Fugas - Vinhos

Adriano Miranda

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Moscatel de Setúbal

Por regra, os vinhos Moscatel de todo o mundo, incluindo alguns oriundos da península de Setúbal, revelam uma doçura extremada. Uma doçura que, apesar de apetitosa, terá de ser acompanhada por uma acidez igualmente incisiva que desperte da modorra do mel e das laranjas. Dos Moscatel podemos sempre esperar o melhor e certamente o pior. Infelizmente, a maioria dos vinhos Moscatel nacionais são de qualidade mediana e enfadonhos pela falta de frescura e pelo peso excessivo dos torrados, do mel e da laranja cristalizada.

O Moscatel de Setúbal convive melhor com os solos calcários da Arrábida, com a frescura aportada pelos altos da serra, com a protecção extra que ela oferece dos ventos atlânticos, com a frescura proporcionada por uma estranha serra que, por um capricho da natureza, oferece encostas expostas maioritariamente a norte. Na verdade, a grandiosidade do Moscatel de Setúbal advém de um percalço da natureza, consequência de um clima de forte influência atlântica que permite uvas Moscatel de clima fresco e de baixo grau alcoólico. Característica que não representa qualquer obstáculo, já que o Moscatel irá ser fortificado com aguardente vínica.

Qual é, então, o segredo dos grandes Moscatel de Setúbal? A resposta não poderia ser mais simples, a frescura. É esse o truque e a obrigação de um bom Moscatel, uma acidez forte e quase violenta que o desperte das grilhetas do açúcar. É esse o segredo, mas é essa também a enorme dificuldade do Moscatel, a necessidade de assegurar um vinho simultaneamente sedoso, untuoso e glicerinado na boca, em conjunto com uma acidez incisiva e intransigente que acrescente tensão e nervo ao final de boca.

A falta de acidez, recorrente na maioria dos vinhos Moscatel, implica ter de lidar com vinhos xaroposos, melosos, moles, planos, sem fibra e enjoativos no excesso de açúcar e mel. A acidez é condição indispensável para a sensação de frescura, para o prolongamento do vinho na boca, para um final airoso. E acidez é precisamente o que a serra da Arrábida consegue oferecer generosamente à casta Moscatel. A proximidade do mar, aliada ao solo calcário e às constantes neblinas matinais, oferece uvas Moscatel de graduação alcoólica mediana e acidez profunda perfeitas para a produção do Moscatel de Setúbal, vinhos de vida eterna, de complexidade genial, vinhos que ombreiam com o que de melhor se faz no mundo.

 

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