Os produtores gostam de contar histórias e de as colar aos vinhos que fazem. Quando Domingos Alves de Sousa lançou o seu primeiro Abandonado, da vindima de 2004, contou a história da vinha que lhe deu origem ao seu importador belga e a reacção não foi a mais simpática. “Lá vem você com mais uma história”, disse-lhe o importador. Até que, pouco depois, o negociante visitou o Douro e foi ver a vinha do Abandonado. “Aí percebeu o que lhe queria dizer”, recorda Domingos Alves de Sousa. É impossível perceber-se a pureza e a profundidade do vinho Abandonado sem se conhecer a “sua” vinha. Como não se consegue conceber a complexidade dos Gaivosa, a durabilidade do Vinha de Lordelo ou a garra dos Vale da Raposa sem se saber onde nasceram. Muito mais do que produtores de vinho, os Alves de Sousa são intermediários da natureza. É isso que coloca os seus vinhos entre os melhores.
O que os move é uma espécie de conservadorismo revolucionário. A prova de que a resistência compensa. Quem olhar as vinhas da família Alves de Sousa que se estendem na orla da EN-2, entre a Cumieira e Santa Marta de Penaguião, há-de reparar na forma como as videiras velhas se espalham pela encosta, em obediência às mais ancestrais formas de viticultura do Douro. Quem indagar sobre as suas plantas, ficará a saber que ali não há talhões individualizados de castas e ainda menos qualquer devoção religiosa aos prodígios da Touriga Nacional – como antigamente, as castas misturam-se a eito na vinha onde persistem variedades esquecidas como a Mourisco Preto. Quem perguntar sobre as novidades das marcas Quinta da Gaivosa, Vinha de Lordelo ou o Colheita Pessoal ficará a saber que os seus vinhos passam pelo menos quatro ou cinco anos de estágio antes de chegarem ao mercado, como que a celebrar a velha máxima de uma crónica duriense do século XVI que garantia que os vinhos, quanto mais velhos, mais “cheirantes” ficam.
Na Gaivosa, continua a sobreviver uma atitude perante a vinha e a adega que resistiu à vaga da modernidade que, por volta dos anos de 1980, pôr em causa quase tudo o que se fizera nos séculos anteriores da região. Domingos Alves de Sousa, o patriarca da família, nunca foi por aí. Anselmo Mendes, o enólogo que lançou os seus primeiros vinhos, apoiou-o. E o seu filho, Tiago Alves de Sousa, 37 anos, doutorado em viticultura pela Universidade de Trás-os-Montes, quer levar essa atitude ainda mais longe. Para ele, o que deve prevalecer é a ideia da “adega invisível”. Na qual o enólogo deve intervir apenas quando é “necessário corrigir alguma imperfeição” da natureza. O segredo da Gaivosa está por isso nas vinhas. Na natureza.
Por estes dias, os Alves de Sousa andam ainda a celebrar a construção da sua nova adega. Um edifício moderno, ousado mas bem integrado na paisagem, com a assinatura do arquitecto vila-realense Belém Lima. A adega foi nomeada para os prémios de arquitectura Mies Van der Rohe, mas tão ou mais valioso do que o seu traço é a sua funcionalidade. Ali, Domingos e Tiago podem dispor de outros recursos para trabalhar os vinhos. Pequenos lagares com pisa mecânica que garantem “uma extracção suave”, cubas para diferentes litragens, zonas de estágio em madeira com uma maior estabilidade de temperatura, nada falta neste projecto concluído pouco antes da vindima de 2015 que custou 1.4 milhões de euros. Mas se a nova adega é motivo de vaidade, é na vinha que Tiago e Domingos melhor mostram a sua paixão pelos vinhos.