O Natal está à porta e com ele avizinham-se as naturais e recorrentes preocupações com a ceia de 24 e o almoço de dia 25. Muito provavelmente a ementa não será muito diferente do costumeiro, seja ela consentânea com a tradição regional ou com a tradição pessoal de cada lar.
Para o bem e para o mal, pouco se inova e pouco se muda nos hábitos alimentares familiares desta época festiva. Mas se a preferência gastronómica despertará poucas dúvidas para a maioria dos portugueses, o mesmo não se passa com o acompanhamento vínico, sempre sujeito a hesitações e interrogações existenciais.
Para além da eterna incerteza sobre qual o melhor estilo de vinho para acompanhar o bacalhau, tinto ou branco, as indecisões recaem igualmente sobre o tipo de vinho, a região, o preço e a quantidade. Quem recebe amigos ou familiares sente sempre uma boa dose angústia perante a sempre difícil decisão de abrir a garrafa do tal vinho notável que foi guardado propositadamente para ser desfrutado numa data especial.
No meio de tantos familiares e amigos convidados há sempre quem revele pouca sensibilidade ou pouco interesse pelo vinho, provavelmente a maioria, convivas que dificilmente poderão valorizar ou apreciar a garrafa que foi guardada com tanto carinho durante tanto tempo. Por isso, e salvo a coincidência de ter uma família ou grupo de amigos especialmente motivados pelo vinho, o Natal raramente é a ocasião ideal para abrir vinhos únicos ou vinhos mais extremados que se afastam dos gostos mais fáceis e mais consensuais.
Mas é seguramente o momento perfeito para abrir e beber algumas garrafas dos quatro grandes vinhos fortificados que fazem a glória de Portugal, Vinho do Porto, Madeira, Moscatel de Setúbal e o eternamente desconhecido Carcavelos. Claro que este último, o Carcavelos, não será fácil de encontrar para quem vive fora da região de Lisboa e não tem oportunidade de visitar a loja do produtor em Oeiras, no Palácio do Marquês de Pombal. Mas os restantes têm distribuição relativamente alargada e estão, por isso, facilmente disponíveis para quem quiser mergulhar nas alegrias de alguns dos melhores vinhos do mundo.
Por serem maioritariamente doces, os vinhos fortificados costumam ser relegados para o final da refeição, para aqueles momentos em que o paladar já está cansado e quando a fadiga própria de uma refeição demorada já se instalou. Por isso, raramente são apreciados na plenitude e raramente lhes damos condições para poderem brilhar. Condições que, infelizmente, costumam ser potenciadas pela escolha de copos nada adequados à função, copos dedal demasiado pequenos que não deixam espaço para os vinhos mostrarem as suas capacidades únicas.
Porém, nem todos os vinhos fortificados são doces, podendo ser aproveitados para o início da refeição ou para os momentos que antecedem o repasto. Basta pensar em alguns dos vinhos do Porto brancos secos, ainda uma raridade, ou mais facilmente nos vinhos da Madeira secos, sobretudo os Sercial, que, pela sua acidez sibilina e secura extrema, ajudam a despertar as papilas gustativas para a refeição que se avizinha.
O final da refeição, com ou após a sobremesa, é o terreno de eleição para este estilo de vinhos. É aqui que entram os grandes Moscatel de Setúbal, os vinhos da Madeira das castas mais doces, Boal e Malvasia, ou os vinhos do Porto brancos doces, tawnies ou ruby. Vinhos fortificados que por inerência se traduzem em volumes alcoólicos mais elevados, algures entre os 18º e os 20º, graduações que obrigam a que estes vinhos tenham de ser refrescados no frigorífico para poderem ser apreciados na plenitude. Por isso, não considere que refrescar vinhos fortificados, mesmo que tintos, seja uma heresia. É antes uma necessidade absoluta para a sua fruição.
Este Natal poderá até equilibrar e compensar os custos com o vinho apostando numa gama relativamente mais modesta nos vinhos tranquilos, brancos, rosados e tintos, para poder ter mais folga na compra destes vinhos de final de refeição. A verdade é que nunca irá perceber o fascínio exercido pelos vinhos do Porto, Madeira ou Moscatel se se confinar a beber os vinhos mais simples, baratos e acessíveis que se encontram à venda nas prateleiras das grandes superfícies.
O investimento nem terá de ser insuportável ou incomportável, pois um pequeno esforço adicional é mais que suficiente para ter acesso a vinhos de enorme qualidade e personalidade. Se gostar de vinhos mais pujantes, então os Porto LBV, carregados de fruta e de corpo cheio, são uma das apostas mais intuitivas. Mas se preferir conceitos como complexidade ou subtileza, então deverá deixar-se arrastar para o mundo dos Porto tawnies ou dos Moscatel de Setúbal.
A forma mais expedita de atacar o mundo do vinho do Porto no Natal é apostar nos tawny com indicação de idade, sobretudo os que se encontram nas categorias dez e vinte anos, os mais fáceis de encontrar e aqueles onde a relação qualidade/preço é mais recomendável. Nos Moscatel de Setúbal, basta procurar vinhos Moscatel com indicação de colheita, vinhos de um ano que por vezes são temperados com Armagnac em vez da tradicional aguardente neutra. Se se sentir confiante, e se puder contar com um orçamento um pouco mais folgado, procure então pelos Moscatel Roxo de Setúbal, com a certeza de vir a ser recompensado com um vinho ainda mais aromático.
Se pretender vinhos repletos de personalidade, frescura, viço e profundidade, então opte por um Madeira Colheita ou um Madeira com indicação de idade, dez ou quinze anos, preferencialmente das castas Boal ou Malvasia, as duas mais doces e mais fáceis de compreender. Seja qual for o estilo, dê uma oportunidade aos vinhos que colocaram e continuam a colocar Portugal no mapa vínico mundial. Não lhe parece bizarro que os vinhos mais famosos de Portugal continuem a ser desconhecidos em Portugal?