Fugas - Vinhos

Luís Ramos

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Vinhos de talha e a galinha dos ovos de ouro

Vinhos de nicho mas o seu séquito de apaixonados e seguidores que continua a crescer de forma exponencial. Vinhos que em muitos casos, sobretudo em Itália, são vendidos a preços muito elevados, tendo alguns deles sido promovidos ao estatuto de vinhos de culto internacionais. Para o Alentejo, condição que se poderá estender a outras regiões de Portugal, os vinhos de talha não são mais que a sua condição natural. A realidade é tão evidente que depois de anos de alheamento o Alentejo, bem como alguns produtores pontuais de outras regiões, começam finalmente a querer dar sinal de vida ensaiando um regresso às tradições do passado com os novos vinhos de talha.

Apesar da alegria perante tal realidade, e da presença de um leve estado de euforia, a verdade é que, mais que alegria, o que se perspectiva para o futuro próximo é apenas um estado de inquietude. Seguindo a velha máxima portuguesa que a galinha de ovos de ouro deve ser morta quase de imediato, muitos dos recentes convertidos estão prestes a querer destruir um passado glorioso com mais de dois mil anos. Porque não podemos chamar vinho de talha a qualquer coisa e em qualquer circunstância só porque o nome está na moda ou só porque o departamento de marketing percebeu que a designação era vendável.

Existem regras que deveriam ser respeitadas e deveria existir uma certificação que regulamentasse as práticas, um código de certificação que proibisse a utilização do nome fora do contexto e das práticas tradicionais. Porque não basta estagiar um vinho em ânforas de barro para lhe chamar vinho de talha. Porque não basta vender um vinho em pequenas talhas de barro para lhe chamar vinho de talha. Porque não adianta revestir uma talha de resina epoxy, roubando-lhe todos os atributos do barro, para vir depois invocar o nome vinho de talha. Porque não basta indicar o nome talha, ânfora ou argila algures no rótulo, seja de forma mais directa ou mais subtil, para que este seja ou se comporte automaticamente como um vinho de talha. Não basta colocar uma percentagem mínima do vinho em talha, muitas vezes apenas no estágio, para que o vinho possa ser sugerido como vinho de talha.

As regras deveriam ser claras, defensoras do estilo, da tradição e do respeito por uma técnica milenar que só poderá valer algo e só poderá ser uma mais-valia se for cuidada, regulada e se oferecer garantias de autenticidade aos consumidores. Enquanto as comissões vitivinícolas deveriam ser extremamente rigorosas nas regras e na certificação, os produtores deveriam ser os primeiros fiscais para os perigos da desvalorização do nome.

Iremos nós abandonar o que nos diferencia sem perceber que é essa mesma diferença e originalidade que nos singulariza num mundo cheio de lugares comuns? Quando é que novos e velhos produtores alentejanos, ou mesmo de outras regiões, se irão aperceber que a relevância e potencial dos vinhos de talha não pode ser destruída com atalhos comerciais que só desvalorizam um dos nomes mais originais de Portugal? Sobretudo quando, ao contrário do universo dos vinhos espumantes, temos mesmo um nome original a propor para este estilo de vinho, factor decisivo na comunicação dos vinhos portugueses.

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