A ideia era conhecer algumas das vinhas que alimentam a lenda dos tintos do Bussaco (ver Fugas de 29 de Novembro). Em Tamengos, nos arredores da Curia, António Rocha, o homem que trata dos vinhos, mostra-nos pequenas parcelas de vinha sem qualquer glamour mas “muito boas para a Baga”, uma das duas castas usadas no lote final. A outra, a Touriga Nacional, vem do Dão. O lugar não tem nome no atlas do vinho português. No entanto, é por ali que se situam as vinhas dos famosos tintos Gonçalves Faria Tonel 3 e 5, e não só. “Vou mostrar-lhe a vinha do François Chasans”, diz António Rocha, ao mesmo tempo que mete o carro por uma estrada de terra batida. Poucos metros à frente, surge uma carrinha de matrícula francesa e, logo a seguir, François Chasans, o próprio, e o filho, Charles Chasans, ambos de pulverizador às costas, aspergindo, sempre em forma de oito, videiras e o solo com uma das tisanas usadas na viticultura biodinâmica.
François vive em França, mas, sempre que pode, vem até à Bairrada para tratar do seu hectare de vinha. Desta vez, veio a Portugal também para fazer a escritura de compra de mais uma parcela de terreno onde pretende plantar mais uma fiada de videiras. É uma colina suave exposta a leste e com grande potencial.
Não há nada que ligue François à Bairrada, a não ser o vinho. Proprietário de uma garrafeira nos arredores de Paris, passou a vida a provar e a comprar vinhos. Chegou a trabalhar para a famosa loja Fauchon, de Paris. Já bebeu o melhor que se faz em França e no mundo.
Casado com a portuguesa Maria do Céu, da Lourinhã, François Chasans começou a visitar Portugal há cerca de 40 anos. Nessa altura, “o pior vinho português era o da Bairrada, o melhor era o do Dão”, recorda. Em 1998, foi a Lisboa, para visitar a Expo, e pôde provar vinhos velhos da Bairrada, entre os quais alguns Gonçalves Faria, que o deixaram de boca aberta. “Foi uma revelação. Estavam ao nível dos melhores vinhos franceses”, conta. Três meses depois estava na Bairrada a comprar terra para fazer a sua própria vinha, a que deu o dome de Quinta da Vacariça, inspirada no mosteiro beneditino que terá existido na aldeia da Vacariça, no concelho da Mealhada. É ele que carrega literalmente a vinha às costas, embora, a espaços, conte com a ajuda do filho, Charles, enólogo recém-formado que já apresenta no currículo um estágio de dois anos no mítico Domaine de La Romanée-Conti, na Borgonha, e onde também se pratica viticultura biodinâmica. “ Há milhares de viticultores biodinâmicos no mundo, mas a maioria é gente maluca”, diz François, assumindo-se como biodinâmico “não extremista”. O que o move é o desejo de ter uma vinha saudável, livre de químicos e alimentada unicamente com produtos naturais. “O vinho faz-se na vinha”, lembra.
O seu lema é “cultivar a diferença na busca da excelência”. Em 2008 produziu o seu primeiro vinho, feito de forma tradicional num lagar cedido por Mário Sérgio, na Quinta das Bágeiras. A cada dia que passa, François diz-se cada vez mais rendido à Baga (é um dos sete Baga Friends, juntamente com Luís Pato, Mário Sérgio, Filipa Pato, Dirk Niepoort, Sidónio de Sousa e Bussaco) e à Bairrada, “a região com mais potencial do mundo”. “Mas falta-lhe imagem e posicionamento”, diz, mostrando-se crítico do rumo que os vinhos bairradinos estão a tomar.