Fugas - Vinhos

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Um grande Porto em jeito de vénia a Sua Majestade

Por Manuel Carvalho

Graham’s celebra os 90 anos da rainha Isabel II com um Porto único: o Graham’s 90, a 750 euros a garrafa.

A rainha Isabel II vai celebrar 90 anos e a Graham’s produziu um lote de Porto a partir de vinhos de 1912, 1924 e 1935. As 500 garrafas que chegam ao mercado são para a empresa uma forma de homenagear a casa real que mantém há séculos o vinho do Porto nos seus rituais simbólicos. O resultado é um colossal Porto 90 Anos, à venda por 750 euros a garrafa.

No interior da garrafeira Berry, Bros& Rudd, a escassa distância do Palácio de Buckingham, em Londres, há caves fechadas à chave onde se guardam alguns dos vinhos mais caros do mundo, há garrafas com novidades da França ou do Chile e há um soalho de madeira velho, ligeiramente inclinado, que atesta a longevidade de uma das mais antigas lojas de vinho do mundo em funcionamento — foi fundada no século XVII. Numa tarde de quinta-feira, havia também um aroma doce, depurado e quente que fluía de uma das salas do primeiro andar e se espraiava pelas escadas estreitas e sinuosas que as antecipavam.

Dentro da sala, havia uma mesa coberta de copos e à sua volta um grupo de jornalistas portugueses e britânicos especializados preparavam-se para conhecer a última produção de topo de gama da Graham’s: um Porto de um lote com 90 anos especialmente preparado para celebrar o aniversário da rainha Isabel II (21 de Abril).

Sentado num dos topos da mesa, Paul Symington, o líder do grupo familiar que integra a Graham’s, notava a ousadia de anunciar em Londres um vinho quase centenário e pretender vendê-lo a 600 libras (cerca de 750 euros). Uma forma de “criar valor para os vinhos da nossa região”, explicava. As regiões, notou, “precisam de uma imagem de excelência”. Por outro lado, fazer a apresentação do 90 anos numa sala com aquele simbolismo era igualmente uma forma de homenagear a rainha, que “continua a servir vinho do Porto em todos os protocolos do Estado” — há alguns anos o francês Nicolas Sarkozy terá estranhado a ausência de champanhe numa cerimónia no Palácio de Buckingham.

A ideia da criação do 90 anos partiu da Berry and Bros., que há décadas importa os vinhos dos Symington para Inglaterra e é a fornecedora oficial do Palácio de Buckingham. Na base do interesse estava o sucesso de vendas do Porto Colheita de 1952, um vinho pensado para comemorar o Jubileu de Diamante de Isabel II – em 2012 cumpriam-se 60 anos do seu reinado. Só que, desta vez, não havia maneira de encontrar entre os muitos milhares de cascos das caves dos Symington um lote único de 1926 para comercializar com a categoria Colheita — que, ao contrário dos vinhos de lote, tem de ser um vinho produzido numa única vindima. A solução era criar um blend (uma lotação) de vinhos de anos diferentes que, à semelhança dos Porto de 10 ou 20 anos, chegasse a uma idade média do lote final próxima dos 90 anos.

Mas, para que esta ideia pudesse ser cumprida, faltava ainda superar um último obstáculo: o da regulamentação do vinho do Porto. É que a denominação de origem Porto prevê a produção e comercialização de tawnies com 10, 20, 30 ou 40 anos. Mas não o 90 anos. “Tivemos de pedir uma autorização especial ao Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP)”, explica Paul Symington. Numa primeira tentativa, o pedido foi recusado. Seguiram-se então negociações e, no final, o IVDP acabou por dar o seu aval ao projecto. O que estava afinal em causa era uma data especial para um mercado que continua a ser estratégico para o sector. Pela primeira vez na longa história do vinho do Porto, estava para nascer um 90 anos.  

