Fugas - Vinhos

ANTÓNIO CARRAPATO

Terrenus, Rui Reguinga e o Alentejo

Por Rui Falcão

Apesar de a realidade poder parecer estranha para uma larga maioria de enófilos que se habituaram a imaginar o Alentejo como uma realidade recente, uma região jovem e sem história que despontou para a ribalta nos anos oitenta do século passado, o Alentejo possui uma história vínica que é simultaneamente rica e recheada de eventos excepcionais ao longo dos séculos.

Ao contrário do que muitos supõem, o Alentejo é uma das regiões portuguesas que oferece um dos percursos históricos mais ricos, prática que infelizmente entrou em falência durante quase meio século com a campanha cerealífera do Estado Novo que suspendeu e reprimiu a cultura da vinha na região que passou a ser apelidada como o “celeiro de Portugal” pelo governo de então.

Como consequência dessa política terrorista perpetrada pelo Estado, a vinha foi sendo proscrita para os terrenos marginais em redor de vilas, aldeias e montes, reduzindo a vinha e o vinho à condição de cultura de sobrevivência para simples consumo doméstico.

Um drama económico, social e cultural que foi relativamente amenizado pela criação de cooperativas que ajudaram à preservação de parte do património genético das vinhas tradicionais do Sul de Portugal. Como ironia da vida, foi precisamente esta condição marginal e forçada da secundarização da vinha que permitiu a continuidade e sobrevivência de uma colecção relativamente alargada de vinhas velhas de castas hoje quase desconhecidas, variedades pouco ou nada estudadas que ainda hoje se encontram presentes e dispersas por centenas de pequenas parcelas de dimensões muito reduzidas que custodiam um património genético que urge ser compreendido, ensaiado e preservado.

São vinhas velhas de castas ou clones pouco conhecidos, variedades mal identificadas e em muitos casos raramente ensaiadas. Castas e clones representativas de uma diversidade genética única que se encontram especialmente bem adaptadas às agruras do clima alentejano e que mereciam melhor sorte e mais empenho por parte dos viticultores e produtores alentejanos. Esparsas por centenas de pequenas parcelas de terra, o Alentejo continua a conservar dezenas de castas quase esquecidas que poderão constituir uma resposta relevante para o futuro do vinho alentejano se tivermos vontade e oportunidade para as identificar, avaliar e acautelar antes da sua mais que provável aniquilação.

Infelizmente, a maioria das pequenas parcelas onde subsistem estas vinhas velhas são propriedade de agricultores já envelhecidos, sem descendência directa com interesse pela agricultura ou ligação afectiva ao campo, à mercê de um futuro incerto. Infelizmente, raramente são recuperadas por enólogos mais jovens, produtores mais recentes ou projectos mais adolescentes, que preferem manter o foco em castas estrangeiras à região como a portuguesa Touriga Nacional ou a francesa Syrah. Qualquer uma destas duas castas, a par com outras ligeiramente menos mediáticas, como o Petit Verdot, Viognier, Alvarinho e tantas outras, já mostraram as suas virtudes e poucos seriam temerários ao ponto de não entender as mais-valias destas e outras castas forâneas que paulatinamente invadem o Alentejo.

Tal não invalida que não haja espaço para ensaiar as castas tradicionais da região, as que todos já conhecemos e as muitas desconhecidas que ainda se encontram espalhadas pelas vinhas velhas do Alentejo, variedades que continuam a ser maioritariamente ignoradas tanto pelos antigos como pela nova leva de produtores alentejanos.

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