Fugas - Vinhos

O mundo maravilhoso dos Riesling do Mosela

Por José Augusto Moreira

Vinhos com concentração, frescura e mineralidade extraordinárias, que resultam de condições únicas, e difíceis, de clima e solo. Na casa S.A. Prüm há uma tradição com mais de 800 anos, mas não é só o tempo a fazer a diferença.

A longa história e tradição vitivinícola, a diversidade de castas e a variedade geológica e climatérica de que beneficiamos como país, faz com que muitas vezes esqueçamos outras realidades. Há Champagne, é certo, mas tudo o resto praticamente se fecha numa orgulhosa e obscurantista auto-suficiência. A verdade, no entanto, é que há mais mundo — e que mundo! — para além dos vinhos portugueses.

Não é fácil, por isso, imaginarmos um produtor com um historial de quase nove séculos, com vinhos diversos e diferenciados provenientes de uma só casta e do mesmo vinhedo. E de qualidade sempre extraordinária. É o mundo maravilhoso do Riesling, a casta que domina toda a produção na região intermédia do vale do Mosela, na Alemanha.

Pois, é isso mesmo que caracteriza a casa S.A. Prüm, um produtor cujos antepassados já cultivavam vinha em 1156, ou seja, quando Portugal — que se orgulha de ser um dos países mais antigos do mundo — dava ainda os primeiros passos e reinava Afonso Henriques.

É nas mesmas encostas íngremes voltadas para sul e sudoeste que os descendentes da família Prüm exploram actualmente 13 hectares de vinha, exclusivamente com a casta Riesling, proporcionando vinhos de uma riqueza e carácter extraordinários.

O vinhedo mais emblemático é o do relógio de sol (sonnenhuhr, em alemão), na localidade de Wehlener, assim denominado desde que, em 1842, Jacobus Prüm montou na encosta um instrumento para medir as horas. A região é das mais ensolaradas da Alemanha e os vinhos Wehlener Sonnenhur são hoje uma das maiores referências no mundo dos Riesling, que chegam ao nosso país através da distribuidora Direct Wine (www.directwine.pt).

Raimund Prüm é quem gere actualmente o negócio da família e vê na gastronomia portuguesa, principalmente na sua vertente ligada ao mar, a parceria perfeita para a degustação dos seus Riesling de eleição. Vinhos com intensidade de fruta, acidez marcante, forte mineralidade e grande concentração. Perfeitos, sem dúvida, para peixes e mariscos, que se destacam igualmente pela frescura e intensidade de sabor.

Mas não são só os produtos marinhos que casam bem com estes vinhos, como ficou evidente numa competente demonstração que teve lugar no restaurante Rei dos Leitões, na Mealhada, ainda antes do Natal. Raimund Prüm rendeu-se às combinações com presunto e lombinho de vitela com massa folhada e cogumelos.

Frescos e digestivos

E se há aspectos que se destacam nestes Riesling do Mosela é que são sempre frescos, digestivos, harmoniosos e envolventes. Mesmo quando são doces. Qualidades que resultam da presença constante e marcante das sensações de fruta, a par de uma acidez digestiva que dá balanço e equilíbrio. “Os javalis é que sabem: comem as uvas doces e depois vão aos marmelos ácidos para uma boa digestão”, observa Prüm em relação aos animais selvagens que atacam os seus vinhedos.

Provaram-se cinco vinhos da mesma casta e da mesma vinha: todos diferentes, todos intensos, frescos e digestivos. Mas também sempre com baixos teores de álcool (10/12,5%). As características da casta e as condições de solo e clima desta região do Mosela explicam esta capacidade de diversificação. Raimund fala em “magia do Riesling” para explicar que, na mesma vinha e na mesma colheita, consegue fazer diferentes vinhos, vindimando segundo o grau de maturação.

E a demonstração foi dada à mesa. Com as entradas, o Solitar Riesling Trocken (seco) 2014, a mostrar o lado de fruta fresca, salinidade e até algo de umami da casta. O doce Spätlese (colheita tardia) 2007, para o foie gras e pêra cozida em vinho tinto, com uma acidez virtuosa e quase efervescente resultante da vindima no início de Novembro.

De volta aos secos, o Devon GG 2012 para o filete de robalo. A designação GG (Grosses Gewächs) é atribuída aos vinhos de topo (equivalente ao Grand Cru francês), sendo a colheita feita no grau de maturação ideal, nem verde nem sobrematurado, extraído com prensagem leve e estágio de um ano com borras. O mesmo processo com o GG 2010 que acompanhou o lombinho de vitela com massa folhada e cogumelos e mostarda. Impressiona pela harmonia e equilíbrio, presença de fruta uma imponente acidez (9,5). Saboroso e digestivo.

Para a sobremesa, com pastel de nata, gelado de noz, canela e hortelã, o Auslese 2006, um doce, gordo, volumoso e de cor muito concentrada, que resulta de uma criteriosa selecção dos bagos mais maduros e perfeitos. Apesar da idade, jovem e frutado como deverá manter-se ainda por muitos anos. Quase não evolui.

Em vinhedos onde sobrevivem parcelas em pé-franco que ficaram imunes à filoxera, a diferença faz-se pelas longas fermentações e a invulgar qualidade e concentração da fruta, a par da frescura. Um clima único, com dias ensolarados ainda no Outono, e terrenos com invulgar inclinação, permitindo que os vinhedos aproveitem todos os raios de sol. Os solos de xisto, que retêm o calor, e o grande declive também não permitem grande retenção, obrigando as raízes a penetrarem longamente à procura de sustento. Daí a forte mineralidade e reduzidas produções a proporcionar vinhos frescos, concentrados e únicos.

Uma diferença que vale mesmo a pena provar. E que nem seja pelo peço, já que estão por aí à venda por valores entre os 12 e 50 euros, ou seja, dentro de padrões que correspondem às melhores colheitas das regiões nacionais.

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