Fugas - Vinhos

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    Domingos e Tiago Alves de Sousa
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    Quinta da Gaivosa Porto Vintage 2013
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    Quinta da Gaivosa Tinto 2011

O futuro dos Alves de Sousa está no regresso ao passado

Por Manuel Carvalho

Os Gaivosa, Vinha de Lordelo ou o sublime Abandonado são vinhos de um carácter único, intimamente ligados às vinhas que os originaram. Eis o Douro antigo e poliédrico onde nascem alguns dos vinhos mais genuínos e consistentes do país.

Os produtores gostam de contar histórias e de as colar aos vinhos que fazem. Quando Domingos Alves de Sousa lançou o seu primeiro Abandonado, da vindima de 2004, contou a história da vinha que lhe deu origem ao seu importador belga e a reacção não foi a mais simpática. “Lá vem você com mais uma história”, disse-lhe o importador. Até que, pouco depois, o negociante visitou o Douro e foi ver a vinha do Abandonado. “Aí percebeu o que lhe queria dizer”, recorda Domingos Alves de Sousa. É impossível perceber-se a pureza e a profundidade do vinho Abandonado sem se conhecer a “sua” vinha. Como não se consegue conceber a complexidade dos Gaivosa, a durabilidade do Vinha de Lordelo ou a garra dos Vale da Raposa sem se saber onde nasceram. Muito mais do que produtores de vinho, os Alves de Sousa são intermediários da natureza. É isso que coloca os seus vinhos entre os melhores.

O que os move é uma espécie de conservadorismo revolucionário. A prova de que a resistência compensa. Quem olhar as vinhas da família Alves de Sousa que se estendem na orla da EN-2, entre a Cumieira e Santa Marta de Penaguião, há-de reparar na forma como as videiras velhas se espalham pela encosta, em obediência às mais ancestrais formas de viticultura do Douro. Quem indagar sobre as suas plantas, ficará a saber que ali não há talhões individualizados de castas e ainda menos qualquer devoção religiosa aos prodígios da Touriga Nacional – como antigamente, as castas misturam-se a eito na vinha onde persistem variedades esquecidas como a Mourisco Preto. Quem perguntar sobre as novidades das marcas Quinta da Gaivosa, Vinha de Lordelo ou o Colheita Pessoal ficará a saber que os seus vinhos passam pelo menos quatro ou cinco anos de estágio antes de chegarem ao mercado, como que a celebrar a velha máxima de uma crónica duriense do século XVI que garantia que os vinhos, quanto mais velhos, mais “cheirantes” ficam.

Na Gaivosa, continua a sobreviver uma atitude perante a vinha e a adega que resistiu à vaga da modernidade que, por volta dos anos de 1980, pôr em causa quase tudo o que se fizera nos séculos anteriores da região. Domingos Alves de Sousa, o patriarca da família, nunca foi por aí. Anselmo Mendes, o enólogo que lançou os seus primeiros vinhos, apoiou-o. E o seu filho, Tiago Alves de Sousa, 37 anos, doutorado em viticultura pela Universidade de Trás-os-Montes, quer levar essa atitude ainda mais longe. Para ele, o que deve prevalecer é a ideia da “adega invisível”. Na qual o enólogo deve intervir apenas quando é “necessário corrigir alguma imperfeição” da natureza. O segredo da Gaivosa está por isso nas vinhas. Na natureza.

Por estes dias, os Alves de Sousa andam ainda a celebrar a construção da sua nova adega. Um edifício moderno, ousado mas bem integrado na paisagem, com a assinatura do arquitecto vila-realense Belém Lima. A adega foi nomeada para os prémios de arquitectura Mies Van der Rohe, mas tão ou mais valioso do que o seu traço é a sua funcionalidade. Ali, Domingos e Tiago podem dispor de outros recursos para trabalhar os vinhos. Pequenos lagares com pisa mecânica que garantem “uma extracção suave”, cubas para diferentes litragens, zonas de estágio em madeira com uma maior estabilidade de temperatura, nada falta neste projecto concluído pouco antes da vindima de 2015 que custou 1.4 milhões de euros. Mas se a nova adega é motivo de vaidade, é na vinha que Tiago e Domingos melhor mostram a sua paixão pelos vinhos.

Sobe-se a encosta adjacente à Gaivosa e no cume vê-se o espectáculo do Douro histórico. Domingos ainda se lembra dos dias em que uma legião de trabalhadores desmontou a montanha e plantou a vinha das Carvalhas. Situada a 430 metros de altitude, a vinha conservou a face que a família lhe concedeu há uns 60 anos. Ao fundo corre o rio Corgo e muito perto estende-se uma plantação nova de Horta Osório - a antítese das Carvalhas, com os seus patamares gigantescos e um seu sistema de rega estranho numa numa região onde chove quatro vezes mais do que no Douro Superior. Caminhando pela cumeada da montanha que divide a encosta da Gaivosa dos declives que correm para o Corgo, nota-se que a vinha do Alto é bem mais jovem (pouco mais de seis anos) mas manteve o figurino das vinhas tradicionais.

