Fugas - Vinhos

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Como se vende vinho português? Mostrando Portugal

Por Alexandra Prado Coelho

Perto de 30 convidados, portugueses e estrangeiros, quatro dias a percorrer as maiores regiões vinícolas do país. A Lusovini, produtora e exportadora de vinho português, acredita que só assim se conquistam novos consumidores no mercado global: explicando o que são os vinhos verdes ou o que é leitão da Bairrada, mostrando a Biblioteca Joanina ou provando um Porto de 1910.

Uma coisa é chegar ao pé de um comprador num país estrangeiro e falar-lhe de um vinho feito numa qualquer região portuguesa com várias castas de nomes difíceis de pronunciar. Outra coisa, muito diferente, é convidar esse comprador para vir até Portugal e mostrar-lhe as vinhas onde crescem as uvas, os enólogos que as transformam e os restaurantes da região que conhecem os pratos certos para cada vinho.

Foi isso que a Lusovini fez. Empresa portuguesa baseada na região do Dão, produtora e exportadora, com uma presença importante em países como o Brasil, Angola e Moçambique, convidou perto de 30 pessoas, entre proprietários de garrafeiras, donos de restaurantes, sommeliers e jornalistas para, em quatro dias, percorrer quase todo o país, conhecer novos vinhos e perceber onde tudo começa.

De Évora a Coimbra

Depois de um jantar que reúne todo o grupo no restaurante Via Graça, com uma vista privilegiada sobre Lisboa, às nove da manhã de dia 2 de Setembro está tudo pronto para partir em direcção ao primeiro destino: Évora. Subimos para o autocarro no qual vamos atravessar o país e já só paramos à beira do Templo de Diana. Daí seguimos para a Igreja de São Francisco, que está em obras, o que não impede a visita à sempre impressionante Capela dos Ossos, com a célebre (e arrepiante) frase: “Nós ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos”.

Mas o ambiente sinistro dissipa-se rapidamente porque a paragem seguinte é nas vinhas que a Lusovini arrendou na serra de São Mamede, arredores de Portalegre, e que estão a 700 metros de altitude. Casimiro Gomes, presidente da Lusovini e produtor de vinho (é isso que realmente o apaixona, garante), explica que aqui se encontram uvas pretas misturadas com as brancas “como faziam os antigos” e que a altitude é responsável por uma maior acidez dos vinhos.

Enquanto os convidados estrangeiros fotografam a vinha e provam algumas uvas, Casimiro prossegue: “Este é um solo não mobilizado. Não mexendo nele evitamos a erosão e fixamos os elementos. Isto vai contra tudo o que eu aprendi, mas as coisas evoluíram muito e o mundo agrícola hoje não tem nada a ver com o que era há 30 anos. E Portugal investiu vários milhares de milhões de euros nos sectores da viticultura e enologia.”

A lição abre o apetite e o almoço está marcado para o restaurante Tomba Lobos, de José Júlio Vintém, próximo de Portalegre. A ideia é mostrar a versatilidade das açordas do Alentejo e para isso Vintém preparou uma açorda de bacalhau e outra de fraca (também conhecida como galinha d’angola ou pintada) que são devoradas em pouco tempo.

É preciso deixar o Alentejo e seguir para Almeirim, onde está marcada visita à Quinta da Alorna, que, em parceria com a Lusovini, faz o vinho Casual. A vindima já começou e já há azáfama na adega, onde nos espera a enóloga Martta Reis Simões. Aqui fala-se de números grandes. A quinta tem 2800 hectares, dos quais 220 de vinhas, 1800 de floresta e uma importante área agrícola, com milho e outras culturas. “Vamos vinificar este ano 1,7 milhões de quilos de uva”, diz a enóloga. “Já fizemos a vindima de todos os brancos, excepto o Moscatel, e começámos agora com os tintos.”

O que temos para provar ainda não é vinho, mas para lá caminha. O líquido servido nos copos para os convidados, e que tem o aspecto de uma limonada, é o que resulta da fermentação de uvas da casta Fernão Pires. “Como vêem”, prossegue Martta, “é aromaticamente muito exuberante, com citrinos, banana e um pouco de gás que vem do dióxido de carbono libertado pelas leveduras na fermentação”. Há quem aprecie a experiência e quem se arrepie com o vinho tomado assim, mas a ideia é mostrar a casta que compõe (em 80%, juntamente com 20% de Moscatel-graúdo) o Casual branco (o tinto é feito com Touriga Nacional, Castelão e Trincadeira).

