Cindy ainda se entusiasma com os espaços da Quinta do Bomfim que tem andado a mostrar aos turistas. Quase bate palmas de alegria quando, na adega, a deixam espreitar para o interior da prensa pneumática onde se extraem os sucos das peles das uvas (um extra que não costuma estar incluído na visita) e parece estar verdadeiramente entusiasmada ao encontrar, no exterior do edifício, um grupo de homens a trabalhar no tapete de desengaçamento – fazendo a selecção final das uvas que hão-de chegar ao lagar.
A jovem é uma das guias do centro de visitas da quinta da família Symington, que foi inaugurado em Maio. Em plena época das vindimas, não tem tido mãos a medir. Os visitantes chegam entusiasmados com a possibilidade de descobrirem o local onde foi produzido o Porto Vintage Dow’s 2011 que, em 2014, ficou em 1.º lugar no Top 100 da Wine Spectator, o mais prestigiado ranking da área. Na Quinta do Bomfim o mais difícil é ir embora.
O Outono já chegou, como se percebe olhando os socalcos mais elevados das encostas do Douro, junto ao Pinhão, onde as folhas já ostentam os característicos tons dourados e avermelhados, mas o Verão parece ter dificuldades em despedir-se e as temperaturas ainda estão elevadas. As vindimas vão a meio e na quinta, que é a casa da família Symington há cinco gerações, a azáfama é mais do que muita. Os lagares em inox fervilham com uvas rubras, que aqui são pisadas mecanicamente, com a máquina de pés de silicone, patenteada pela própria família. No exterior, as carrinhas de caixa aberta não páram de chegar, com os seus carregamentos de uvas acabadas de colher, que oscilam como um mar tinto, a caminho do lagar. Mais concentrados nos copos que têm à sua frente do que em todo o movimento está um grupo de turistas, na sala de provas.
Se a azáfama das vindimas não é novidade para a Quinta do Bomfim, o mesmo já não se pode dizer da chegada dos turistas, que só receberam o privilégio de ver de perto como tudo funciona há menos de cinco meses.
Os visitantes são acolhidos num dos antigos edifícios da quinta, completamente remodelado e com muitas fotografias e documentos da família espalhados com bom gosto pelas paredes, numa composição apelativa que nos ajuda a perceber o mundo dos Symington no Douro.
Enquanto decidem o tipo de visita que querem fazer, os visitantes podem observar de perto uma réplica perfeita em miniatura de um barco rabelo feita pelo Museu da Marinha, em Lisboa, ou recuar ao passado, enquanto vêem um documentário feito pela RTP nos anos 1950, retratando o percurso do vinho pelo rio, numa altura em que as barragens ainda não tinham “domado” o Douro.
Lá fora, aguarda-os a adega e o armazém velho, que ficam a conhecer com a ajuda de jovens guias como Cindy. E aguarda-os, sobretudo, a possibilidade de fazerem um dos três percursos entre as vinhas da quinta. Sem escolta e ao ritmo de cada um.
O passeio mais curto não dura mais que quinze minutos, mas o mais longo pode demorar mais de hora e meia a ser feito e levará quem o fizer ao cimo das encostas da propriedade e a uma vista deslumbrante do rio cercado pelas encostas modificadas pela acção do homem, para que a vinha (e o vinho) pudesse nascer. A meio caminho entre estas duas opções está o passeio até à Casa dos Ecos, que se avista cá de baixo, junto à adega, branca e isolada entre os vinhedos.
Na Casa dos Ecos há mesas e cadeiras à sombra, água e casas-de-banho disponíveis para os visitantes. Em breve, a família quer iniciar um serviço de piqueniques, que permitirá que aqueles que passeiam entre as vinhas possam almoçar naquela casa sossegada, apreciando com mais tempo e de barriga cheia a paisagem que é Património da Humanidade.
Nós já experimentamos. Pelas 13h30 o sol está quente e alto, o Douro corre plácido, algumas folhas das vinhas, lá em cima, nos socalcos, já começam a ostentar as cores douradas e avermelhadas que anunciam que o Outono chegou. Alguns pés de vinha ainda têm cachos pesados de uvas perfeitas, outros já estão vazios do fruto que carregaram nos últimos meses, e que é agora despejado, lá em baixo, nos lagares da Quinta do Bomfim. Na Casa dos Ecos, um antigo armazém da quinta da família Symington, saboreamos vinho produzido pela família e comemos as iguarias que saem dos sacos: queijos e presunto, bolinhos de bacalhau, salada russa e filetes de peixe. Por companhia temos apenas uma abelha, que acaba por desistir de voar à nossa volta quando não lhe prestamos qualquer atenção. Por todo o lado estende-se a vinha fabulosa do Douro, lá em baixo está o rio e o Pinhão.
Sabemos, ficamos a saber durante a visita, que esta é apenas uma das 27 quintas que os Symington têm na região. E que, mesmo assim, ainda precisam de comprar uvas a cerca de 1500 pequenos produtores para poderem produzir todo o vinho que está nas mãos da família. Um verdadeiro império que, ainda assim, resistiu à massificação e continua a produzir vinho único e de elevadíssima qualidade, precisamente por causa da gestão integralmente familiar da empresa, defende Miguel Potes, responsável pela comunicação da Symington.
