Fugas - Vinhos

  • Nelson Garrido
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François Chasans, o francês que se apaixonou pela Bairrada

Por Pedro Garcias

Em 1998, François Chasans provou vinhos velhos da Bairrada e teve uma epifania. Eram tintos ao nível dos melhores de França. No ano seguinte, comprou uma terra e fez uma vinha em Tamengos, perto da Curia. Hoje é um dos sete Baga Friends e sonha em colocar os vinhos bairradinos no topo do mundo.

A ideia era conhecer algumas das vinhas que alimentam a lenda dos tintos do Bussaco (ver Fugas de 29 de Novembro). Em Tamengos, nos arredores da Curia, António Rocha, o homem que trata dos vinhos, mostra-nos pequenas parcelas de vinha sem qualquer glamour mas “muito boas para a Baga”, uma das duas castas usadas no lote final. A outra, a Touriga Nacional, vem do Dão. O lugar não tem nome no atlas do vinho português. No entanto, é por ali que se situam as vinhas dos famosos tintos Gonçalves Faria Tonel 3 e 5, e não só. “Vou mostrar-lhe a vinha do François Chasans”, diz António Rocha, ao mesmo tempo que mete o carro por uma estrada de terra batida. Poucos metros à frente, surge uma carrinha de matrícula francesa e, logo a seguir, François Chasans, o próprio, e o filho, Charles Chasans, ambos de pulverizador às costas, aspergindo, sempre em forma de oito, videiras e o solo com uma das tisanas usadas na viticultura biodinâmica.

François vive em França, mas, sempre que pode, vem até à Bairrada para tratar do seu hectare de vinha. Desta vez, veio a Portugal também para fazer a escritura de compra de mais uma parcela de terreno onde pretende plantar mais uma fiada de videiras. É uma colina suave exposta a leste e com grande potencial. 

Não há nada que ligue François à Bairrada, a não ser o vinho. Proprietário de uma garrafeira nos arredores de Paris, passou a vida a provar e a comprar vinhos. Chegou a trabalhar para a famosa loja Fauchon, de Paris. Já bebeu o melhor que se faz em França e no mundo.

Casado com a portuguesa Maria do Céu, da Lourinhã, François Chasans começou a visitar Portugal há cerca de 40 anos. Nessa altura, “o pior vinho português era o da Bairrada, o melhor era o do Dão”, recorda. Em 1998, foi a Lisboa, para visitar a Expo, e pôde provar vinhos velhos da Bairrada, entre os quais alguns Gonçalves Faria, que o deixaram de boca aberta. “Foi uma revelação. Estavam ao nível dos melhores vinhos franceses”, conta. Três meses depois estava na Bairrada a comprar terra para fazer a sua própria vinha, a que deu o dome de Quinta da Vacariça, inspirada no mosteiro beneditino que terá existido na aldeia da Vacariça, no concelho da Mealhada. É ele que carrega literalmente a vinha às costas, embora, a espaços, conte com a ajuda do filho, Charles, enólogo recém-formado que já apresenta no currículo um estágio de dois anos no mítico Domaine de La Romanée-Conti, na Borgonha, e onde também se pratica viticultura biodinâmica. “ Há milhares de viticultores biodinâmicos no mundo, mas a maioria é gente maluca”, diz François, assumindo-se como biodinâmico “não extremista”. O que o move é o desejo de ter uma vinha saudável, livre de químicos e alimentada unicamente com produtos naturais. “O vinho faz-se na vinha”, lembra.

O seu lema é “cultivar a diferença na busca da excelência”. Em 2008 produziu o seu primeiro vinho, feito de forma tradicional num lagar cedido por Mário Sérgio, na Quinta das Bágeiras. A cada dia que passa, François diz-se cada vez mais rendido à Baga (é um dos sete Baga Friends, juntamente com Luís Pato, Mário Sérgio, Filipa Pato, Dirk Niepoort, Sidónio de Sousa e Bussaco) e à Bairrada, “a região com mais potencial do mundo”. “Mas falta-lhe imagem e posicionamento”, diz, mostrando-se crítico do rumo que os vinhos bairradinos estão a tomar. 

Recentemente, aproveitou a sua entronização como confrade dos enófilos da Bairrada para dizer o que pensa. Lembrou, a começar, que o último concurso dos melhores vinhos da Bairrada, organizado pela comissão vitivinícola regional, atribuiu a mais alta distinção a um vinho tinto de oito meses. “Um Baga tradicional não tem hipóteses nenhumas neste concurso. Mas há pior. Um Merlot foi eleito o melhor vinho do ano. Que imagem querem dar aos enófilos do mundo?”, questionou no seu discurso, lembrando que “um Merlot é um Pomerol e um Pinot Noir é um Nuits-Saint-Georges”, “vinhos de emoção adaptados aos seus terroirs”, que é o que acontece com a Baga em relação à Bairrada. “Portugal possui uma das maiores colecções de castas autóctones do mundo. Temos de nos servir deste tesouro para afirmar a nossa identidade”, defendeu.

François deu também o exemplo do novo Espumante Baga, com o qual a comissão vitivinícola espera um acréscimo de produção superior a 250 mil garrafas. “Mas como é que querem construir uma imagem com um produto que tem nove meses de cave no mínimo? Um estágio de três anos seria mais ambicioso. Façam só 20 mil garrafas da mais alta qualidade para começar”, desafiou, defendendo que a Bairrada, bem como o resto do país, só se poderá afirmar pela diferença, nunca pela quantidade. “A Romanée-Conti produz apenas seis mil garrafas”, lembrou, a propósito.

Do seu Quinta da Vacariça, François Chasans produz ainda menos (a quantidade de uvas não chega sequer aos cinco mil quilos). E, do pouco que produz, não tem vendido muito (em Portugal, o vinho está disponível em duas ou três garrafeiras e num ou noutro restaurante). A sua ideia é vender 80% do vinho no estrangeiro. Um seu amigo garante que até já tem paletes feitas para vender mais tarde em certos mercados. Aos 59 anos, François Chasans não tem pressa. Os Baga precisam de tempo em garrafa e o seu primeiro vinho, o Quinta da Vacariça 2008, um tinto imponente, tânico e com uma acidez soberba (um pouco menos maduro do que o 2009, mais civilizado nesta fase), ainda tem pelo menos “20 anos pela frente” (está à venda a 48 euros na Garrafeira Nacional). François sabe melhor do que ninguém que os grandes vinhos demoram muito tempo a fazer. O que custa são os primeiros 150 anos, como diriam os Rothschild.  

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