Vamos prová-los ao jantar que vai acontecer numa das salas do Palácio da Alorna, ao lado do Tejo. A casa continua a ser usada pela família Lopo de Carvalho, que é actualmente proprietária desta quinta fundada em 1725 e que recebeu o nome de D. Pedro de Almeida, o I Marquês de Alorna. Foi aqui que viveu Leonor de Almeida Lorena e Lencastre, a Marquesa de Alorna, poetisa, também conhecida como Alcipe, que aqui chegou depois de ser libertada do convento de Chelas, onde passou 18 anos por ordem do Marquês de Pombal na sequência do processo contra a família dos Távoras.

Já não se realizam aqui os célebres saraus literários da marquesa, mas houve um jantar com a sopa da pedra tradicional de Almeirim, arroz de pato e um delicioso leite-creme queimado. Até que chegou a hora de partir para Coimbra.

De Coimbra ao Porto

Ir a Coimbra e não visitar a Biblioteca Joanina da Universidade era impensável, por isso às 10h da manhã começamos a visita guiada percorrendo a biblioteca mandada construir por D. João V e que abriga uma útil colónia de morcegos que à noite comem os insectos, impedindo-os de devorar os livros. Passagem pela prisão académica (sempre um momento alto com conversas sobre os eventuais crimes praticados pelos estudantes) e pela Sala dos Capelos.

Mas há mais vinho à espera, desta vez na Bairrada. “Estamos na Bairrada, temos que provar Baga”, anuncia Casimiro Gomes, referindo-se à casta emblemática da região onde nasceu e onde a sua família faz vinhos há mais de 300 anos. “Fazemos espumante desta casta porque tem uma acidez fantástica.” Trata-se do Regateiro Espumante Bruto DOC, que deve o nome ao avô de Casimiro, Manuel Gomes Regateiro, proprietário também de fornos para produção de telhas — hoje, num desses locais, cresce a Vinha do Forno, de onde sai o Regateiro Vinha do Forno DOC

O almoço é — não podia deixar de ser — leitão à Bairrada. E o restaurante escolhido, o Vidal, é outro negócio de família, que fica em Aguada de Cima, a terra natal de Casimiro. Aqui o leitão (macio e de pele crocante, servido com batatas fritas, embora a tradição diga que deve ser com batatas cozidas) é, claro, acompanhado por espumante.

Reconfortados, os convidados seguem para o Porto, para uma prova (e uma lição) sobre vinho do Porto nas caves Andresen, fundadas em 1845. Carlos Flores está à frente da Andresen naquele que é outro projecto de família — e de paixão. É entre as velhas barricas que ouvimos conselhos (“bebam o Porto sempre fresco, é totalmente diferente”), explicações (“o açúcar residual do Porto é muito elevado, daí a importância da acidez, está tudo nesse equilíbrio”) e muitas histórias.

Não é fácil explicar as diferentes categorias de vinho do Porto, por isso o melhor é dar a provar Portos com diferentes idades enquanto se tenta mostrar que esta é uma arte do tempo. “Há aqui vinhos que foram cuidados por gerações de pessoas que nem conheci”, lembra Carlos Flores. “Nós, a cada vindima, temos que pensar a 40 anos para a frente e perceber o potencial de envelhecimento do vinho.”

É certo que alguns dos ouvintes se perdem um pouco nas contas dos anos, mas ninguém tem dúvidas de que está a assistir a um momento especial quando Carlos Flores pede para servirem um Porto de 1910, engarrafado propositadamente para esta prova. A notícia é recebida com palmas. E o repórter da televisão de Moçambique não perde a oportunidade de fazer um “vivo” dizendo que aquele vinho tem mais de um século e que quem quiser uma garrafa só tem que a encomendar às caves Andresen – e pagar qualquer coisa como 3250 euros. Em 2010 foi lançada internacionalmente uma edição limitada de 120 garrafas, distribuída pela Lusovini, que teve os seus melhores compradores em Portugal e no Brasil.

O dia termina com uma visita e jantar no Palácio da Bolsa, no Porto. Oportunidade para uma primeira conversa com Anselmo Mendes, enólogo da região dos Vinhos Verdes, que no dia seguinte iria fazer a mais fascinante apresentação de toda a viagem. Afinal, de que falamos quando falamos de Vinhos Verdes?

Do Porto a Nelas

A resposta à pergunta acontece de manhã na Comissão dos Vinhos Verdes. Anselmo Mendes conta a história destes vinhos especiais nascidos de vinhas que crescem no Minho, especialmente nas zonas de Monção e Melgaço, e recorda a sua própria história, que nos últimos anos se confunde com a dos Vinhos Verdes e sobretudo com o reconhecimento de uma casta excepcional: o Alvarinho.

