Fugas - Vinhos

Bruno Lisita

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Terroir, vinhas únicas e mais alguns mitos

A Herdade de Portocarro, na Península de Setúbal, é um bom exemplo desta vontade de experimentar novas localizações, novas castas, novos conceitos. As vinhas situam-se no Torrão, na longa cintura de arrozais que guarnece a margem esquerda do rio Sado, ligeiramente a sul de Alcácer do Sal, na fronteira entre os distritos de Setúbal e Évora. Um local improvável no meio de uma manta de arrozais que transformam o perímetro das vinhas numa península seca e árida sitiada por uma mancha intensa de cor verde viçosa que contrasta com a aspereza do terreno. Água e videiras, arroz e vinhas, duas culturas que raramente seguem em boa companhia mas que este local mostrou poderem ser compatíveis. Nem mesmo a inexistência de vinhas, a falta de um passado ou de um caminho prévio que ajudasse nas escolhas do presente foram capazes de dissuadir sobre a escolha do local.

Seria poético e talvez desejável pensar que o local eleito para a implantação de uma vinha seria sempre uma decisão objectiva assente na equação quase mística do terroir, na escolha do melhor local possível para cada casta e estilo de vinhos. Na verdade, a escolha costuma resultar mais das opções económicas e de viabilidade financeira, eventualmente da sorte ou azar de uma herança que de factores mais encantadores mas menos reais. A maioria das grandes regiões europeias nasceu por circunstâncias económicas e práticas, pela proximidade a rios, a cidades ou portos que permitissem ao mesmo tempo escoar o vinho e que fossem locais de consumo.

Por isso, a maioria das grandes regiões portuguesas e europeias dependem de um rio ou estão situadas na proximidade de cidades influentes. No passado muitas delas nasceram por se situarem perto dos mosteiros mais ricos, mais influentes e com melhor conhecimento técnico. Hoje algumas nascem e desenvolvem-se porque são facilmente elogiadas e engrandecidas por estratégias de marketing bem pensadas.

De reputação histórica ou de notabilidade mais recente a verdade é que o sucesso de uma região ou de uma vinha em particular dependem sempre do sucesso que os vinhos têm junto do consumidor. Cada vez que escolhe uma garrafa de vinho em detrimento de outra está a elogiar um vinho em detrimento de outro. Se decidir que prefere um Touriga Nacional do Dão sobre um Touriga Nacional do Douro, se decidir que prefere um Alvarinho sobre um branco do Tejo está a enviar uma mensagem ao produtor e à região que terá repercussões directas no estilo que cada um privilegia.

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