Quem chega para uma visita à Quinta do Bomfim à procura das antigas tradições, da pisa a pé, por exemplo, ou dos homens carregando pesados cestos de vime às costas, já não irá encontrar vestígios desse tempo mais duro. As uvas são recolhidas em caixas de cerca de 18 quilos ainda na vinha e transportadas por pequenos tractores e camionetas até à adega. É preciso ir a outra quinta da família, a do Vesúvio, para ver homens e mulheres de pernas nuas, pisando a uva nos lagares de pedra. No curto vídeo que é apresentado aos visitantes do Bomfim, o presidente da empresa, Paul Symington, explica que a família não quer acabar com essa imagem tão típica da vindima duriense e que ela irá continuar, no Vesúvio, “para sempre”. Mas no Bomfim, há outros atractivos e basta observar os rostos sorridentes espalhados pela sala de provas para perceber que não há falta de imagem tradicional que resista a um bom copo de vinho.
Diferentes provas de vinho estão incluídas nas visitas e, dentro de portas, ou ao ar livre, em mesas voltadas para o rio, os visitantes vão-se deixando ficar, de copo na mão, a saborear ao que sabe tudo aquilo que acabaram de ver.
Quinta do Bomfim
5085-060 Pinhão, Alijó, Portugal
Tel: 254 730 370
E-mail: quintadobomfim@symington.com
Lat. 41.189245 Long. -7.540943
41°11’21.0”N 7°32’27.0”W
Visitas
As visitas à Quinta do Bomfim decorrem entre 1 de Abril e 31 de Outubro, entre as 10h30 e as 19h (última entrada às 18h). Nos restantes meses, com excepção dos dias 25 de Dezembro e 1 de Janeiro, é possível visitar a quinta, de terça a sábado, entre as 9h30 e as 17h30 (última entrada às 17h). Se pretende passar pelo local fora deste horário, contacte a quinta. Os preços das hipóteses de visita prendem-se, essencialmente, com o tipo de prova associada que quererá realizar, podendo oscilar entre os oito euros, para a prova clássica (Graham’s Six Grapes Reserva, Cockburn’s Special Reserve e Dow’s Tawny 10 Anos), e os 30 euros da prova Premium Vintage (Dow’s Porto Vintage 1985, Quinta do Vesúvio Porto Vintage 1994, Graham’s Porto Vintage 2000) ou da prova Premium Tawny (Dow’s Tawny 30 Anos, Graham’s Tawny 40 Anos e Graham’s Colheita 1972). Há valores intermédios e também é possível fazer apenas o passeio na vinha, sem provas, por cinco euros.
Como chegar
A Quinta do Bomfim fica no Pinhão, a cerca de 300 metros da estação ferroviária, pelo que o comboio pode ser uma boa opção. Também o cais da cidade está quase à mesma distância, tornando a visita muito acessível a quem chega de barco. Já para os que chegam de carro (os Symington privilegiam a visita de pequenos grupos), se saírem do Porto, terão pela frente uma viagem de cerca de hora e meia, seguindo pela A4, até Vila Real, a A24 e depois pela EN 322 e a EN 323, até ao Pinhão. De Lisboa, chegar ao Pinhão demora mais três horas. A opção mais rápida será seguir pela A1 até à saída para o IP3 (Viseu/Coimbra) e depois continuar por esta via, até à A24. Depois são mais algumas dezenas de quilómetros por estradas nacionais, a EN 313, a EN 222 e a EN 323.
O que fazer
Se há dizer que é comum ouvir no Douro é que o rio e os seus socalcos chegam para todos e que, portanto, não há razão para que cada quinta queira guardar os visitantes apenas para si. Isto quer dizer que uma visita à Quinta do Bomfim não precisa de ser tudo o que irá fazer na região.
Desde logo, a bela casa da família, construída por George Warren, o anterior proprietário, entre 1896 e 1898, e inspirada num chalé do irmão dele, no Sri Lanka, apenas recebe convidados dos Symington, pelo que se quiser pernoitar no Douro terá de encontrar uma alternativa. Não faltam locais bem apetecíveis, mas já que falamos de vinho, talvez queira experimentar o Morgadio da Calçada, na bela aldeia de Provesende, cheia de solares grandiosos, e um dos premiados do Best of Wine Tourism em 2014.
E, para que o Douro não seja apenas algo que faz parte da paisagem, aproveite para dar um passeio no rio. A nossa escolha recaiu sobre o Friendship I, um belíssimo veleiro de 1957, que já pertenceu à Marinha britânica e que agora, perfeitamente restaurado, está nas mãos da empresa Pipadouro. Ao final da tarde, subimos o rio até à foz do Tua (mas também se pode ir no outro sentido, até à Régua), enquanto saboreamos um vinho fresco. Se preferir pernoitar no barco, também é possível, já que ele tem dois compartimentos com cama dupla, e pode ainda optar por um almoço ou jantar a bordo.