“Criou-se a ideia de que o Vinho Verde é um tipo de vinho porque tem esta designação enigmática”, diz. Mas não se trata de uvas verdes por oposição às maduras, Verde é o nome de uma região e julga-se que a expressão terá ganho força no século XVIII, embora haja indícios de que possivelmente já no século XIV se exportava este tipo de vinho, fresco, com baixo teor alcoólico e bastante acidez, para a Inglaterra.

À nossa frente na mesa estão quatro copos, três com vinho feito de apenas uma casta (um Alvarinho, um Loureiro e um Avesso, casta característica da região de Baião) e na quarta o vinho produzido por Anselmo Mendes e a Lusovini, que junta estas três castas e ao qual chamaram Mito.

Os convidados têm perguntas: este vinho deve ser consumido novo? A acidez aumenta com a idade? O vinho tinto faz melhor à saúde que o branco? Porque não experimenta um blend de Avesso e Alvarinho? Há tempo para algumas respostas mas é preciso acelerar porque o produtor Domingos Alves de Sousa espera-nos na sua nova adega, no Douro.

E no Douro, naquela que foi considerada uma das melhores estradas do mundo para conduzir, é impossível não se ficar deslumbrado com a paisagem das vinhas em socalcos. Dentro do autocarro todos fazem equilibrismo para tentar tirar a melhor fotografia, até que chegamos à adega da Quinta da Gaivosa, uma das seis quintas da família Alves de Sousa, trabalhadas por Domingos e o seu filho Tiago.

Projectada pelo arquitecto Belém Lima, a adega foi pensada para ir revelando, através de grandes janelas estrategicamente colocadas, a magnífica paisagem à nossa frente. Também aqui a vindima já começou e as uvas estão a chegar, a entrar na máquina onde são separadas do bagaço e, por gravidade, vão parar à moderna adega onde se fazem vinhos como o Tapadinha.

É precisamente o Tapadinha que vamos beber ao almoço no restaurante D.O.C., do chef Rui Paula, na margem do Douro, a acompanhar o camarão de Moçambique com cogumelos e puré de trufa preta, o polvo grelhado ou o cachaço de porco bísaro com batata doce, enquanto Alves de Sousa fala do seu mais recente projecto: uma vinha nova, plantada este ano, mas de forma tradicional, com todas as variedades misturadas. “No futuro, quando aqui vierem é desta vinha que se vai falar”, garante.

Deixamos o produtor ocupar-se da vindima e partimos para Viseu, que nos últimos tempos tem vindo a assumir-se como a capital vinhateira da região do Dão, e onde jantamos no restaurante Mesa da Sé. No jantar está também João Paulo Gouveia, produtor histórico do Dão (do vinho Pedra Cancela) e vice-presidente da câmara. É ele que no dia seguinte, de t-shirt, calças de ganga e boné, nos vai dar mais uma lição sobre viticultura.  

De Nelas a Lisboa

Ser o número dois da autarquia de Viseu não impede João Paulo Gouveia de se pôr de joelhos na terra e começar a escavar para nos mostrar o que é um porta-enxerto e o lugar exacto da videira onde a vitis vinifera (a videira produtiva mas sensível à praga da filoxera) se liga ao porta-enxerto, a técnica que permitiu salvar as vinhas na Europa depois da grande praga do século XIX. O enólogo pede-nos para apanharmos folhas das diferentes castas e ensina-nos a fazer a comparação — mais peluda, menos peluda, mais recortada, menos recortada, e agora, reparem no tipo de cacho, mais fechado ou mais disperso. Estamos atentos, mas não vai ser fácil decorar tudo.

Dá, no entanto, para perceber como estes solos mais arenosos, de origem granítica, dão uma acidez e uma elegância particulares aos vinhos daqui, que vamos provar ao almoço na Feira do Vinho do Dão, em Nelas — almoço que é apenas um treino para o grande jantar que vai encerrar esta viagem. Esse, da responsabilidade do chef Diogo Rocha, do restaurante da Quinta de Lemos, vai ser servido na Adega de Nelas, comprada pela Lusovini em 2013 e que hoje é a base desta empresa que faz vinhos em Portugal mas vende-os pelo mundo. É aí que, diz Casimiro Gomes, esperam vir a criar um Centro Interpretativo do Dão.