Continua-se e descobre-se o Abandonado, uma vinha velhíssima, com quase 50% de falhas impossíveis de reparar por ser necessário usar explosivos ou buldózeres para fazer a replantação. A vista da vinha faz justiça ao seu nome. É um pedaço de resistência de um Douro frágil e antigo, quase um arcaísmo. Tiago chegou a pensar na sua reestruturação. Mas teve a boa ideia de fazer dali um vinho antes de avançar. O resultado foi a criação de um dos mais poderosos ícones do vinho nacional dos últimos anos.

Logo abaixo da vinha de Lordelo, outro dos prédios com direito a um vinho de marca própria, há uma nova vinha em reconstrução e, mais uma vez, Tiago e Domingos Alves de Sousa contrariam a corrente. Em vez de enxertos prontos comprados em viveiristas, plantaram aí bacelos nos quais em breve hão-de enxertar varas colhidas nas suas vinhas mais velhas – a excepção foram alguns enxertos prontos com a casta Touriga Franca, porque a ideia é conservar a identidade do local. Porquê? “O que nós mais procuramos é o carácter varietal [a identidade de cada casta] e o carácter da vinha”, explica Tiago.

Gaivosa, Vale da Raposa, Abandonado ou Vinha do Lordelo são vinhos que exprimem essa identidade e esse carácter. Cada vinha tem a sua própria natureza, que depende da sua idade, da sua altitude – questão crucial numa zona “onde passamos uma curva e a temperatura sobe dois graus”, como nota Domingos Alves de Sousa -, das suas castas e da sua exposição ao sol. Se há vinhos de terroir em Portugal, os vinhos desta família estão seguramente entre os mais genuínos e consistentes.

Mais um Gaivosa para a posteridade

O Quinta da Gaivosa de 2011 está a chegar ao mercado. E promete tornar-se um novo ícone da casa, mesmo que seja difícil repetir a proeza do genial 1995 ou o soberbo 2003. Mas sabe-se que a Gaivosa faz grandes vinhos nos anos vintage (o que nem sempre acontece com os DOC Douro provenientes das zonas mais quentes junto ao rio) e 2011 não é excepção. Este Gaivosa é um vinho que irradia impressões balsâmicas (caruma, aromas de bosque), fruta preta elegante e sofisticada, onde tudo parece situar-se em proporções perfeitas. A origem em vinhas com mais de 80 anos, onde dominam as castas Touriga Franca, Touriga Nacional e Tinto Cão, confere-lhe elegância, profundidade e grandeza e a altitude e exposição garantem-lhe uma notável graça e frescura natural. É um vinho com uma profundidade e complexidade extraordinários. (Preço: 34.90; Classificação: 96 pontos)

Ao mercado está também a chegar um lote de 3500 garrafas do Vinha de Lordelo de 2011, que em comparação com o Gaivosa é mais sisudo e fechado e com um carácter aromático menos expressivo. É outro grande vinho dos Alves de Sousa, cheio de finesse, elegância, uma doçura contida e bem conjugada no conjunto que o tornam mais fácil de beber. Harmonioso e polido, é uma delícia para os sentidos. (Preço: 64 euros; Pontuação: 94 pontos).

As novas vinhas começam entretanto a afinar o nível da sua produção. O Gaivosa Primeiros Anos de 2012 tem essa proveniência. É um vinho muito atraente, com aroma intenso de fruta, taninos vivos que lhe conferem fulgor e juventude e notas de madeira bem integradas no conjunto. (Preço: 12.90; Pontuação: 88 pontos).

Os Alves de Sousa lançaram ainda três brancos de valor desigual. Um Pessoal de 2008 de grande nível, com os efeitos da oxidação a conferirem-lhe aromas de resina, notas cítricas e mel muito bem harmonizados com uma acidez viva que lhe garante tensão e lhe garante uma vocação gastronómica. É um branco velho de classe pura. (Preço: 30 euros; Pontuação: 92). O Branco da Gaivosa Grande Reserva de 2013 revela a passagem por madeira, um volume de boca notável e uma acidez discreta que lhe permite acentuar a dimensão da fruta. (Preço: 24.50; Pontuação: 88). O Vale da Raposa de 2005 por sua vez é um branco bem mais brando e redondo, com boa fruta mas que carece de um pouco de mineralidade e de tensão (Preço: 10.50; Pontuação: 84).

Nos últimos anos, a família Alves de Sousa tem reforçado a sua presença no vinho do Porto, num movimento que de alguma forma sublinha um regresso às origens. Os seus tawnies (10 e 20 anos) são de um nível muito bom. O LBV Gaivosa de 2012 carece ainda de algum aprimoramento do tempo (não passou por um processo de filtração completa, o que lhe permite envelhecer), mas mostra potencial na sua riqueza aromática e na sua boa estrutura (Preço: 19.80; Pontuação: 88). Já o vintage de 2013 está numa óptima forma para um ano não clássico e compara com os melhores vinhos do ano (Preço: 49.50; Pontuação: 92). Caso para se reconhecer que, como nos DOC Douro, a família Alves de Sousa está a caminho de se tornar um caso sério também no vinho do Porto.

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