Apesar da dificuldade intrínseca a discursar sobre um conteúdo que por vezes mais parece ter saído da imaginação febril de um excêntrico ou de um sonhador, a verdade é que a biodinâmica é um conceito filosófico merecedor de total respeito que deverá ser encarada como um assunto de investigação real e aprofundada. Apesar do seu lado quase extravagante e bizarro, a biodinâmica é uma matéria muito mais séria do que poderia parecer numa abordagem superficial e pouco séria.
A biodinâmica assenta a sua estrutura de pensamento na antroposofia, no ramo da filosofia e teosofia que, e tentando arrumar os postulados de uma forma simplista, procura o conhecimento do ser humano tentando compreender e harmonizar a união entre o mundo espiritual e o mundo físico. A influência da antroposofia estendeu-se muito para além do mero pensamento filosófico e metafísico, acabando por impor a sua influência a disciplinas tão díspares como a medicina, artes, arquitectura, ensino infantil e juvenil, através do método de pedagogia Waldorf. Influência que acabou também por se estender à agricultura, acabando por redundar nas teorias que conduziram ao nascimento da agricultura biodinâmica.
Não é fácil ler, e ainda menos entender, os fundamentos filosóficos e funcionais enunciados na obra de Rudolf Steiner. A linguagem usada é hermética, espiritual, figurada e rebuscada, dando azo a que as interpretações acabem por ser tão importantes como as enunciações originais. É fácil perder noção do enunciado e da teoria quando somos confrontados com a tarefa árdua de ler e tentar interpretar a obra de Rudolf Steiner. Existem felizmente traduções e descodificações mais ou menos práticas do seu pensamento, da sua abordagem, das suas convicções. Sem essas explicações para leigos seria extremamente difícil conseguir perceber os fundamentos mais básicos da agricultura biodinâmica.
As práticas agrícolas da biodinâmica assentam nas teorias do austríaco e escudam-se na sua interpretação muito particular do cosmos. Uma visão que deu origem ao misticismo e respectivas considerações filosóficas inerentes ao conceito. Tal como no modelo tradicional de agricultura orgânica, a agricultura biodinâmica professa a auto-suficiência e a sustentabilidade ecológica, diferindo no entanto na forma como se alcança este equilíbrio ao acrescentar considerações éticas e espirituais que estão ausentes do pensamento orgânico. Na biodinâmica a atenção ao detalhe e o respeito pelos ritmos e ciclos da natureza, a atitude interior de quem trabalha a terra e é guardião e regulador dos equilíbrios da natureza são conceitos indispensáveis às boas práticas agrícolas.
Sim, é fácil duvidar deste tipo de ideias e é fácil imaginar que estamos perante um grupo de lunáticos ou extravagantes que vêem o mundo numa perspectiva pouco convencional. No entanto, a agricultura biodinâmica está muito longe de ser um exemplo de um grupo de pessoas que anda de sandálias defendendo aos quatro ventos as velhas máximas de paz e amor. É cada vez mais fácil observar muitos dos produtores de renome internacionais, alguns deles bastante conservadores, a juntarem-se de forma entusiasmada ao movimento biodinâmico.
Na maioria dos casos são produtores que se desencantaram com a agricultura convencional e com os efeitos nefastos visíveis do uso indiscriminado de pesticidas. Tal como na agricultura orgânica, o uso de fertilizantes sintéticos, fungicidas, herbicidas e pesticidas é interdito. Mais que tratar ou rectificar a natureza, a biodinâmica incentiva a utilização de preparados que, aplicados de acordo com os ritmos da natureza, incentivam a diversidade e sanidade da vida dos solos.
Tal como nos conceitos da medicina homeopática, a biodinâmica pretende administrar doses minimalistas e puras de produtos naturais repartindo o calendário destes preparados de acordo com as fases da lua e sol segundo os princípios de orientação do cosmos. A doença não é encarada como um problema que tenha de ser resolvido ou tratado de forma directa, mas sim como um sintoma de falta de harmonia, de um distúrbio que deverá ser encarado como um todo.
Infelizmente, e estranhamente, existem muito poucos ensaios comparativos sobre as vantagens da prática biodinâmica face à agricultura convencional ou às práticas orgânicas. Se no plano teórico as crenças e as práticas podem até parecer absurdas, excêntricas e alienadas, a prática costuma demonstrar que as vinhas em propriedades habituadas aos conceitos da biodinâmica costumam revelar uma qualidade da uva ímpar, condição que deveria ser suficiente para se apresentar como embaixadora para a causa.
Poderíamos sugerir que a biodinâmica permite engarrafar de forma mais pura o mundo qualitativo onde a planta nasceu e cresceu. Segundo os defensores das práticas biodinâmicas, os vinhos devem ser o resultado de uma beleza natural sem influência de uma operação plástica na adega. Mais que um conjunto de regras rígidas que deverão ser aplicadas sem critério e sem adaptação local, a biodinâmica representa o respeito pelo homem, pelo conhecimento e pela forma como esse conhecimento se aplica. Um conhecimento e equilíbrio que deve ter um cunho pessoal e regulado à maneira de cada indivíduo e de cada local, um conhecimento adaptado às particularidades onde se trabalha e onde se vive.