Alguns dos convidados dizem que gostavam de conhecer uma queijaria de Queijo Serra da Estrela. No final do jantar — onde foram apresentados mais novos vinhos, o Varanda da Serra e o Flor de Nelas (em homenagem a Emiliano António da Costa Campos, um dos fundadores da Adega de Nelas), ambos da enóloga Sónia Martins — parece tarde para pensar em queijos. Mas Pedro Pais e a mulher, Maria João, da Queijaria da Lagoa, acreditam que nunca é tarde de mais para pensar em queijos e é assim que à uma da manhã estamos nesta queijaria a provar um Queijo Serra da Estrela acompanhado por um Pedra Cancela Branco e a ouvir a história de mais uma paixão familiar.

Já nos restam poucas horas para dormir mas o histórico Hotel da Urgeiriça, em Canas de Senhorim, espera por nós. Criado em 1930 por Charles Harbord, oficial superior do exército inglês, começou por ser o English Hotel Urgeiriça. Aqui passaram férias figuras famosas, entre as quais Salazar e a escritora francesa Christine Garnier, autora do livro Férias com Salazar. O hotel guarda o charme dos tempos antigos na sua sala de jantar com grandes quadros de reis, nas confortáveis cadeiras no alpendre exterior, nos chalés, e nos quartos, sobretudo os da ala mais antiga.

É num deles que acordamos no último dia desta viagem, a pouco tempo do regresso a Lisboa, para olhar ainda a névoa que, na manhã límpida, desenha nuvens entre o jardim romântico aos nossos pés e a serra da Estrela no horizonte. E, mais importante do que isso, para recuperar o nosso queijo, que passou a noite na varanda a apanhar o fresco que faz aqui neste tempo que é já das primeiras vindimas.

E se alguém lhe pedir um Cabernet Sauvignon?

Eduardo Araújo calcula que perto de 90% dos clientes que entram na sua loja, a Santa Adega, na cidade brasileira de Florianópolis, pedem um Cabernet Sauvignon. “O brasileiro conhece os vinhos pelas castas. Chegam pedindo Cabernet Sauvignon ou Malbec.” Isto dificulta a tarefa a quem tenta vender vinhos portugueses, que têm castas locais, desconhecidas para o resto do mundo. “Hoje os vinhos portugueses começam a ser mais conhecidos pelas regiões, as pessoas já vão identificando o Douro, o Alentejo”, afirma o sommelier. Mas ainda há muito trabalho a fazer.

O mesmo acontece nos Estados Unidos. A descrição é praticamente igual: “O americano consome por casta, cada uma está aliada a um perfil de sabor”, conta Pedro Veloso, da Wine in Motion, empresa que representa várias marcas de vinhos portugueses na costa leste dos EUA. “As mais conhecidas são Cabernet e Chardonnay, as grandes castas da Califórnia, e também Merlot e Sauvignon Blanc.”

Além disso, acrescenta, “o mercado americano é provavelmente o mais saturado de oferta de vinhos de todo o mundo. Há vinhos do Chile, da Argentina, África do Sul, Austrália, Nova Zelândia, toda a Europa. Portugal, com todo o trabalho que já foi desenvolvido, ainda representa apenas 2% das importações. É muito pouco. O vinho português é desconhecido, as pessoas não têm a percepção de qual o valor agregado a uma região, um enólogo ou uma casta. Tudo tem que ser explicado de raiz.”

Para se fazer esse trabalho é preciso conhecer bem o produto que se está a vender. Por isso é que a produtora e distribuidora Lusovini convidou Eduardo Araújo, Pedro Veloso e outros clientes seus de alguns dos países para onde exporta para virem conhecer melhor Portugal (ver texto principal).

Carlos Moura, um dos sócios da Lusovini, afirma que a criação de um laço afectivo com Portugal é fundamental. Em alguns destes países, nomeadamente Brasil, Angola e Moçambique, esse laço existe, mas é preciso alimentá-lo. Dá o exemplo do Brasil. “É um país com uma ligação fortíssima a Portugal, mas onde há uma pressão enorme dos vinhos chilenos, argentinos, italianos, franceses.” Portugal ocupa apenas o terceiro lugar no ranking de vendas.

O erro foi feito “há 30 ou 40 anos”, numa altura em que os vinhos portugueses dominavam as vendas no Brasil. “Descurámos o mercado, achámos que não entendia de vinhos, começámos a mandar produto de fraca qualidade, enquanto o Chile e a Argentina começaram a grande aposta em termos de divulgação.” Carlos Moura, que passa muito tempo em São Paulo, a cuidar da Brasvini (a empresa da Lusovini no Brasil), afirma que nos últimos dez anos houve mudanças. “Portugal tem ganho bastante preponderância no Brasil mas a um custo enorme de investimento.”

