Fugas - Vinhos

Está a nascer um novo e grande clássico do Douro

Por Pedro Garcias

A extraordinária colheita de 2011 elevou os vinhos do Douro a um nível difícil de ultrapassar. Mas alguns dos vinhos de 2012 que já chegaram ao mercado mostram que este ano, mais seco e mais ameno do que o anterior, também originou tintos formidáveis. O Quinta do Vesúvio é um deles.

Uma bola de fogo parece irromper das entranhas do Douro junto ao Pinhão, mas mal o barco começa a cortar a ondulação serena das águas do rio forma-se uma brisa fresca que suspende o efeito do sol e do calor e mantém a viagem num permanente estado de assombro e deslumbramento. Um sobressalto de emoção toma conta de nós perante o cortejo de quintas históricas e imponentes que vai desfilando nas duas margens, as capelinhas brancas que vão espreitando no cimo dos montes e a quietude aparente de tudo, mesmo do milhafre que plana sobre o vale ou da família que toma banho num pequeno recanto do rio. O Douro é navegável do Porto a Barca de Alva, mas basta viajar do Pinhão até à Quinta do Vesúvio, do coração do vale até ao centro da lenda, para ficar a conhecer o essencial da paisagem e da história da região.

Não há forma de regressar à Quinta do Vesúvio sem ter a tentação de viajar até ao século XIX e imaginar Dona Antónia Adelaida Ferreira, a Ferreirinha, a cirandar pela grande casa em “U” quase pousada sobre o rio, a inspecionar os vinhos nos armazéns ou a acompanhar a plantação das vinhas e a construção dos vários quilómetros de muros que delimitam uma das mais extraordinárias propriedades do Douro:  “Sete montes e trinta vales”, segundo a contabilidade do Visconde de Villa Maior, e uma saga vitícola e vinícola que resumem o universo duriense.

Dos cerca de 300 hectares da quinta, 130 são de vinha, uma boa parte reconvertida na última década e meia. A propriedade manteve-se na posse da família Ferreira desde 1823 até 1989, quando foi adquirida pela família Symington. Durante todo esse tempo só produziu vinho do Porto e sempre “fabricado escrupulosamente e com perfeição”, segundo o mesmo visconde, uma das grandes figuras da história do Douro do século XIX.

A partir de 2007, e após vários anos de experiência, a família Symington começou também a produzir vinho DOC Douro. A suposta “heresia” tinha sido iniciada pelos próprios herdeiros de Dona Antónia, nomeadamente os actuais proprietários das Quinta do Vallado e do Vale Meão. Na verdade, o Vesúvio foi a última das grandes quintas que pertenceram à Ferreirinha a entrar no negócio do vinho tranquilo.

Para dar esse passo, os Symington foram subindo na encosta e plantando novas vinhas a uma cota mais alta em busca de maior acidez e diversidade de escolha. Os primeiros Quinta do Vesúvio e Pombal do Vesúvio (a segunda referência), ambos de 2007, já expressavam essa aposta, apurada e refinada nos vinhos seguintes, sobretudo nos anos de 2008 e 2009. Em 2010, os enólogos da casa decidiram não engarrafar Quinta do Vesúvio, por não terem ficado satisfeitos com o resultado final. Em 130 hectares, de certeza que seria fácil encontrar um lote bom, mas a ideia que está por trás da criação do Quinta do Vesúvio é fazer um vinho capaz de ganhar um lugar de destaque na galeria dos grandes tintos do Douro, na mesma linha do que tem sido o percurso do Chryseia, por exemplo, e isso só consegue com uma grande exigência de qualidade.

A extraordinária colheita de 2011 foi uma bênção para o Douro e a Quinta do Vesúvio, embora tenha elevado as expectativas a um nível muito alto e difícil de repetir. A seguir a um grande ano, a um ano de embriaguez total, a ressaca tende a ser ainda mais penosa. É necessário ir acumulando novas colheitas para que o efeito se vá diluindo.

Mas já vamos em 2015 e alguns dos vinhos do Douro de 2012 que foram chegando ao mercado mostram-nos que, não sendo este um ano globalmente tão extraordinário como o anterior, também originou vinhos admiráveis. Para os amantes de tintos menos extraídos, menos polidos e mais frescos (como é o nosso caso), o ano de 2012 pode até ser mais exaltante. Por ter sido mais ameno na fase final de maturação, os vinhos não são tão extraídos e maduros, cansam menos e são mais digestivos.

O novo Quinta do Vesúvio 2012, apresentado esta semana na sua origem, marca muito bem essa diferença (custa 45 euros e foram produzidas apenas 14.100 garrafas). Provado à mesa juntamente com o Quinta do Vesúvio 2011 revelou maior frescura, com uma fruta menos madura e mais viva e um frescor de boca mais acentuado. É um vinho profundo, amplo, muito limpo de aroma, suculento, rico e apimentado. Um Douro sem os excessos dos verões quentes e irrespiráveis, um Douro mais ameno e civilizado.

Digamos que o 2012 está para o 2011 como o Pombal do Vesúvio está para o Quinta do Vesúvio. Embora seja ligeiramente mais alcoólico, o Pombal do Vesúvio tem taninos mais vivos e acidez mais evidente, o que faz dele um vinho muitíssimo agradável. Como a madeira utilizada é de segundo uso e os taninos não são tão polidos e a fruta não é tão madura, por causa da altitude, o vinho fica menos carnudo e denso, o que faz com que os taninos e a acidez se insinuem mais. Isso é particularmente notório no excelente Pombal do Vesúvio 2011.

As castas utilizadas também são decisivas. Enquanto no Pombal predomina a Touriga Franca (50%), logo seguida da Touriga Nacional (40%) e da Tinta Amarela (10%), no Quinta do Vesúvio o lote é dominado pela Touriga Nacional (70%), surgindo a Touriga Franca com 20% e a Tinta Amarela com apenas 5%. Apesar de a Touriga Nacional ter uma frescura mais cítrica, a Touriga Franca amadurece pior. O Quinta do Vesúvio beneficia também de uma maior diversidade de barricas e também da escolha dos melhores lotes. Todas as castas e parcelas envolvidas são vinificadas separadamente, permitindo reunir um amplo leque de vinhos na hora de fazer o blending final.

Fazer um grande vinho é cada vez mais um trabalho de relojoaria, de minúcia, paciência e também de respeito pela tradição e o lugar. O Quinta do Vesúvio foi criado sob estes princípios e, ao fim de cinco colheitas, já mostra uma solidez e uma consistência notáveis. Ainda tem que passar a prova do tempo, mas, pelo caminho já percorrido, está a nascer um novo e grande clássico do Douro.

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