Charles Symington, o responsável pela enologia da casa, pôde então deitar mãos à obra. Entre a interminável chave de combinações (cascos de diferentes vindimas) à sua disposição, Charles escolheu três vinhos. O mais antigo remonta a 1912, um ano histórico do sector, que integrava o património da Warre e da Dow’s, duas das marcas do universo Symington. O segundo vinho mais velho é de 1924 e fazia parte de um lote produzido na Quinta do Bom Retiro Pequeno, localizada no vale do rio Torto, que só foi transportado para as caves de Gaia nos anos de 1960. Finalmente, Charles Symington elegeu para o lote final um vinho de 1935, que fazia parte dos stocks da Warre.

Este ano, está igualmente registado na memória do vinho do Porto como um “ano vintage”, mas a Warre tinha apostado antes na declaração do ano anterior. No intrincado modelo de classificação do vinho do Porto, o 1935 é o único vinho a poder ser considerado um Colheita, notava Johnny Symington que, com o seu primo Rupert, esteve ao lado de Paul na apresentação. É que essa categoria carece de reconhecimento por parte do IVDP, que foi criado apenas em 1933 — o 1912 e o 1926 são considerados “reservas”.

Na prova londrina, os jornalistas presentes puderam experimentar cada um destes vinhos individualmente antes de conhecerem o lote final. Charles Symington decidiu que 40% do vinho a ser engarrafado com a categoria de 90 anos seria de 1935, outro tanto da vindima de 1912 e os restantes 20% de 1926. O desafio, bem à imagem da arte do vinho do Porto, era conseguir que o todo fosse maior do que a soma das partes. Charles conseguiu, embora a possibilidade de se conhecer cada um dos vinhos originais seja uma experiência memorável. Porque cada um tem uma identidade vincada, embora seja incapaz de apresentar o balanço e a harmonia que o 90 anos acabaria por revelar.

Por exemplo, o 1912 destaca-se pela sua complexidade e por um extraordinário volume de boca. Os seus aromas são os que mais se aproximam de um Colheita clássico — fruta seca, casca de laranja cristalizada. O vinho de 1924 é o mais exuberante no nariz, com notas de alperce a dominar o conjunto. Mas, na boca, é entre todos o mais subtil e elegante. Finalmente, o 1935 destaca-se por uma acidez pungente e por um impacte no palato intenso e longo. É o vinho com mais garra e vigor, embora termine deixando um rasto de sensações de fruta seca delicadas e deliciosas.

O 90 anos dedicado à rainha é um belo exemplo do que é a arte do blend no vinho do Porto. Os principais atributos dos três vinhos originais estão lá reflectidos em proporções ponderadas para que o produto final esteja mais próximo do que é a essência de um grande tawny. Está lá a exuberância dos aromas de frutos secos do 1912, mas conservou-se um pouco da expressão cítrica ou do alperce; está lá o volume de boca do 1912, mas pressente-se a delicadeza do 1924; e, principalmente, está lá de forma nítida a impetuosidade da acidez e da frescura do 1935. O Graham’s 90 anos é, por isso, um vinho do Porto de altíssimo nível. Cheio de energia, de graça e de subtilezas, é um daqueles vinhos cujos aromas enchem uma sala e provocam sensações desconcertantes e longas nos sentidos.

Como seria de esperar num vinho com esta média de idades, a quantidade de garrafas produzidas é escassa — serão apenas 500. E o seu preço, embora inacessível ao comum dos mortais, está longe de impressionar os apreciadores e coleccionadores com carteiras mais abonadas. Uma passagem por uma das garrafeiras da moda em Londres, a Hedonism, onde trabalha o português Miguel Buccellato, basta para se perceber que um vinho assim tão raro e tão velho é até “barato” quando comparado com colheitas recentes de Bordéus ou da Borgonha, que chegam a custar 6000 libras por garrafa — uns 7500 euros.

Como que a provar essa justeza, a Berry and Bros. vendeu na primeira manhã cerca de 1000 garrafas. E as 40 garrafas que tinham ficado reservadas para o mercado nacional tinham-se igualmente eclipsado. “Um sucesso com este vinho será um sucesso para todo o sector do vinho do Porto e para o país”, avisara Johnny Symington. A julgar pelos primeiros dados, a batalha estará ganha.

A Fugas esteve em Londres a convite da Symington Family Estates

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