Não será certamente necessário recordar a severa crise económica que assola a Europa e o mundo ocidental de forma mais ou menos generalizada. Crise que em Portugal ganhou uma intensidade atroz e um fervor ainda menos recomendável que as crises anteriores cíclicas a que infelizmente já nos tínhamos habituado. Há quase uma década que a palavra crise e as suas consequências nos acompanham no dia-a-dia, há quase uma década que a palavra teima em permanecer na memória e em fazer sentir os efeitos corrosivos de uma crise económica e financeira que se prolonga no tempo, mantendo uma virulência que nos era desconhecida.
Apesar das muitas tentativas para afastar a palavra do pensamento, a crise é uma palavra malfadada que nos tem acompanhado ao longo dos últimos anos e que parece não querer dar sinais de apaziguamento. De tanto ouvir falar na crise e de tanto sentir os seus efeitos perversos, já quase aceitamos a sua existência como um facto consumado, uma fatalidade que se colou à pele do país e com que teremos de conviver durante um número indeterminado de anos ou décadas.
As consequências da crise afectam a larguíssima maioria da população e tardam em aligeirar os seus efeitos imediatos, materiais e emocionais. A crise expõe não só as fragilidades directas, visíveis de forma enfática nas taxas de desemprego e no fraco rendimento disponível das famílias, como as fraquezas indirectas visíveis no sentimento de depressão colectiva e de aparente prostração face ao futuro imediato. Talvez ainda pior que a sensação de crise seja a falta de vislumbre de um futuro mais esperançoso, a ausência de perspectivas de uma melhoria palpável a curto ou a médio prazo.
A crise passou a formar parte das nossas vidas, do quotidiano, ao mesmo tempo que o conceito se entranhou de tal forma que já nos habituámos a lidar com muitos dos dramas que ela estimula no orçamento e na saúde financeira das famílias. Se o dinheiro já escasseia para os bens essenciais, para aqueles que todas as famílias não podem dispensar, os bens considerados não essenciais sofrem ainda um agravo extraordinário que, apesar de compreensível, é dramático para quem produz esses bens prescindíveis como o vinho.
A somar ao efeito da crise no rendimento disponível dos portugueses junta-se o transtorno e a escassez de financiamento, bem como os prazos dilatados de pagamento e a enorme dificuldade na cobrança. Como se esta perspectiva não fosse aterradora só por si, para os produtores nacionais soma-se ainda uma diminuição de consumo de vinho motivada pelas circunstâncias da vida moderna que, entre outros contratempos, diabolizam o álcool e o consumo de vinho. São sobretudo os países do Sul da Europa que diminuíram o consumo de vinho, bebendo muito menos vinho hoje que num passado recente, o que implica que, desejando-o ou não, não resta outro caminho aos produtores nacionais que não passe pelo aumento ou pela aposta decidida na exportação.
Exportar transformou-se numa necessidade imperial de sobrevivência para os milhares de produtores nacionais. Num período de afirmação europeia e integração numa comunidade política e económica, os produtores nacionais definiram intuitivamente os mercados europeus como alvos principais da investida portuguesa. Com maior ou menor taxa de sucesso consoante as regiões e os produtores, mas sempre com esforço e algumas privações, os produtores portugueses tentaram penetrar em mercados tão diferentes entre si e com realidades tão distintas como a Alemanha, Polónia, Noruega, Suécia, Dinamarca, Inglaterra, Holanda, França ou Irlanda, infelizmente quase sempre escondidos sob o anonimato das prateleiras do fundo das garrafeiras e supermercados.
Se a Europa comunitária seria sempre o destino mais imediato, não foi preciso muito para perceber vontade de expandir horizontes para fora do continente, recuperando relações históricas ou investindo em mercados considerados estratégicos para o vinho português. Por isso se percebeu um maior acompanhamento de países tão decisivos como os Estados Unidos da América, Brasil, Angola, China ou Canadá. Infelizmente, os resultados raramente têm sido brilhantes e poucos são os produtores ou regiões que têm conseguido saltar do anonimato para o coração dos consumidores destes países.
Por muito que isso doa aos mais apegados aos valores do patriotismo, não é nada fácil vender vinho de um país que oferece uma imagem tão fraca e apagada como Portugal. Um país que raramente surge nas notícias e que quando surge raramente é pelas boas razões. Por isso também, nestes países considerados estratégicos, e onde o consumo de vinho continua a aumentar de forma consistente, os vinhos portugueses têm sido remetidos para o fundo das garrafeiras ou para as prateleiras mais baixas e menos acessíveis dos supermercados.
Não é fácil definir uma estratégia para os vinhos portugueses, mas é fácil determinar que o argumento do preço que tem sido tão valorizado e promovido por algumas regiões e por alguns produtores nacionais está condenado ao insucesso. Promover Portugal e os vinhos portugueses, apresentando-os como excelentes relações qualidade/preço ou como vinhos baratos, é a forma mais segura de não ganhar prestígio, simpatia ou reconhecimento.
O factor preço barato não cria qualquer sentimento de fidelização com o consumidor ou o ponto de venda, não acrescenta valor, não gera satisfação, não promove emoção, memória ou simpatia. Quando se usa o argumento do preço barato não se promove nada mais para além de um preço que outros países, regiões ou produtores poderão sempre baixar. Pior ainda quando sabemos que os custos de produção em Portugal serão sempre superiores a outros países que jogam nesse campeonato como o Chile ou a Argentina. Talvez fosse tempo de terminarmos a promoção baseada nos preços baixos para começar a vender emoção, alternativa, originalidade e demais formas de nos fazer notados.