Fugas - Vinhos

Paulo Pimenta

Vinho Verde

Por Rui Falcão

A região do Vinho Verde é indiscutivelmente uma das denominações mais originais do panorama vínico nacional e internacional, uma das poucas regiões capazes de produzir vinhos tão singulares que tornam a sua identificação num processo simples e natural.

Apesar de por vezes parecer que os produtores da região ainda não se aperceberam de tal facto, a realidade diz-nos que os Vinhos Verdes estão entre as denominações nacionais com maior potencial qualitativo e distintivo, um potencial latente e que em alguns casos já se converteu em realidade.

A região assenta num conjunto de paradoxos e peculiaridades, revelando uma diversidade espantosa que, de tão complexa, nem sempre é fácil assimilar. É uma terra fértil em contradições e seguramente uma das regiões intelectualmente mais provocantes de Portugal. Não estará sozinha na capacidade de entremear alguns dos maiores e melhores exemplos de vinhos nacionais, vinhos monumentais que quase fazem chorar de emoção, com alguns dos piores exemplos nacionais, vinhos que confundem pela agressividade e rusticidade. A principal diferença é que na região do Vinho Verde este paradoxo é levado quase ao extremo, permitindo a convivência entre vinhos excepcionais com vinhos simplesmente vulgares.

Apesar de a região produzir quase todos os estilos de vinho possíveis, desde brancos a rosados, tintos, espumantes ou colheitas tardias, é nos vinhos brancos que a região mais se notabiliza. Sim, existe um punhado de vinhos tintos e rosados absolutamente excitantes, indicação que pronuncia que há espaço para apostar neste segmento, que há condições naturais para a produção de grandes vinhos tintos e rosados e que a região também pode vir a dar cartas nestes dois estilos com vinhos tão diferenciadores quanto os vinhos brancos. Mas não me parece muito difícil de compreender que, apesar de a região já apresentar um conjunto razoável de vinhos excelentes, poderia, e deveria, dar muito mais à causa do vinho branco nacional.

A região encontra-se semeada por diferenças e algumas incoerências. Entre as muitas que exibe conta-se a pulverização da produção assente em centenas de pequenos e pequeníssimos produtores, divididos em milhares de parcelas de dimensão muito reduzida, ao mesmo tempo que um convénio de pouco mais de meia dúzia de grandes produtores representa mais de metade da produção do Vinho Verde. É curiosamente a maior denominação de Portugal, ocupando uma área geográfica imensa que extravasa muito para além das fronteiras naturais do Minho, divisão política e geográfica que muitos associam directamente ao Vinho Verde. Apesar de a maioria dos consumidores nem o suspeitarem, a região do Vinho Verde está decomposta em nove sub-regiões distintas, uma infinidade de terras e nomes que poucos conhecem, sem que as diferenças naturais entre as nove sub-regiões sejam bem explícitas ou inteligíveis para a maioria dos enófilos.

Mas é indiscutivelmente a região nacional que apresenta maior e melhor aptidão natural para produzir vinhos brancos de excelência e referência, vinhos ímpares e carregados de personalidade, tendencialmente frescos e minerais, vibrantes e tensos como poucas outras denominações nacionais terão capacidade para elaborar. Por regra, e por natureza, os vinhos da denominação apregoam graduações alcoólicas comedidas, com a excepção do caso muito particular dos vinhos elaborados com a casta Alvarinho, contribuindo decisivamente para a leveza e frescura dos vinhos que se transformou na assinatura da região e que a tornam tão distintiva. Talvez por isso surpreenda o movimento recente encabeçado por um pequeno grupo de produtores que advoga, e consequentemente produz, vinhos mais pesados, vinhos mais alcoólicos, madurões, ligeiramente doces e muitas vezes com passagem pela barrica, afastando-se do modelo natural da região, aquele que a natureza sancionou e o homem condicionou. É estranho ver uma região, ou mais correctamente um pequeno punhado de produtores dessa região, pretenderem negar o estilo que tornou famosa essa região e que lhe deu razão para existir como denominação de origem. É como se Bordéus começasse a insistir em fazer vinhos ligeiros e a Borgonha a aventurar-se na produção de vinhos fortificados.

A região do Vinho Verde, nas suas diferentes sub-regiões, tem a fortuna de contar com um riquíssimo património ampelográfico, oferecendo muitas das melhores castas brancas nacionais. O nome Alvarinho sobressai instantaneamente, apresentando-se como o nome mais sonante da denominação. Não é difícil perceber que o Alvarinho faz parte do grupo muito restrito das melhores castas brancas internacionais. Mas nem só de Alvarinho vive a região e o registo de castas excelentes é vasto. Entre outras três castas sobressaem decididamente do lote o Loureiro, Avesso e Vinhão, as duas primeiras brancas e a terceira tinta, castas extraordinárias que conhecem sortes diferentes e graus de popularidade bem diferenciados.

O Loureiro já conseguiu conquistar o seu espaço de notoriedade e conforto, começando hoje a afirmar-se como um nome sonante entre as castas brancas de Portugal, entre os nomes mediáticos que ajudam a vender o vinho. O Avesso ainda carece de divulgação e reconhecimento, mesmo entre os produtores do Vinho Verde, mantendo-se por ora numa pequena penumbra que estará condenada a ser desbravada num futuro próximo. O Vinhão tem sortes diferentes. Se por um lado a casta é popular, os vinhos raramente atingem o patamar qualitativo suficiente para poderem ser elogiados de forma assertiva. Mas, quando bem cuidado na vinha e na adega, o Vinhão é capaz de dar azo a vinhos extraordinários que parecem igualmente estar condenados ao sucesso.

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