Fugas - Vinhos

Nelson Garrido

Luís Pato, o visionário

Por Rui Falcão

Luís Pato é um caso ímpar no vinho português. Poucas pessoas terão feito tanto por uma região ou uma casta, respectivamente Bairrada e Baga, como ele.

Poucos produtores no mundo terão conseguido criar como Luís Pato uma associação tão directa e objectiva com a sua região, a sua casta e as suas vinhas. O suficiente para ainda hoje continuar a ser alcunhado, dentro e fora de Portugal, como o “senhor Bairrada” ou o “senhor Baga”, mesmo se presentemente alguns dos seus vinhos recebem contribuições de outras castas, mesmo se a Baga não é seguramente a única casta a lhe dar fama e proveito.

Luís Pato é um visionário que muito antes de outros nomes igualmente sonantes da enologia nacional soube perceber o que de diferente se fazia no mundo adaptando-o à realidade nacional sempre tão particular. A sua lista de contribuições directas para a viticultura, enologia e marketing dos vinhos, para a inovação e uma renovação constantes é assombrosa. Infelizmente são por vezes histórias mal conhecidas num estranho sentimento de apatia para com um dos nomes maiores do vinho português. Tal como é costume continuamos a olhar com mais atenção para o que vem de fora do que para os bons exemplos nacionais.

As suas estratégias de marketing e promoção dos seus vinhos, numa época onde a palavra e conceito ainda estavam ausente do vocabulário dos produtores nacionais, é assombrosa. Foi o primeiro a aventurar-se para além dos fundamentos mais elementares da promoção apresentando-se publicamente, sem excepção, com uma gravata, laço ou qualquer outro adereço com a iconografia “pato”, aproveitando a coincidência do apelido. Hoje reinventou-se e de um classicismo inicial assumido converteu-se a uma linguagem disruptiva, moderna, quase radical, mostrando que o passar do tempo não moderou as suas faculdades de inovador e comunicador. O resultado prático é que todos o conhecem, não só em Portugal como em grande parte do mundo.

Foi um dos primeiros a encaminhar os seus vinhos para fora de Portugal levando-os às principais competições internacionais, viajando e remetendo-os para um contacto directo com os jornalistas internacionais. Foi talvez o primeiro produtor português a perceber que os seus vinhos teriam de ser capazes de se confrontar com os restantes vinhos mundiais e que essa disputa lhe poderia ser favorável. Foi um dos primeiros produtores portugueses a convidar e a persuadir alguns dos jornalistas estrangeiros mais conceituados a visitar Portugal, a conhecer a sua adega, a ir à Bairrada ver as vinhas, a perceber in loco os diferentes terroirs e as múltiplas particularidades da casta Baga e dos muitos solos da Bairrada.

Foi o primeiro em Portugal a comercializar vinhos de uma só vinha, com o nome da vinha impressa no rótulo, visível na fundação dos Vinha Pan e Vinha Barrosa, no já distante ano de 1995. Foi também o primeiro a perceber o poder e a vantagem comercial e de comunicação, para além do atractivo enológico, do conceito de Vinhas Velhas, na já longínqua colheita de 1988. Seguindo a mesma linha de raciocínio foi o primeiro a perceber a agressividade e potencial exclusividade das vinhas plantadas em pé-franco, à moda antiga, sem recurso a porta enxerto, administrando de passagem a mística dos vinhos de tiragem limitada, no primeiro exemplo português de um vinho de garagem. Foi ainda o primeiro a pretender vender os seus vinhos mais exclusivos directamente ao público, sustentando a catequese da venda “en primeur”, segundo os preceitos das praças mais fortes.

E, coisa que hoje parece banal mas que foi revolucionária à época, foi um dos primeiros a implementar o conceito de branding inventando e introduzindo uma rotulagem global, racional e facilmente identificável para toda a carteira de vinhos socorrendo-se do nome e imagem do apelido de família. Foi ainda uns dos primeiros a praticar e sobretudo a publicitar os efeitos da monda em verde, estávamos em 1990, preceituando que os cachos excessivos devessem ser deitados para o chão aumentando assim a concentração dos vinhos.

Luís Pato ainda hoje se apresenta como um enólogo autodidacta, um químico por formação, um enólogo que aprendeu com a experiência acumulada e os muitos erros cometidos. Talvez por isso sempre sentiu maior dificuldade no afinamento dos vinhos brancos, estilo que só conseguiu acertar verdadeiramente em 1995. Demorou algum tempo mas a luz chegou de forma notável, especialmente quando em 1998 deu início à série Vinha Formal, rótulo que rapidamente se converteu numa das principais referências dos vinhos brancos portugueses, oferecendo uma qualidade e consistência assombrosas. Custa pensar que ainda hoje os Vinha Formal continuam a ser relativamente desvalorizados por tantos enófilos portugueses incapazes de perceber a jóia que têm entre mãos.

É nos detalhes que se vê a alma de um produtor. De um produtor com passado, com presente e com futuro. De um produtor que sabe de onde veio e para onde vai. Luís Pato está no capítulo pouco povoado dos produtores que se podem gabar de ter passado, presente e, com um grau de certeza muito razoável, um futuro brilhante. É um dos poucos que tem uma história para contar, um percurso para comentar, um histórico que pode ser esquadrinhado. Um dos poucos que se pode dar ao luxo de comercializar garrafas com mais de vinte anos de vida garantindo a saúde dos seus vinhos, um dos raros que oferece garantias de longevidade. Um dos produtores que melhor pode doutrinar sobre o trabalho na vinha, na adega, no marketing e na astúcia.

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