É importante conhecer bem os mercados. O Brasil é grande e Florianópolis, que fica perto de uma região de produção de vinho, tem características diferentes de, por exemplo, o Recife. É daí que vem Paulo Moura, outro dos convidados nesta viagem e dono de uma importadora desde 2013. “No Recife há muitas famílias portuguesas e a entrada do vinho português é mais fácil. Além disso, temos um clima tropical, com temperaturas altas e, apesar de se consumir mais cerveja, há um bom potencial para os vinhos brancos.”

O consumo tem vindo a mudar. “Hoje é chique você ir a um aniversário e levar um vinho bem embalado, ou ir a uma sala de degustação. Tudo isso é novo, tem uns cinco anos.” Mas, na opinião de Paulo Moura, um dos grandes trunfos de Portugal continua a ser o preço. “O brasileiro quer um vinho que não custe mais de 15, 20 euros”. O problema é que os impostos sobre bebidas alcoólicas são elevados e acabaram de aumentar mais uma vez.

Esse é um problema que se coloca também em Moçambique. Manuel Manoj, proprietário de uma distribuidora em Maputo, tem assistido às mudanças. “Depois da independência, a presença dos vinhos portugueses caiu bastante. Agora está outra vez a aproximar-se dos 50% do mercado.” O maior desafio, neste caso, vem da África do Sul. “Se importamos vinhos da África do Sul não pagamos direitos, apenas a taxa de luxo, enquanto os que vêm de Portugal têm que pagar muito mais taxas”, lamenta. “O Governo português devia criar acordos com Moçambique para incentivar a exportação.”

Em Angola a situação é diferente, descrevem Hortência e José Sebastião, donos do Cantinho do Sossego, em Luanda, restaurante que serve comida angolana e portuguesa. Aí, o peixe ou o marisco grelhados, a feijoada ou os rojões são sempre acompanhados por vinhos portugueses. “As pessoas só querem o vinho português. Temos algum vinho chileno ou sul-africano mas não tem saída. Os outros vinhos nunca conseguiram penetrar no mercado angolano”, dizem.

No entanto, sublinha Carlos Moura, “se descurarmos o nosso trabalho, os chilenos vão ganhar quota de mercado em Angola também”. Os mercados podem ser diferentes mas o trabalho é semelhante, seja no Brasil, em Angola, Moçambique, EUA ou China. “Temos que afirmar o nosso vinho como sendo de Portugal e com uma excelente relação qualidade-preço. O que queremos é dar mais do que os outros países pelo mesmo dinheiro. É essa a nossa grande aposta.”

Por isso, se um cliente pedir um Cabernet, o que há a fazer é perguntar-lhe: “Já ouviu falar em Touriga Nacional?”.

Cambridge Ice quer descomplicar o vinho do Porto

Uma das grandes apostas da Lusovini este ano é o lançamento do Cambridge Ice, um Porto branco para tomar com gelo e que resulta de uma parceria com as caves Andresen, do Porto.

A ideia partiu de um dos sócios, Carlos Moura, que defende que este é o caminho a seguir numa altura em que “os produtores de vinho do Porto estão muito aflitos, em Inglaterra as vendas estão a baixar e há uma pressão enorme”. O problema, explica, “é que os consumidores de vinho do Porto estão a morrer, porque são pessoas mais velhas”. É preciso chegar aos jovens e fazer com que o Porto deixe de consumido apenas “três vezes ao ano, no aniversário, no Natal e na passagem de ano”.

Carlos Flores, da Andresen, reconhece que o Cambridge Ice tem uma imagem diferente da dos Portos clássicos associados à casa mas “acaba por ter exactamente a mesma filosofia, só que comunicada de forma diferente”. “Aquilo que sentimos é que com toda a carga de tradição que associamos ao Porto acabamos por afastar alguns consumidores”, afirma.

Mas demorou algum tempo a chegar à fórmula certa para este Cambridge Ice. É que a água do gelo vai diluir a bebida e é preciso garantir que esta tem a quantidade suficiente de açúcar para não se tornar amarga. Foi essa “afinação” que demorou mais de um ano a fazer até chegarem ao resultado pretendido. O conceito, refere ainda Carlos Flores, é um pouco diferente do do Porto tónico, porque este “é um cocktail”, em que a água tónica é adicionada ao Porto branco. No Cambridge Ice, é só juntar o gelo e beber fresco sem mais complicações.

“Queremos que as pessoas olhem para o Porto como uma bebida que não precisa de ocasiões especiais”, reforça o responsável da Andresen. “Não pretendemos inventar nada, está tudo inventado”, conclui Carlos Moura. “O que queremos é atrair novos clientes e desmistificar o consumo do vinho do Porto.”

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