Assunções terrivelmente erradas mas que caracterizam a maioria dos consumidores nacionais.

Para além da rejeição natural que muitos lhes devotam espontaneamente, há ainda que contar com o desconhecimento dos muitos e diversos estilos e variedades, com o receio do desconhecido e com a obrigação de investir tempo e dinheiro no conhecimento. Para nem invocar todos os preconceitos culturais mais ou menos invisíveis, aqueles que marcam de forma indelével uma nação, memórias que nos afastam intuitivamente de determinados países e regiões. Veja-se, no caso português, a dificuldade que os vinhos espanhóis sentem em penetrar no mercado nacional, tal como os vinhos portugueses em Espanha, condenados por séculos de afastamento e de intolerância mútua.

Curiosamente, e ao contrário do que seria expectável, as grandes superfícies têm liderado o processo de introdução de vinhos estrangeiros, sempre com o factor preço em atenção, tacteando o mercado e auscultando sensibilidades de consumidores, trabalhando com um leque reduzido de referências que prenunciam uma evolução na atitude de distribuidores e consumidores.

Porém, e apesar de alguns tímidos progressos, Portugal continua a ser um mercado diminuto e imaturo, refém de uma distribuição e comercialização ainda demasiado amadora e casuística que mantém critérios de selecção pouco compreensíveis e que flutuam ao sabor das circunstâncias e oportunidades. Subsistem as importações aleatórias, com uma ou outra colheita importada logo seguida por longos anos sem actualizações, perduram os catálogos com referências de valor e interesse duvidoso, persistem os importadores/distribuidores que não sobrevivem mais de um ano… e, entretanto, vão nascendo alguns projectos megalómanos, totalmente alienados por realidades que não se compadecem com erros de cálculo tão grosseiros.

De entre todos os estilos e regiões existentes, o que se encontra mais bem representado são os vinhos de Champagne, anunciado de modo a cobrir a gama de preços, cores e feitios, com referências de todas, ou quase todas as principais marcas, incluindo alguns nomes de culto menos afamados… mas igualmente notáveis! Os espumantes espanhóis e italianos estão igualmente bem representados, em disponibilidade e gama de preços, embora se encontre um menor grau de sofisticação e variedade de rótulos.

Os vinhos brancos, esses, não estão tão bem representados como os de Champagne, mas, apesar da dificuldade, podemos encontrar alguns argumentos tentadores, sobretudo de França, Alemanha e Nova Zelândia. A escolha é muito mais dilatada e plural nos vinhos tintos com propostas razoáveis em todos os segmentos, incluindo países como Espanha, França e Itália e, embora com menos assiduidade, da Austrália, África do Sul, América do Norte, Chile e Argentina. Os restantes países produtores sofrem de uma distribuição muito irregular e de uma disponibilidade tão reduzida que na prática os torna quase inexistentes.

Sim, os vinhos estrangeiros serão sempre um mercado de nicho, um sector liliputiano reservado a um grupo muito restrito de apreciadores que gosta de procurar novas experiências. Podem ser bons e terríveis, sensaborões ou entusiasmantes. Podem ser apenas mais um vinho ou representar uma experiência nova e deslumbrante. Mas serão muito provavelmente diferentes, educativos e esclarecedores da riqueza nacional e internacional. Tem coragem para arriscar?

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