Fugas - Vinhos

Nelson Garrido

Vindima 2015, um ano excelente

Por Rui Falcão

Sim, o início de Outubro poderá parecer ser ainda demasiado cedo para lançar uma primeira análise de vindima, tempo precoce para dissecar as perspectivas de uma colheita que para um pequeno punhado de produtores ainda nem sequer terminou.

Mas os humores do tempo e das eternas variações climáticas precipitaram a vindima transformando-a numa das mais precoces de sempre, tal como de resto se tem transformado em estranha norma ao longo dos últimos anos.

Agora que o momento mais alto do ano se presta a terminar, quando o ciclo em que tudo se decide se prepara para a conclusão é tempo de começar a alinhar as primeiras reflexões sobre as perspectivas globais desta vindima de 2015. É tempo para tecer as primeiras impressões genéricas sobre como correu o ano agrícola, tempo para meditar sobre o breve instante da vindima que culmina as esperanças e angústias de um ano inteiro de trabalho, esses dois curtos meses do ano em que se condensam tantas expectativas e preocupações, tantas ansiedades e alegrias.

A vindima foi o culminar de longos meses de inquietações permanentes, sobretudo num ano tão atípico e surreal como 2015, período durante o qual produtores e viticultores seguiram o desenvolvimento da vinha com a preocupação de quem sabe que a natureza nem sempre é gentil e que a adversidade espreita em cada esquina. Quem trabalha e tem vinhas sabe por experiência própria como os anos são sempre diferentes, sabe como as surpresas são uma constante da vida, por vezes agradáveis por vezes madrastas, obrigando a um estado de desassossego permanente.

Até que a vindima esteja completamente terminada, até sentir a segurança de ter a produção recolhida na adega, nenhum produtor consegue dormir descansado e poucos conseguirão esconder o sobressalto que entretém o espírito. Olhar para o céu, espreitar continuamente para as sempre incertas previsões atmosféricas, controlar maturações, controlar a entrada de uva e conseguir governar os mapas complexos da gestão de espaço de uma adega passam a ser o dia-a-dia de qualquer enólogo e produtor. Por vezes a natureza ajuda a suavizar as muitas preocupações levantadas pela vindima oferecendo indícios de um ano excepcional, por vezes a natureza exacerba as apreensões com a perspectiva de uma vindima adversa.

Apesar de todas as aflições manifestadas ao longo do ano, apesar da soma de tantos sinais pessimistas que a natureza se foi encarregando de insinuar, a vasta maioria dos produtores suspira de alívio agora que grande parte das fermentações já terminou com resultados muito agradáveis. O sorriso no rosto é a nota dominante e o aroma nas adegas não deixa esconder que as esperanças numa colheita épica são fundadas e mais ou menos generalizadas.

E no entanto todas as previsões apontavam para um desfecho bem mais sombrio. A seca foi uma constante e a falta de água uma dor de cabeça que confundiu de igual forma quem não tinha rega e quem dispunha de irrigação na vinha. A seca foi tão violenta que mesmo quem dispunha de charcas ou de barragens privadas acabou cedo por se ver na iminência do descalabro ao ver esses depósitos esvaziar-se a uma velocidade desconcertante.

Associado à seca despertou uma Primavera ferozmente quente com registos de temperatura pouco habituais e que em alguns meses chegaram a bater as marcas mais elevadas de que existem cadastros.

O mês de Maio foi o mais quente de sempre do longo histórico de registos das temperaturas mensais, o mês de Abril situou-se no podium dos registos mais alterosos de sempre e Junho afinou pelo mesmo diapasão. Viveram-se meses de pânico à medida que as temperaturas de final de Primavera e início de Verão se mantinham extremamente pesadas e a falta de água começava a ameaçar a própria sobrevivência das videiras.

Foi então que um Julho e um Agosto muito mais suaves e sem nenhuma da exorbitância térmica anterior acabaram por acalmar o ânimo e os nervos de quem já fazia contas à vida calculando os prejuízos sustentados por um ano padrasto. As temperaturas de Verão mantiveram-se meigas o que permitiu, não obstante a permanente falta de água nos solos, uma maturação calma que surpreendeu ainda no final de Julho por uma evolução tão rápida que apanhou muitos desprevenidos quando ainda se encontravam em férias estivais.

Houve quem começasse a vindimar ainda nos dias finais de Julho, muito antes do que seria expectável e sobretudo muito antes do padrão moderno que já de si tem sido sucessivamente antecipado. Houve mesmo quem já tivesse arrumado os cestos de vindima na terceira semana de Agosto, prova de um ano temporão que por regra se traduz em vinhos desequilibrados, imaturos, simples e sem grandes condições naturais para ostentar riqueza ou complexidade.

Curiosamente, e contra todas as expectativas, os vinhos já fermentados ou em fase final de fermentação que repousam nas cubas e barricas de Norte a Sul de Portugal revelam uma realidade distinta, uma outra verdade que poucos ou nenhuns esperariam. Contrariando a lógica, o ano promete vir a perdurar nos registos como excelente, com uma qualidade média invejável, um ano profundamente equilibrado e onde dificilmente conseguiremos encontrar vinhos desequilibrados. A qualidade média será francamente elevada.

A única dúvida é se para além deste padrão qualitativo médio tão elevado teremos oportunidade de encontrar muitos vinhos excepcionais, vinhos que consigam perdurar e ultrapassar a fasquia do tempo. É que a habilidade dos enólogos vê-se não só nos anos muito difíceis, onde tudo tem de ser aproveitado até ao limite… como nos anos demasiado fáceis, onde tudo parece correr especialmente bem e onde as facilidades podem conduzir à presunção.

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