Fugas - Vinhos

Nelson Garrido

Continuação: página 2 de 2

Espumantes a mais?

Salvo algumas honrosas e conhecidas excepções provenientes das terras mais altas e frescas, não será fácil criar um espumante de qualidade em regiões como o Douro, Dão, Ribatejo, Setúbal, Algarve ou Alentejo. Apesar da bondade de alguns ensaios, a maioria dos vinhos são pouco excitantes e pouco razoáveis. Mais que acrescentar valor aos produtores, alguns do quais de nomeada e com nome feito no mercado, acabam por os embaraçar com vinhos medianos que não valorizam a casa, acabando por retirar brilho a um nome feito. O que aparentemente não tem impedido que muitos produtores destas denominações, tanto tradicionais como neófitos nestas andanças, sem qualquer experiência no estilo e sem necessidade de diversificar o portefólio até à exaustão, ambicionem apresentar vinhos espumantes sustentando um estilo a que as regiões não se prestam. Talvez ainda pior, muitos deles com o propósito oculto de olhar para o vinho espumante como mais uma receita milagrosa para aproveitar as uvas menos interessantes.

Seguindo a velha máxima nacional que obriga a seguir o que os vizinhos fazem, cada vez mais produtores se deixam seduzir pelo sonho dos vinhos espumantes. Mesmo que não compreendam o estilo, que deixem a espumantização a cargo de terceiros, que a região onde se encontram não ofereça condições naturais para a criação desta família de vinhos. Riscos pouco compreensíveis quando todos sabemos que Portugal é um país de clima maioritariamente quente e soalheiro, onde a maturação, longe de ser um problema, é uma garantia. O que significa que a acidez, o argumento decisivo para a elaboração de vinhos espumantes, representa uma dificuldade de base que só poderá ser ultrapassada através de expedientes que forçam a natureza a produzir algo para a qual não está predisposta.

Tudo isto para acrescentar mais um vinho a um catálogo que muito provavelmente já se encontra demasiado preenchido. A dispersão em demasiados estilos ou em vinhos pouco consentâneos com a realidade leva a uma perda de foco naquilo que verdadeiramente interessa — produzir os melhores vinhos possíveis de forma natural para cada região. Não é fácil manter o carácter dos vinhos e a atenção necessária à tomada de decisão sobre os detalhes se o produtor apostar numa multiplicidade de vinhos que obrigam a demasiadas distracções e à dispersão da atenção.

--%>