Fugas - Vinhos

Luís Ramos

Vinhos de talha e a galinha dos ovos de ouro

Por Rui Falcão

Os vinhos de talha, vinhos fermentados e por vezes estagiados em ânforas de barro, começam finalmente a estar na moda em Portugal depois de terem ganho notoriedade em diversos países do mundo.

Ao contrário do que se poderá pensar numa análise mais apressada, é sobretudo entre os mercados de consumo mais maduro, nos países com conhecimentos mais sólidos e consistentes, que estes vinhos começaram a ganhar peso, conquistando um nicho de mercado não negligenciável e que pode oferecer mais-valias financeiras relevantes.

Entre os muitos países europeus e as múltiplas regiões vinícolas do velho continente, emergiram duas regiões que se anunciam como catalisadoras desta forma de fazer vinho — a região da confluência entre a Itália e a Eslovénia, no Friuli, e a Sicília, nas profundezas do Mediterrâneo. Apesar de estarmos a falar de duas regiões italianas, nada no passado recente de Itália poderia pressagiar tal futuro, já que as origens dos vinhos de talha, vinhos de ânfora de barro, advêm do extremo oriental europeu, da região de confluência entre a Ásia menor e o Cáucaso. Se quisermos apontar para o nome de um país em concreto teremos então de mencionar a Geórgia, pátria espiritual e material do vinho na sua forma mais primária e elementar.

Mas o que tantas vezes esquecemos, tanto internamente como na comunicação com os restantes países do mundo, é que existe um segundo ponto de tradição milenar no capítulo dos vinhos de ânfora, um nome que nos é familiar e que nos deveria encher de orgulho. Essa região situa-se em Portugal e dá pelo nome de Alentejo, região que aprendeu a fazer vinhos através desta técnica desde que foi conquistada e colonizada pelos invasores romanos há pouco mais de dois mil anos. Só nestas duas regiões situadas nos antípodas da Europa é que a tradição dos vinhos de talha se foi mantendo consistente e corrente, uma tradição que o lento passar do tempo não foi capaz de apagar.

Talhas de barro para a fermentação de mostos e posteriormente para a eventual armazenagem de vinho cuja praxis constitui, ainda hoje, uma prática corrente e que se afirma como parte integrante da identidade cultural alentejana. Talhas de barro de todos os tamanhos e feitios construídas de forma artesanal mas magistral por talheiros exímios. Barro poroso que obrigava a uma impermeabilização cuidada com pês, uma resina natural de pinheiro, segundo processos e fórmulas ancestrais conduzidos por gerações sucessivas de pesgadores, profissão a que hoje poucos se dedicam.

Talhas que continuam hoje a servir, tal como no passado, para produzir vinhos brancos e tintos segundo uma visão muito particular do vinho que é reflectida de uma forma radicalmente diferente dos actuais paradigmas da enologia. Vinhos clássicos, telúricos e austeros sem a fruta e a limpidez de aromas que a maioria dos vinhos correntes de hoje beneficia mas também sem o grau de artificialidade, cinzentismo e ausência de carácter que corrói tantos vinhos actuais. Vinhos fermentados a temperaturas mais elevadas, sujeitos a um ambiente oxidativo em lugar do ambiente redutor que hoje tanto privilegiamos, submetidos a macerações prolongadas com as películas, livres de filtrações e demais labuta a que os vinhos contemporâneos são subordinados.

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